Crianças pobres nascem com alguns gramas a mais e se tornam obesas cedo no Brasil
Texto: Ricardo Zorzetto/Revista Pesquisa Fapesp
Nas famílias brasileiras de baixa renda, as crianças estão nascendo ligeiramente mais pesadas. Uma boa notícia é que, ainda na infância, elas se tornam um pouco mais altas do que as da geração anterior. Essa informação, no entanto, vem acompanhada de um dado preocupante: nessa fase precoce da vida, uma proporção cada vez maior delas manifesta sobrepeso e obesidade. A constatação sobre o ganho de estatura é bem-vinda por indicar melhora nas condições de vida e saúde tanto das mulheres, em especial na gestação, quanto das crianças. Já o aumento na frequência de excesso de peso gera apreensão porque aumenta o risco de esses meninos e meninas apresentarem problemas de saúde como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares na vida adulta.
Esses fenômenos foram identificados em um estudo recente, conduzido por pesquisadores do Brasil e do Reino Unido. No trabalho, publicado em 27 de março na revista The Lancet Regional Health – Americas, a equipe liderada pelos epidemiologistas Maurício Barreto, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia, e Leah Li, do University College London, avaliou as informações sobre a massa corporal de 5,75 milhões de crianças brasileiras de famílias de baixa renda coletadas ao nascimento e em pelo menos outros dois momentos da vida. O grupo também analisou os dados de altura obtidos entre os 3 anos e os 9 anos de idade.
No momento do parto, os bebês nascidos entre 2008 e 2014 eram cerca de 30 gramas mais pesados do que os que vieram ao mundo entre 2001 e 2007. Ao chegar aos 3 e 4 anos de idade, no entanto, 11,8% dos meninos e 10,5% das meninas do grupo de 2008-2014 estavam com excesso de peso. Entre os nascidos no período 2001-2007, essa proporção era cerca de 1 ponto percentual menor (respectivamente, 10,9% e 9,6%). Na faixa etária dos 5 aos 9 anos, a prevalência de excesso de peso cresceu cerca de 3 pontos percentuais de uma geração para outra: chegou a 30% entre os meninos nascidos entre 2008 e 2014 – ela era de 26,8% no período 2001-2007 – e a 26,6% entre as meninas no grupo de 2008-2014, ante 23,9% em 2001-2007. As taxas de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes brasileiros cresceram desde 1990 e devem aumentar ainda mais na próxima década (ver Pesquisa FAPESP nos 336 e 338).
A partir dos 3 anos, as crianças nascidas entre 2008 e 2014 também eram, em média, cerca de 1 centímetro mais altas do que as nascidas no período 2001-2007.
“O crescimento na altura das crianças brasileiras reflete o desenvolvimento econômico e as melhorias das condições sociais e de saúde de anos anteriores”, explica Carolina Santiago Vieira, pesquisadora associada do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (Cidacs) da Fiocruz. Já o aumento de sobrepeso e obesidade, associado a novos padrões de dieta e ao sedentarismo, preocupa por aumentar na vida adulta o risco de desenvolver doenças crônicas, como diabetes e problemas cardiovasculares. “Esse impacto será ainda maior na população de crianças mais pobres, entre as quais a prevalência da obesidade vem aumentando mais. As políticas de prevenção devem ser direcionadas de forma mais específica para esse grupo social”, afirmou Vieira, a primeira autora do estudo, coordenado ainda por Gustavo Velásquez Meléndez, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Rita de Cássia Ribeiro Silva, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Artigo científico
SANTIAGO-VIEIRA, C. et al. Recent changes in growth trajectories: A population-based cohort study of over 5 million Brazilian children born between 2001 and 2014. The Lancet Regional Health – Americas. 27 mar. 2024.