Texto: Luciana Constantino | Agência FAPESP
Por meio de experimentos com camundongos, pesquisadores desvendaram mecanismos envolvidos em inflamações na polpa dentária e em lesões periapicais (em torno da extremidade da raiz do dente), abrindo caminho para a busca de medicamentos que podem ser usados para inibir a perda óssea decorrente de infecção endodôntica. O mecanismo estudado envolve um receptor denominado TNFR1, no qual a citocina pró-inflamatória TNF-α se liga.
Em uma das situações avaliadas, a via de sinalização TNF-α-TNFR1 foi capaz de proteger e permitiu o reparo do dente, mas, em outro caso, gerou resposta em sentido diferente, levando a um processo inflamatório com perda óssea – a diferença foi a presença ou não de microrganismos.
Um dos estudos, publicado no Journal of Endodontics, mostrou que o receptor TNFR1 está envolvido na formação de dentina reparadora após a realização do chamado “capeamento” da polpa dentária, ou seja, a colocação de um material bioativo diretamente sobre o local exposto na tentativa de permitir a cicatrização da polpa.
Quando o TNFR1 é removido ou desativado geneticamente (processo conhecido como ablação), há uma alteração da resposta inflamatória e inibição da produção de proteínas-chave de mineralização (sialoproteína dentinária e osteopontina), levando à necrose da polpa dentária e ao desenvolvimento de periodontite apical. Com isso, os pesquisadores demonstraram, in vivo, que essa via de sinalização pró-inflamatória é importante para a diferenciação celular e síntese de proteínas que controlam o processo de biomineralização dentária – um caminho crucial para a cicatrização adequada dos dentes.
Já no outro trabalho, publicado na mesma revista, os cientistas observaram que a via de sinalização TNF-α-TNFR1 é responsável por mediar a degradação do tecido ósseo após a contaminação do canal radicular. Essa via desempenha um papel importante na inflamação e na perda óssea quando o canal radicular do dente está contaminado por microrganismos. Se houver o bloqueio dela, é possível reduzir os efeitos negativos.
“Nosso grupo tem trabalhado na investigação de mediadores biológicos envolvidos na diferenciação de células-tronco e biomineralização de dentes e ossos. Estudamos lesões periapicais, que são um tipo bem específico, quando há entrada de bactérias no canal radicular dos dentes, resultando em uma contaminação no canal”, afirma o professor da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FORP-USP) Francisco Wanderley Garcia de Paula-Silva.
Os dois artigos são resultado do doutorado de Luciano Aparecido de Almeida Júnior no Programa de Pós-Graduação em Odontopediatria da FORP-USP, sob orientação de Paula-Silva. Ambos receberam apoio da FAPESP (19/00204-1 e 19/02432-1).
Recentemente, o grupo ligado ao professor também publicou um artigo direcionado e revisado por crianças para explicar o processo de regeneração dos dentes, com ênfase nas células e moléculas envolvidas neste mecanismo. Além disso, eles mantêm um canal no YouTube sobre “alfabetização” em saúde bucal (leia mais em: agencia.fapesp.br/41826).
Entre crianças e adolescentes, as cáries são o principal problema bucal, segundo dados preliminares da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, que vem sendo realizada pelo governo federal. O levantamento mostra ainda que cerca de 45% dos idosos de 65 a 74 anos precisam de algum tipo de tratamento imediato, devido à dor ou infecção dentária, e, entre adultos (de 35 a 44 anos), foi identificada a necessidade de ao menos um procedimento odontológico eletivo em 48% da população avaliada.
Passos
Na pesquisa que envolveu a formação de dentina reparadora, os cientistas compararam as respostas de reparo da polpa dentária de camundongos geneticamente deficientes do receptor-1 de TNF-α com roedores “selvagens” (linhagem C57Bl6). O capeamento da polpa foi realizado com agregado de trióxido mineral. Após sete e 70 dias, os tecidos foram coletados para avaliação.
Nessa situação (falta do receptor TNFR1), a resposta inflamatória gerada foi muito grande, resultando na perda óssea com recrutamento de células que fazem essa reabsorção do tecido.
No estudo que avaliou a via de sinalização TNF-α-TNFR1 frente à infecção, os pesquisadores induziram a periodontite apical por meio da inoculação de microrganismos orais nos canais radiculares de molares dos camundongos e compararam com o grupo de controle após sete, 14, 28 e 42 dias.
Foram realizadas análises por microtomografia computadorizada – com a participação do Laboratório de Pesquisa em Endodontia da FORP-USP –, avaliação histopatológica, histomicrobiológica e histométrica. A conclusão foi de que os roedores deficientes de TNFR1 exibiram menor recrutamento de neutrófilos aos 14, 28 e 42 dias, resultando em diminuição da área e do volume da periodontite apical aos 42 dias.
O número de osteoclastos – células responsáveis pela reabsorção óssea por meio da desmineralização e degradação da matriz do osso – também foi menor nestes animais aos 14 e 42 dias.
Paula-Silva diz que seu grupo vem agora buscando perspectivas terapêuticas com base nos achados das duas pesquisas. “Com esses resultados, percebemos que, se bloquearmos essa resposta inflamatória, inibindo o receptor, podemos trabalhar em um protocolo de tratamento. Estamos na fase inicial, ainda em modelo animal, mas é um alvo bem interessante”, complementa o professor em entrevista à Agência FAPESP.
Os artigos Reparative Dentin Formation Following Dental Pulp Capping is Mediated by TNFR1 In Vivo e TNF-α-TNFR1 Signaling Mediates Inflammation and Bone Resorption in Apical Periodontitis podem ser lidos, respectivamente, em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37423584/ e https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37499863/.