Ciência

Desigualdades socioeconômicas limitam o acesso a novas terapias contra o câncer

Avaliação foi feita por participantes do AACR on Campus Brazil, um programa de extensão cooperativa para profissionais em início de carreira promovido pela Associação Americana para Pesquisa do Câncer e pela USP
Foto: Elton Alisson/Agência FAPESP

Texto: Elton Alisson, de Ribeirão Preto | Agência FAPESP

O oncologista americano Luis Diaz Jr. tem contribuído para o surgimento, nos últimos anos, de imunoterapias consideradas revolucionárias no tratamento do câncer. Em 2022, o pesquisador, que é chefe da divisão de oncologia de tumores sólidos do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York, nos Estados Unidos, liderou um ensaio clínico de um tipo específico de câncer retal que dispensa a necessidade de radioterapia, quimioterapia ou cirurgia.

Pelo novo método, os pacientes são diagnosticados por meio de biópsia líquida – em que parte da informação genética dos tumores é identificada a partir de amostras de sangue – e tratados com pembrolizumab – um anticorpo monoclonal administrado por injeção intravenosa que atua na proteína imunossupressora PD-1, localizada na superfície das células do sistema imunológico. Ao bloquear a atividade imunossupressora dessa proteína, o medicamento permite que as células imunológicas eliminem os tumores.

O pesquisador conduziu ensaios clínicos semelhantes em pacientes com câncer de mama, com resultados também promissores, e iniciou testes para o tratamento de câncer gástrico, esofágico, de próstata e de pâncreas.

“Agora podemos diagnosticar câncer em pacientes com testes simples, por meio de biópsia líquida, e tratá-los com o pembrolizumab, eliminando a necessidade de toda uma infraestrutura médica”, disse Diaz durante sua participação no AACR on Campus Brazil – um programa de extensão cooperativa para profissionais em início de carreira promovido pela Associação Americana para Pesquisa do Câncer (AACR, na sigla em inglês) e pela Universidade de São Paulo (USP) entre 19 e 23 de fevereiro (leia mais em: agencia.fapesp.br/50902, agencia.fapesp.br/50901, agencia.fapesp.br/50892 e agencia.fapesp.br/50913).

Com ascendência peruana, o pesquisador avalia que a nova terapia pode ampliar o acesso e reduzir os custos do tratamento oncológico especialmente em países em desenvolvimento, como os da América do Sul e da África, onde iniciou uma colaboração recente. Mas sublinha que o acesso à nova terapia ainda é limitado mesmo em países com maior renda, como os Estados Unidos, em razão do alto custo.

“Ainda é difícil todos os pacientes se beneficiarem dessa terapia porque, para isso, é necessário que o medicamento seja comercializado a preços acessíveis. Hoje, o custo mensal do uso desse medicamento para pacientes norte-americanos é de US$ 20 mil [equivalente a quase R$ 100 mil]. O tratamento, com duração de seis meses, custa US$ 120 mil [quase R$ 600 mil]”, disse Diaz em entrevista à Agência FAPESP.

Disparidades internas

Nos Estados Unidos, de acordo com Diaz, já foram tratados milhares de pacientes com câncer metastático por meio da nova terapia e pouco mais de 100 com tumores localizados.

Para ter acesso a esses tratamentos em instituições de referência, como o próprio Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, contudo, os pacientes precisam ter um bom seguro de saúde privado. Ou, se vierem do exterior, condições de pagar do próprio bolso, ponderou Patricia LoRusso, presidente da AACR e diretora associada para terapias experimentais do Yale Cancer Center, em New Haven, Connecticut.

“Há uma disparidade significativa [no acesso a novas terapias para o tratamento de câncer] nos Estados Unidos. A 30 minutos de carro da nossa instituição, há muitos pacientes extremamente pobres que precisam pegar ônibus para ir à quimioterapia ou ao consultório de um oncologista. Também atendemos, no Yale Cancer Center, pessoas que têm plano de saúde privado, mas o custo dos medicamentos, se forem obtidos em regime ambulatorial, é bastante significativo e muitas vezes eles não podem arcar”, ponderou LoRusso.

Já Thomas Marron, diretor de ensaios clínicos de fase inicial e imunoterapia no Tisch Cancer Institute da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mount Sinai, conta que no hospital que trabalha há quartos com duas camas onde em uma pode estar internado um milionário e em outra um morador de rua. “E tratamos eles juntos, da mesma forma”, disse.

“Assim, temos a possibilidade de tratar com medicamentos caros pacientes indocumentados, que não têm número de seguro social e muito menos seguro, sem que eles tenham que pagar por isso, de forma semelhante à que ocorre nos sistemas de saúde da Europa ou em países como o Canadá”, disse Marron.

Essa variedade socioeconômica dos pacientes atendidos na instituição permitiu que o pesquisador identificasse diferentes perfis de tipos de câncer entre eles. Enquanto o número de casos de câncer cervical é muito menor em pacientes mais ricos ou de classe média, há muitos mais casos de câncer de colo de útero em estágio avançado especialmente entre imigrantes, afirmou o pesquisador.

“Vemos muitas disparidades, não só socioeconômicas, mas também no tipo de câncer entre esses pacientes”, afirmou Marron.

Necessidade de treinamento

Na avaliação dos pesquisadores, além do aspecto econômico, outro fator que limita o acesso dos pacientes a novas terapias promissoras para o tratamento do câncer é a falta de treinamento de médicos.

O Yale Cancer Center, por exemplo, possui 15 clínicas espalhadas por Connecticut, Rhode Island e Massachusetts para atendimento comunitário, feito por médicos particulares, que tratam todos os tipos de câncer.

“Esses médicos comunitários tratam uma diversidade de tumores. Mas não é possível saberem tudo sobre cada tipo de tumor”, diz LoRusso.

A fim de diminuir essa lacuna, a instituição iniciou um programa voltado a oferecer especialização para esses médicos. “A ideia é que um oncologista atuante nesses centros não tenha de tratar casos de câncer de próstata, de mama, de ovário ou linfoma no mesmo dia. Um determinado médico tratará só câncer de mama, por exemplo”, contou a pesquisadora.

“Toda semana, viajo para uma área muito carente em Bridgeport [em Connecticut] para ajudar a preparar os médicos de uma clínica de atendimento para realizarem tratamentos experimentais”, disse.

No Brasil e em outros países da América Latina, muitos pacientes com câncer de próstata, por exemplo, também não recebem tratamento adequado por falta de recursos financeiros e de treinamento de médicos, comparou Rodolfo Borges do Reis, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Outros entraves para o tratamento adequado do câncer no Brasil e em outros países em desenvolvimento são a falta de um banco de dados confiável sobre o número de pacientes que poderiam participar de um ensaio clínico, por exemplo, apontou Reis.

Não se sabe quantos pacientes com câncer de cólon poderiam ser tratados ou submetidos a um ensaio clínico em países na América do Sul ou na África, exemplificou o pesquisador.

“Precisamos construir um banco de dados para entender a doença e verificar se ela é diferente de uma região para outra, com base em dados genéticos, e quantos pacientes ela atinge”, afirmou.

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