Disparo de mensagens via WhatsApp na eleição foi possível com fraude de CPF
Um grupo de empresas envolvido no disparo em massa de conteúdo via WhatsApp durante as eleições de 2018 utilizava nomes e CPFs de idosos para o registro de chips, sem a autorização dos cidadãos. A fraude foi revelada nesta domingo (2), em reportagem da Folha de S.Paulo.
O jornal obteve acesso a um processo na Justiça do Trabalho, em que Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma das empresas envolvidas, afirma não ter sido registrado, não ter feito pausa para almoço e não ter recebido horas extras. As condições de trabalho o levaram a iniciar o processo.
A Folha conversou com Nascimento, que confirmou o conteúdo dos autos e respondeu a uma série de perguntas. Cerca de uma semana depois de falar com o jornal, Nascimento fez um acordo com a antiga empregadora e não quis mais continuar o contato com a reportagem.
Empresas no esquema do CPF
Segundo Nascimento, três empresas faziam parte do esquema de fraudes de CPFs: Yacows, Deep Marketing e Kiplix. Todas funcionam no mesmo endereço em Santana, na zona norte de São Paulo, e pertencem aos irmãos Lindolfo Alves Neto e Flávia Alves.
Nascimento foi empregado da Kiplix entre 9 de agosto a 29 de setembro, com salário de R$ 1.500. À reportagem, ele entregou uma relação de 10 mil nomes de pessoas nascidas de 1932 a 1953 (de 65 a 86 anos) que, como afirma, era distribuída pela Yacows aos operadores de disparos de mensagens para o cadastro de chips.
Ele enviou ainda fotos de salas com computadores ligados a diversos celulares e chipeiras e caixas com chips – a maioria da Claro. O jornalista Rodolfo Viana aponta no Twitter que Lindolfo Alves Neto e Flávia Alves, sócios da Yacows, são também sócios da Red Telecom – empresa autorizada da Claro.
a maioria dos chips usados pela yacows nos disparos em massa durantes as eleições era da claro.https://t.co/7KIqi80VT4 (da lavra de @camposmello)
e não é que os sócios da yacows também são sócios da red telecom, empresa autorizada da claro? pic.twitter.com/vCwp9UUMVI
— Rodolfo Viana (@rodolfoviana) 2 de dezembro de 2018
Nascimento afirma ainda que “cerca de 99% do que fazíamos eram campanhas políticas, e 1% era para a Jequiti”. Uma mensagem enviada por um supervisor de Nascimento descreve o uso de robôs para disparar as mensagens em massa, o que é proibido pela legislação eleitoral.
Prestação de serviços
A Folha aponta que Henrique Meirelles (MDB), que disputou a Presidência, declarou o pagamento de R$ 2 milhões à Deep Marketing por “criação e inclusão de páginas da internet”. Já a Kiplix trabalhou para a AM4, agência à qual Jair Bolsonaro declarou ao TSE pagamento de R$ 650 mil.
Pelo menos outros 15 candidatos a deputado estadual, federal e senador declararam ao TSE ter usado os serviços da Deep Marketing e da Kiplix.
A AM4, que foi contratada pela campanha de Jair Bolsonaro, disse que durante as eleições fez um único envio de mensagem com ferramenta contratada, no dia 13 de setembro, pelo site www.bulkservices.com.br.
“A AM4 desconhecia que a plataforma Bulkservices pertencesse a Kiplix/Yacows/Deep Marketing e que eles faziam também venda de cadastros”, disse à Folha, afirmando ainda que a mensagem foi disparada para oito mil telefones que haviam sido previamente cadastrados pela campanha, dentro, portanto, da legislação eleitoral.
O que dizem os envolvidos
A Yacows afirma que não há evidências de atos ilícitos no processo trabalhista aberto por Nascimento e que não compactua com práticas ilegais.
Segundo o TSE, a Yacows integra o polo passivo de uma ação cautelar e é investigada em outro processo.
Em nota, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) disse que “casos de clonagem de linhas e utilização indevida de dados pessoais podem configurar eventual fraude junto às prestadoras, que devem, dentre suas obrigações, adotar medidas de combate a essas práticas”.
Já a Claro diz repudiar o uso não autorizado de dados. “A Claro informa que vende e habilita milhares de chips e linhas móveis mensalmente e esclarece que não detectou nenhum comportamento atípico nas vendas.”
Origem
O disparo em massa de mensagens com conteúdo eleitoral via WhatsApp foi revelado pela Folha em outubro. Na época, o jornal alegou que empresas teriam pagado até R$ 12 milhões pelo serviço de disparo automático de mensagens contra o PT pela plataforma. Dias depois, o próprio WhatsApp anunciou o bloqueio de contas associadas a empresas que ofereciam o serviço.