Um dia de aula de programação com adolescentes da Fundação Casa
Numa pequena sala de aula com poucos computadores, 7 garotos participam de uma aula de programação em blocos. Ali, eles aprendem sobre lógica de programação básica, planejamento e começam a interpretar alguns códigos. O ambiente é de uma escola estadual comum: pátio, corredores largos e diversas salas. A diferença é que iniciativa faz parte de uma ação para menores de idade que cumprem medidas socioeducativas na Fundação Casa.
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No início do mês visitei a unidade Casa Jardim São Luiz, no bairro do Jardim Vergueiro, zona sul de São Paulo. Lá, duas turmas de 7 alunos têm todas as semanas duas aulas na plataforma do Programaê! – fruto de uma parceria entre Fundação Lemann e Fundação Telefônica Vivo, agentes educadores, técnicos e pedagogos da GEP (Gerência de Educação Profissional da Fundação Casa).
Os blocos são interessantes para apresentar a programação para pessoas que nunca tiveram contato com o tema. Basicamente, são elementos para construção dos programas: para fazer com que algo funcione do jeito que você quer, basta arrastar blocos que casem com outros elementos. Cada um deles possui uma função relacionada.
Durante a aula que acompanhei, eles usavam o Scratch, que tem uma lógica muito parecida com brinquedos Lego. Os comandos são como blocos de construção que podem ser montados uns sobre os outros desde que seja possível o encaixe. Existem blocos de movimento, aparência, som, caneta para desenhar, controle, operadores lógicos e matemáticos e variáveis de armazenamento de dados.
O que se aprende
A professora Daniela Bergonani, 35, é formada em sistemas de informação e dá aulas há 12 anos na Fundação Casa. Segundo ela, os garotos sempre mostraram muito interesse pela aula, afirmando que as atividades geram grande curiosidade. Além das instruções na sala, ela faz apresentações sobre o mundo do programação, ajudando na compreensão do que é possível realizar a partir dos códigos. Na lousa, algumas referências com vídeos e reportagens que falam sobre essas possibilidades. “Eu vou trazendo ideias e aí eles vão escolhendo o segmento que mais os interessam. A cada semana eu trago informações novas,” contou.
Um dos alunos, Leonardo, me disse que no início achou a aula meio infantil e sem sentido. Mas em pouco tempo já estava entendendo o objetivo do projeto e compreendendo a lógica por trás da programação. Geralmente, relacionamos o aprendizado da programação com habilidades relacionadas a exatas, mas ele mostra que não se trata de uma regra. Em um dos exercícios, viu que ao colocar uma letra diferente do que a máquina pedia, a função não funcionava.
“Fiz tudo o que o computador me pediu. Num dos exercícios, escrevi ‘desenhar’ mas ele solicitava a palavra ‘desenho’ e por causa desta pequena diferença ele não conseguia entender o comando. Isso me fez perceber como a máquina é incrível e me ajudou a perceber essa diferença depois em outras aulas, como na de português. Percebi que uma simples mudança numa palavra muda o sentido de uma frase. Comecei a me atentar nos estudos, nas cartas que eu escrevo aqui dentro, pra realmente dizer o que eu quero dizer. Isso me impressionou muito.” Pode parecer simples, mas com a ajuda da programação o garoto conseguiu entender a diferença entre substantivo e verbo — conceitos básicos, mas que fazem toda a diferença na comunicação.
Leonardo conta ainda que sabe que pode aprender mais coisas sobre programação. Porém, outros cursos que ele fez na Fundação devem dar uma perspectiva melhor lá fora, como as aulas de hidráulica. Ele não sabe se vai ter um acesso fácil a um computador depois que sair da medida socioeducativa.
Já para Dênis, outro aluno da iniciativa, a programação o ajudou a entender melhor os conceitos matemáticos. Em um dos exercícios, precisou lidar com ângulos e direções, com as quais nunca teve muita facilidade. Além disso, conseguiu compreender mais sobre as máquinas. “Antes, usava o computador para assistir filmes e olhar algumas coisas na internet. Não sabia como funcionava, agora sei como o computador entende nossos comandos.”
Como eles entram para as aulas de programação
No total, são 20 etapas do Programaê! que duram cerca de 3 meses. No final das atividades, os internos recebem uma certificação e podem compartilhar os resultados de seus projetos, via internet, com outros usuários das ferramentas. Para aqueles que se interessarem, é possível desvendar outras ferramentas a partir da própria plataforma. A professora Daniela conta que um dos seus alunos ficou interessado em HTML e hoje ela dá um apoio individual para que ele avance com a linguagem.
As turmas são pequenas, mas o interesse entre os internos é grande. Para definir quem faz essas e outras aulas, a Fundação Casa se baseia no Plano Individual de Atendimento (PIA), que avalia o grau de interesse e aptidão de cada jovem. Ao chegar na Fundação, os adolescentes são avaliados e é elaborado um diagnóstico com o apoio de psicólogos, assistentes sociais, agentes educacionais, pedagogos, médicos, nutricionistas, agentes de apoio socioeducativo, entre outros profissionais.
Segundo o regimento da Fundação Casa, todo esse processo é discutido com o adolescente e sua família. Além disso, o plano estabelece algumas metas, que visam a inserção em atividades que exijam maior responsabilidade, inclusive em ambiente externo, assim como a liberação gradativa.
Números
Hoje, 36 unidades da Fundação Casa espalhadas por todo o Estado de São Paulo possuem aulas de programação por meio do Programaê! São quase 300 jovens participando dos cursos. As aulas também são dadas para as meninas, já que as disciplinas também são lecionadas em três centros socioeducativos femininos. Em 2015, quando a ação começou, eram atendidos cerca de 100 adolescentes em 10 centros.