Crítica: Em “Como Evitar um desastre climático”, Bill Gates massageia o próprio ego e dá panorama sobre um apocalipse evitável
Falar de mudanças climáticas não é tão simples quanto parece, apesar de ser um assunto importante e recorrente ao longo dos anos, especialmente na luta contra o tempo por mecanismos que possam inibir as emissões de gases de efeito estufa.
Assim, como forma de tentar fazer um “mínimo” diante do que aprendeu nos últimos dez anos sobre o assunto, o cofundador da Microsoft e filantropo Bill Gates, lançou para o mundo o “Como evitar um desastre climático: As soluções que temos e as inovações necessárias”, uma espécie de guia didático de como precisamos voltar nossas atenções com urgência para a luta contra as mudanças climáticas, principalmente com o engajamento da sociedade para promover posicionamentos e intervenções dos governos e maior investimento na ciência.
Publicado pela editora Companhia das Letras em fevereiro de 2021 e com tradução de Cássio de Arantes Leite, o livro traz ao longo de suas 321 páginas um detalhamento sobre estudos de especialistas com quem Gates dialogou ao longo de uma década, além de estratégias que podem se tornar reais e viáveis por meio de ações calculadas a longo prazo. A principal delas é a chamada “Carbono Zero”, uma defesa de que as superpotências mundiais invistam em energia limpa, com o uso de tecnologia agrícola. Mas, para se chegar a este ideal, como o próprio Gates reitera, é preciso dar uma série de passos rumo a estratégias que sejam possíveis — começando pela utilização e preservação de nossos próprios recursos.
“Chegar a zero requer uma abordagem muito mais ampla: promover uma mudança completa por meio de todos os instrumentos à nossa disposição, como políticas governamentais, tecnologia atual, novas invenções e a capacidade dos mercados privados de distribuir produtos em grandes quantidades para inúmeras pessoas.”
Inclusive, quando ele aborda o desequilíbrio em nossos ecossistemas, traz bons exemplos ilustrativos do que a natureza gera de forma orgânica para nossa proteção citando os manguezais, com árvores baixas que crescem na costa, possibilitando o atenuamento de ondas de tempestade, evitando inundações costeiras e protegendo os habitats dos peixes. Segundo Gates, “os manguezais ajudam a evitar perdas estimadas em US$ 80 bilhões em inundações em todo o mundo e economizam outros bilhões de outras maneiras”.
O autor também escreveu uma parte especial apenas sobre a Covid-19, que ocasionou em uma leve redução na emissão de gases do efeito estufa por conta do distanciamento social. “Isso mostra que usar menos carros e aviões não seria o suficiente para atingir a meta de zero, nem seria o fator mais determinante. Assim como precisamos de novos testes, tratamentos e vacinas para combater a Covid-19, também precisamos de novas ferramentas para combater as mudanças climáticas: maneiras de gerar eletricidade, fazer coisas, cultivar alimentos, aquecer ou resfriar dentro de edifícios e transportar pessoas e bens ao redor o mundo, tudo com uma pegada de carbono zero.”
Em meio a várias exemplificações de ações que governos e empresas podem investir, Gates alerta a cada capítulo, por vezes até de forma repetitiva, sobre a causa urgente em concentrar boa parte dos esforços na adaptação e atenuação em minimizar o impacto das mudanças climáticas, como financiando pesquisas extensas sobre novas variedades de culturas resistentes a secas e inundações. É claro que, nesse momento, ele puxa sardinha para a Fundação Gates, criada junto com sua esposa Melinda, que investe em tal abordagem.
Mas, mesmo com o tom otimista e até de autocongratulação sobre os métodos e ferramentas já existentes, é fato que Bill Gates apresenta uma olhar mais macro para o assunto, mesmo quando traz brevemente o contexto de alguns locais com vulnerabilidade social, como a região de Lagos, na Nigéria.
O livro é muito bem escrito, com uma linguagem bem simples e de fácil compreensão, com excelentes fontes bibliográficas e referências que o deixam ainda mais enriquecedor. Obviamente, o peso de quem o escreveu vale muito, o que criou um certo hype sobre o seu conteúdo. Contudo, é importante deixar claro que ele não apresenta nenhuma grande inovação, mas apenas alguns dados e informações que podem ajudar a trazer clareza e argumentos às pessoas que querem debater o assunto.
Então, se você estiver com um pé atrás sobre a leitura de uma obra com um tema tão importante e escrita por um homem que já colaborou com empresas que fazem justamente aquilo que ele critica (mas, créditos a ele que reconhece tal ironia), não se preocupe. Por mais que existam algumas teorias da conspiração por trás do lançamento desta obra, o fato é que Gates conseguiu produzir um bom livro com as principais informações sobre o que tem sido feito a respeito das mudanças climáticas.
Mesmo que muitas de suas propostas não se apliquem de forma imediata e concisa em alguns países, como o próprio Brasil e muitos outros subdesenvolvidos, é uma leitura super válida e carregada de munição para debater com maior propriedade sobre o que podemos fazer, de forma coletiva e individual, para ajudar na adaptação as mudanças climáticas nos próximos anos.
É um assunto premente, como defende Gates. “Não consigo pensar em uma resposta melhor para o terrível 2020 do que passar os próximos dez anos perseguindo essa ambiciosa meta [de combater as mudanças climáticas.”
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