Minha irmã é bruxa. Ou, mais precisamente, uma astróloga wiccana e leitora de tarô. Tendo crescido como um garoto que adorava Carl Sagan e Stephen Hawking, eu achei bem complicado conciliar minhas visões de mundo com as dela. Mas isso não me impediu de ficar emocionado quando visitei sua casinha vitoriana, um lugar decorado de maneira esquisita e envolto em névoa em São Francisco, no final dos anos 1990. A cidade cantarolava com os sonhos tecno-utópicos da bolha das pontocom, mas dentro daquela casa havia velas queimadas, cartas de tarô embaralhadas e livros de ocultismo se espalhavam pelos cantos do sótão. E foi naqueles cômodos iluminados por velas que eu comecei a entender o apelo daquilo que não é racional, e isso mudou a minha vida.
Quando comecei a minha pós-graduação em História, eu decidi focar no período em que a magia e a alquimia se metamorfosearam naquilo que viríamos a conhecer como a ciência moderna. Eu era especialmente fascinado por John Dee, o bruxo-astrólogo da corte da Rainha Elizabeth I. Embora Dee acreditasse que podia falar com anjos, ele também foi um dos maiores matemáticos e geógrafos de sua época. Robert Boyle e Isaac Newton seguiram os passos de Dee, conduzindo investigações empíricas sobre a natureza enquanto estudavam profecias bíblicas e segredos da alquimia. John Maynard Keynes estava certo quando observou, em 1946, que Newton não foi o primeiro cientista — ele era o último dos magos. A geração de Newton nutria um carinho especial pela busca por “virtudes ocultas” — fenômenos secretos latentes na natureza — e eles as encontraram nas drogas psicoativas e também descobriram um mistério que está entre nós até hoje.
Eu encontrei o primeiro indício dessa obsessão Iluminista nos diários do maior rival de Newton, o briguento porém brilhante polímata Robert Hooke. Num dia de outono de 1689, Hooke entrou num café londrino para comprar uma amostra de cannabis de um comerciante da Companhia das Índias Orientais que havia se tornado um aficcionado pela planta. Hooke testou os efeitos da droga em um anônimo e informou que ela deixou o paciente “incapaz de dizer uma só palavra que fizesse sentido”. Apesar disso, o veredito foi bom: o consumidor não estava “tonto ou bêbado” e parecia “muito feliz”, sorrindo, dançando e fazendo “vários truques estranhos”. Hooke disse aos seus companheiros membros da Royal Society que a cannabis era um sonífero valioso e que poderia até mesmo “ser considerada para o uso em lunáticos”. Ele previu que os comerciantes de Londres poderiam fazer fortuna vendendo a erva.
Em outras palavras, os mesmos novos efeitos sensoriais que fizeram substâncias como o tabaco, ópio e maconha desejáveis para consumidores globais também os tornaram fascinantes para os primeiros cientistas experimentais. Mas o que fez com que essas drogas se tornassem más – para eles e para nós? Como a dicotomia entre “droga ilícita” e “medicina valiosa” passou a existir?
As drogas tiveram má reputação desde a época de Shakespeare: a venda desregrada de drogas e venenos em Romeu e Julieta permite o trágico final da peça. Shakespeare tendia a associar drogas com coisas como bruxas (“Sua mistura fede, feita com ervas da meia-noite reunidas”) ou assassinos católicos (“a Itália amaldiçoada pelas drogas”). Mas no século XVII, as drogas adquiriram associações com o mundo não-europeu: as ilhas caribenhas com suas febres, a África tropical e as exóticas Índias Orientais.
Até mesmo os humildes grãos de café (do Iêmen e da Etiópia) e as folhas de chá eram considerados medicamentos exóticos naquela época. O doutor Cornelis Bontekoe, um médico a serviço do braço holandês da Companhia das Índias Orientais, recomendava em seu Tractaat (1679) que duas xícaras de chá por dia eram ideais para uma boa saúde. Outro médico escreveu sobre sobre os chineses que o chá “os liberta de todos os males que o uso imoderado de vinho causou em nós”. Mas para a Europa Cristã, as virtudes medicinais de “drogas” estrangeiras como o café, o chá, o ópio e a cinchona eram contrabalanceadas por suas origens em terras pagãs.
O Rei da Inglaterra se juntou ao coro de vozes que atacava as “drogas indianas” como pouco saudáveis e não-cristãs. O Rei James escreveu o A Counterblaste to Tobacco (1604) uma diatribe fantasticamente violenta contra o “costume sujo” de fumar, culpando-o por “infectar o ar” nas mesas de jantar espalhadas pelo reino — para não mencionar que o fumo forçava as esposas dos fumantes ao “tormento perpétuo do fedor”. James considerava o tabagismo um costume demoníaco das culturas xamânicas do Novo Mundo, evocando “a horrível fumaça do rio Estige vinda de uma cova sem fundo”. Em outras palavras: para ele, os cigarros tinham o cheiro do inferno.
James não estava sozinho em sua demonização das drogas. Os inquisidores da Cidade do México retrataram usuários indígenas de peiote como feiticeiros, e os sacerdotes jesuítas nas profundezas da selva amazônica enviavam relatórios preocupados sobre uma planta chamada ayahuasca, que permitia que os xamãs adquirissem conhecimentos advindos dos maus espíritos. Mesmo os grãos de café provocavam polêmicas sobre o “licor estrangeiro” que “enfeitiçava” os consumidores causando enfraquecimento, impotência e coisas piores.
As drogas psicoativas ficaram, assim, no centro de um debate que envolvia imperialismo, religião, globalização e ciência. E elas ainda estão. Não é coincidência que os cartéis de drogas estejam entre as mais bem-sucedidas empresas multinacionais do século XXI. Ou que a cruzada global contra as drogas, tanto as prescritas por médicos quando as ilícitas, seja um dos princípios fundamentais de uma das maiores novas religiões: a Igreja da Cientologia.
Não seria exagero dizer que a onda de estimulantes, intoxicantes e narcóticos que seguiu na esteira de Cristóvão Colombo ajudou a criar a modernidade como a conhecemos. Do café, passando pelo chá e o chocolate e chegando ao Adderall, aos analgésicos, à cocaína e aos remédios alternativos, como a homeopatia e o ginseng, o consumo de drogas está na centro daquilo que é ser um consumidor moderno.
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