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Defesa, a morte anunciada dos técnicos brasileiros

"No Brasil, a defesa é a coisa menos importante que mais derruba técnicos". Leia mais na coluna de Cassiano Gobbet
Imagem: João Callegari/Fotos Públicas

O calendário oficial de cornetagem do futebol brasileiro acompanha nossa data “móvel” do Carnaval. É mais ou menos o tempo de 4 a 6 partidas não-vencidas ou perdidas que fazem o torcedor (e cidadão) frustrado achar um objeto para projetar a raiva e não tem mais nenhum feriado para servir de esperança. Inúmeros já caíram (você pode ver com uma rápida busca), dezenas cairão. Em 99% dos casos em que o elenco não quer derrubar o “professor”, a demissão será por conta do rendimento defensivo, porque no Brasil, a defesa é a coisa menos importante que mais derruba técnicos.

Pouco antes de estrear na Olimpíada de 1992, o técnico de basquete Chuck Daly, que teve a sorte de treinar o “Dream Team”, (o equivalente à seleção de 1970, combinado com a Holanda e Alemanha Ocidental de 1974, e a Hungria de Puskas juntas), foi questionado em uma coletiva sobre suas chances nos Jogos. Ele previu: “Se defendermos bem, acho difícil que alguém nos vença”. Obviamente, os EUA não apenas ganharam todos os jogos, mas também triunfaram com uma vantagem mínima de 32 pontos em cada um deles.

Esportes coletivos são vencidos pela defesa. Ponto. É simples assim. É a verdade no vôlei, no basquete, no futebol e onde quer que você imagine. Quando falamos de times míticos como o “Dream Team”, o Santos de Pelé, a Seleção de 1970, o Barcelona de Guardiola, o Flamengo de Zico e o São Paulo de Telê, o que vêm à memória são os gols belíssimos, a técnica refinada, lances quase coreografados, mas esses times tinham defesas espetaculares. Acho difícil alguém acusar Guardiola, Cruyff ou Telê de retranqueiros, mas especialmente os mais recentes, todos eram terrivelmente disciplinados sobre como o time todo tinha de participar das jogadas.

Pouco antes de Thiago Carpini assumir o São Paulo, numa entrevista dele a um podcast, ouvi uma frase que não caiu bem – Carpini dizia que achava o futebol de hoje muito “robotizado” (não me lembro exatamente o termo, mas era essa a idéia). Aquilo me soou mal porque esse argumento é usado por 10 entre 10 treinadores brasileiros da escola tática Abelão-Geninho, que significa “vamos marcar muitos gols porque lá atrás a zona é total”. O futebol do seu time até aqui está totalmente em linha com a (falta de) tática.

No Brasil, uma herança do mítico Nilton Santos, fez dos laterais os verdadeiros pontas dos times (talvez a única contribuição tática realmente relevante do Brasil na história). Isso faz com que o default brasileiro seja a matemática do “Sobra Zero”, ou seja, basta um drible bem-sucedido para a linha defensiva desabar.

O gigante Marinho Peres, zagueiro e capitão palmeirense e colega de Johan Cruyff no Barcelona, contava como o holandês o fez entender o que era a linha de impedimento: uma diminuição do espaço para induzir o adversário ao erro. Mal treinada, de fato é uma linha burra, porque o drible mata toda a linha. Bem treinada, exige uma movimentação de todo o ataque, e não só um drible. Assim como em todo esporte coletivo se vence na defesa, defesa se monta com treino – muito treino.

Carpini já é a bola da vez mesmo sem chegarmos a março. Em 10 jogos, somente Portuguesa, Água Santa e Palmeiras não fizeram ao menos um gol (sendo que contra o Palmeiras o SP teve a única atuação defensiva satisfatória). Se ele quer chegar a começar o Brasileiro sem a corda no pescoço, precisa não ser eliminado na Libertadores. Para isso, só uma coisa importa: não tomar gols.

Com o elenco que tem, o SP não vai parar de marcar gols porque as outras defesas são igualmente flácidas. Para deixar mais fácil de entender: enquanto seus zagueiros ficarem no mano a mano uma ou mais vezes por jogo, ou seu time não baixar a quantidade de falhas de marcação na bola parada para zero, sua cabeça está à prêmio. Dez jogos não são suficientes para avaliar ninguém, mas com a atual defesa, ele não vai ter tempo para mostrar serviço nenhum.

Point Blank

“Dream Team” O termo é pouco Chuck Daily tinha nada menos do que as lendas abaixo para montar seu time:

**Michael Jordan (**Chicago Bulls), Magic Johnson (LA Lakers), Larry Bird (Boston Celtics), Charles Barkley (então no Philadelphia 76ers), Patrick Ewing (NY Knicks), entre outros. Veja o time todo aqui.

**Inacreditável…**também é pouco para definir a “opinião” de Tite sobre o caso de Daniel Alves – mais um sintoma do machismo endêmico e criminoso no Brasil. Eu não sei se me espanto mais com a resposta em si ou com a falta de inteligência de Tite em não responder o básico do básico: “Avaliar isso é uma função da justiça, não minha, e me parece que a justiça já se manifestou”.

Depressa Tite ainda pode controlar o dano de sua frase infeliz. Mesmo que ele seja tão machista quanto o resto do país, uma retratação ao menos serviria para posicionar o técnico do clube com mais torcida do Brasil e ex-treinador da Seleção em sincronia com o ano de 2024 e não 1325.

Cassiano Gobbet

Cassiano Gobbet

Jornalista, vive na trilogia futebol, tecnologia e (anti) desinformação. Criador da Trivela, ex-BBC, Yahoo e freelancer em três continentes. Você o encontra no Twitter, Bluesky ou por aí.

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