Nós, humanos atuais, temos mais DNA de neandertais do que achávamos
Uma equipe internacional de pesquisadores completou uma das análises mais detalhadas já feita do genoma de um neandertal. Entre as várias novas descobertas, os pesquisadores descobriram que os neandertais acasalaram com os humanos modernos há surpreendentemente muito tempo e que os humanos vivendo atualmente têm mais DNA neandertal do que presumíamos.
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Antes desse novo estudo, apenas quatro espécimes de neandertal haviam tido seus genomas sequenciados. Desses, apenas um — um neandertal de Altai descoberto na Sibéria — era de qualidade suficiente, possibilitando que os cientistas sinalizassem com precisão variações no genoma. A nova análise, possibilitada por um genoma notavelmente bem preservado tirado de uma fragmento de osso de 52 mil anos, é agora o segundo genoma de neandertal a ser completamente sequenciado com alta fidelidade. O estudo resultante, publicado agora na Science, confirma várias coisas que já sabíamos sobre neandertais, ao mesmo tempo em que revela algumas coisas que não sabíamos.
A equipe de pesquisa internacional que conduziu esse estudo — um grupo liderado por Kay Prüfer e Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig, na Alemanha — sequenciou o genoma de uma neandertal fêmea, chamada de Vindija 33.19, cujos restos foram descobertos na caverna Vindija, no norte da Croácia. Ao estudar os genomas de neandertal em detalhes e comparando seu DNA ao de humanos modernos, cientistas podem aprender mais sobre nossa história e biologia evolucionárias. E, de fato, os pesquisadores fizeram algumas descobertas interessantes.
Baseados em evidências arqueológicas e genéticas anteriores, arqueólogos e antropólogos suspeitaram que os neandertais viviam dispersos pela Europa e pela Ásia. A falta de diversidade genética (heterozigosidade baixa) na Vindija 33.19 confirma essas descobertas iniciais, mostrando que os neandertais “viviam em populações pequenas e isoladas” e “com um tamanho de população efetivo de cerca de 3.000 indivíduos”, escreveram os pesquisadores em seu estudo.
A análise genômica anterior da neandertal fêmea de Altai mostrara que seus pais eram meio-irmãos, o que fez os cientistas acharem que os neandertais tinham o hábito de se reproduzir com membros da família imediata. Mas o genoma da Vindija 33.19 é diferente: seus pais não eram tão intimamente ligados, então não podemos mais dizer que a endogamia extrema é uma característica comum dos neandertais. Dito isso, a neandertal croata compartilhava uma ancestral materna com três outros indivíduos encontrados na caverna Vindija (cujos genomas não estão nem um pouco tão completos).
Reprodução com Homo sapiens
O estudo anterior também sugeria que os neandertais começaram a se reproduzir com humanos modernos arcaicos cerca de 100 mil anos atrás, mas a nova análise empurra ainda mais para trás, entre 130 mil e 145 mil anos atrás. O local desses encontros de subespécies provavelmente ficava no Oriente Médio ou na Península Arábica, mas antes de os humanos modernos se espalharem em massa Europa e Ásia adentro.
Uma análise comparativa do DNA da Vindija 33.19 com humanos vivos resultou em um pequeno aumento na quantidade de genes retidos pelo Homo sapiens. Quando nossos ancestrais acasalaram com neandertais, absorvemos e retivemos parte de seus genes, alguns bons, alguns ruis. Alguns desses genes se perderam para sempre (devido à eliminação de traços indesejados pela seleção natural), mas alguns permaneceram. Prüfer e Pääbo dizem que, baseado no novo genoma de alta qualidade, populações modernas carregam entre 1,8% a 2,6% de DNA neandertal — isso é mais alto do que estimativas anteriores de cerca de 1,5% a 2,1%. Mais especificamente, asiáticos do leste têm cerca de 2,3% a 2,6% de DNA neandertal, enquanto pessoas da Europa ocidental e da Ásia retiveram cerca de 1,8% a 2,4% de DNA neandertal. As populações africanas virtualmente não retiveram nada, porque seus ancestrais não acasalaram com neandertais.
Por fim, os pesquisadores conseguiram identificar as funções das variantes de genes que ainda estão exercendo influência nos humanos hoje em dia. Essas incluem genes associados com níveis plasmáticos de colesterol LDL, distúrbios alimentares, acumulação de gordura visceral, artrite reumatoide, esquizofrenia e resposta a medicamentos antipsicóticos. “Isso aumenta a evidência crescente de que a ascendência neandertal influencia o risco de doenças nos humanos de hoje em dia, particularmente no que diz respeito a fenótipos neurológicos, psiquiátricos, imunológicos e dermatológicos (doenças de pele, unhas, cabelo)”, escreveram os pesquisadores. Algumas dessas características herdadas permitiram aos humanos modernos sobreviver fora da África, mas agora nos tora suscetíveis a doenças.
Anne Stone, geneticista antropológica na Universidade Estadual do Arizona e que não esteve envolvida no estudo, diz que a coisa mais surpreendente sobre essa nova pesquisa é que os cientistas puderam obter uma sequência genética tão belamente preservada.
“A partir dessa informação, entretanto, acho que o que foi mais interessante foi a evidência de que os humanos modernos antigos cruzaram com neandertais bastante cedo (vemos isso nos genomas neandertais), durante um tempo anterior ao que pensamos ter sido o de grande êxodo da África (que resultou a colonização do restante do mundo por parte dos humanos modernos)”, contou Stone ao Gizmodo. “O outro aspecto surpreendente foi que o nível de diversidade genética foi parecido com aquele visto em algumas populações humanas modernas isoladas. Isso é diferente do que foi visto no neandertal de Altai, que era bastante consanguíneo.”
Um aspecto do estudo que não surpreendeu Stone, mas que ela achou legal mesmo assim, foi que a Vindija 33.19 era mais intimamente relacionada à população de neandertais que cruzaram com humanos modernos antigos que haviam saído da África. “Isso não é surpreendente, considerando o local da caverna, que é muito mais próximo da área onde achamos que isso aconteceu”, ela afirmou.
É bem incrível o que cientistas conseguem descobrir a partir de uma cadeia de DNA de 52 mil anos de idade.
[Science]
Imagem do topo: cortesia de James Ives