A tecnologia de edição de genoma CRISP revolucionou a engenharia genética ao permitir que cientistas copiassem e colassem pequenos trechos de DNA com mais precisão do que nunca. Agora, um dos grupos por traz dessa tecnologia utilizou o poder da edição CRISPR para também editar RNA, uma molécula que, assim como o DNA, é essencial na codificação, regulação e expressão dos genes. Este desenvolvimento pode eventualmente permitir a cientistas alterar a expressão de genes no corpo humano sem a necessidade de alterar o genoma.
“Edição a nível de RNA tem diversas vantagens”, disse Feng Zhang, um cientista do Broad Institute e autor sênior do estudo publicado na Science, ao Gizmodo. “É mais flexível do que fazer mudanças permanentes ao DNA, que trazem importantes implicações ao uso terapêutico, permitindo estudar e controlar uma grande gama de processos celulares, como splicing, modificação de mRNA e sinalização de cascadas”.
Junto do DNA e proteínas, o RNA é uma das macromoléculas vitais da vida, envolvida na sintetização de proteínas e transmissão de informações genéticas. Em uma célula, informação genética flui do DNA para o RNA e então para outras proteínas, com o RNA agindo como um árbitro entre os dois. Nos últimos anos, no entanto, nosso entendimento do papel do RNA foi expandido. RNA defeituoso, em vez de DNA, também é responsabilizado como a fonte de algumas doenças humanas, incluindo alguns tipos de câncer.
Para editar o RNA, cientistas precisaram criar um novo sistema de edição. Existem diversas enzimas CRISPR diferentes, e a maioria dos sistemas de engenharia de genoma CRISPR se baseiam em uma enzima chamada Cas9. O sistema de edição de RNA desenvolvido por Zeng e seus colegas se baseia em uma enzima diferente, a Cas13b. O sistema permite aos pesquisadores mudarem um único nucleosídeo, ou letra do RNA, em uma cadeia (fita) de RNA em células mamíferas. Eles chamam o sistema de RNA Editing for Programmable A to I Replacement (em tradução livre, Edição de RNA de Programável A para I Reposição, ou “REPAIR”.
O sistema REPAIR pode ser um divisor de águas ao permitir que cientistas alterem doenças causadoras de mutações sem a necessidade de permanentemente modificar o código genético do paciente. Ao corrigir mutações problemáticas por letras que codificam o RNA, cientistas podem potencialmente reverter mutações sem causar mudanças permanentes ao genoma, já que o RNA degrada naturalmente com o tempo.
“Este é um significante avanço pois adiciona uma nova dimensão para [a pesquisa] e capacidade de edição”, diz Eric Topol, um genetistas na Scripps Research Institute, para o Gizmodo. “Isso ajudará a determinar quais genes são essenciais, e especialmente a função de RNA não codificante que geralmente é algo difícil de compreender. Já pelo lado médico a vantagem é a intervenção temporal, pois a edição de RNA é transitória e reversível – muitas condições médicas podem se beneficiar de um processo de edição tão específico e de curto prazo”.
Mas é claro, Topol complementa, tudo isso é teórico – até então ele foi apenas testado em células humanas no laboratório, não em humanos de fato.
A nova técnica, no entanto, tem sérias limitações. Por exemplo, explica Zhang, eles conseguem fazer apenas uma única mudança base no sistema. Eles conseguem apenas reverter Gs que mutaram para As, uma mutação ligada à doenças incluindo a distrofia muscular de Duchenne e a doença de Parkinson.
“Apesar de muito comum em doenças genéticas, é apenas uma das 12 possíveis edições de nucleotídeos que podem ser feitas”, diz. “Nós gostaríamos de desenvolver edições bases adicionais para expandir o leque de ferramentas disponíveis”.
Mais interessante, talvez, é a forma com que a edição de RNA poderia reestruturar o debate ético sobre a edição genética. Muitas discussões se esquivam do fato que a alteração dos genes de alguém é algo permanente; uma edição que vem acompanhada de consequências não intencionais que podem durar para sempre, e até mesmo transmitidas para gerações seguintes. Para algumas doenças, no entanto, edição de RNA pode ser uma alternativa.
Imagem de topo: MIKI Yoshihito/Flickr