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Dorival, a Seleção não tem que te amar – só te temer

"Dorival Jr. sobreviveu à frigideira Tricolor, mas foi jogado dentro de um vulcão em erupção". Veja a estreia de Cassiano Gobbet como colunista do Giz Brasil

No dia em que Dorival Júnior foi oficializado na Seleção, a atenção dada a ele no Brasil foi quase nula. O “imperdível” reality show da Globo dominou as tendências, e a Seleção atraiu menos atenção do que um meme tosco. No entanto, essa falta de atenção revela algo: Dorival é irrelevante para todos, exceto para ele. Ele sobreviveu à frigideira Tricolor, mas foi jogado dentro de um vulcão em erupção.

Antes de mais nada, vale o heads-up: o ex-técnico do São Paulo não merece nenhum desdém, seja como pessoa ou como treinador. Embora sua carreira não tenha tido destaque (mesmo quando ganhou títulos), Dorival esteve sempre perto dos clubes mais importantes do Brasil. Como cidadão, também nunca teve seu nome ligado a mutretas ou polêmicas.

Que o Brasil é uma zona para ser entendida só por profissionais, Tom Jobim já sabia. Veja como Dorival viveu seus dois últimos anos. Num ano ele foi demitido por um clube depois de ganhar dois títulos de verdade (não estaduais ou copas genéricas). No ano seguinte, foi “premiado” com a cadeira elétrica da CBF após um melancólico 11o lugar e menos pontos por partida do que seu antecessor porque ganhou – com méritos – a Copa do Brasil.

Nós, brasileiros, estamos acostumados à falta de vergonha com o que é público. A CBF sempre foi um ninho de cobras, mas desgoverno igual a hoje, não tem precedentes. O cargo no banco da CBF nunca esteve mais desprotegido, uma janela de cristal. E sem ninguém para garanti-lo minimamente, Dorival não tem o recurso mais importante de um técnico de futebol: o medo.

Se um técnico consagrado como Carlo Ancelotti ou José Mourinho chegasse à Barra da Tijuca, qualquer convocável (mesmo ex-jogadores curtindo cruzeiros) iria afinar. Técnicos de sucesso consistente podem ter diferenças de estilo, táticas, treinos, exposição, mas TODOS, sem exceção, intimidavam seus jogadores. De Guardiola a Telê Santana, de Cruyff a Alex Ferguson, quando o “professor” entrava na sala, todo mundo abaixava a orelha. Quem estivesse de palhaçadinha, como diria Joel Santana, era enquadrado no ato, e se insistissem, era game over.

Dorival não chega com carta branca. Não tem um salário maior do que seus novos comandados (e acredite, isso tem um peso ridículo entre os boleiros). Não teve um período de supremacia como Abel Ferreira hoje ou Luxemburgo no século passado, nem uma lista impressionante de troféus. Em suma: Dorival chega à Seleção por falta de candidato melhor. Ele não é ruim, mas a realidade é essa. 

Ele também não herda um time minimamente pronto, sem líderes inquestionáveis ou um grupo coeso. Começa do zero. O que ele fará taticamente é irrelevante. Se ele conseguir domar o grupo e obter um mínimo de suporte entre os jogadores mais importantes, o Brasil vai para a Copa sem susto, especialmente num torneio inchado para atender a cleptocracia da Fifa. Seu objetivo tem de ser claro: arrancar um mínimo de respeito no grupo que ele montar. 

Para finalizar, um recado da história. Ao ler O Príncipe, de Maquiavel, uma obra-prima de cinismo e poder, o fundador da França moderna, Napoleão Bonaparte fez um comentário na passagem em que o autor sugere que o rei precisa ter o amor de seus súditos para ser bem sucedido. “Não preciso que ninguém me ame. Preciso que tenham medo de mim”, observou, numa nota de rodapé. Napoleão nunca treinou a Seleção, mas pelo visto ele sabia como a banda tinha que tocar.

Point Blank

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