Isto é o que acontece com o cérebro de quem está chapado de LSD

Estudo britânico analisou como o cérebro se comporta sob efeito de LSD. Pesquisa pode ajudar no tratamento de psicose, esquizofrenia e depressão.

Pela primeira vez, pesquisadores analisaram a atividade cerebral de pessoas chapadas de LSD. A impressionante pesquisa revela a intensidade dramática de como drogas lisérgicas afetam as funções normais do cérebro, além de apontar para possibilidades de terapias para problemas psicológicos de efeito similar.

Em um novo estudo publicado na Proceeding of the National Academy of Sciences, uma equipe de pesquisadores liderada por Robin Carhart-Harris, do Imperial College London, demostrou como o LSD afeta de forma arrebatadora as atividades normais do cérebro — acentuando o poder de certas regiões do cérebro, enquanto reduz a função de outras. Além de auxiliar em estudos da consciência, essas novas descobertas vão ajudar a aumentar o interesse no uso de drogas lisérgicas para fins terapêuticos e modelização de doenças. Pode também inspirar outros pesquisadores a estudarem o LSD e seus efeitos no cérebro humano.

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A dietilamida do ácido lisérgico, geralmente conhecida como LSD ou ácido, foi sintetizada primeiramente pelo cientista suíço Albert Hofmann, em 1938. Desde aquele tempo, poucos trabalhos científicos estudaram as drogas lisérgicas e seus efeitos no cérebro. A pesquisa sobre o assunto parou durante o fim da década de 60, quando o uso da droga foi criminalizado. No entanto, há também um forte estigma social que associa o ácido como uma “droga potente”.

Consequentemente, é difícil para os pesquisadores passarem pelos obstáculos regulatórios para convencer conselhos de ética sobre a necessidade do estudo dos efeitos do LSD no cérebro humano. Este tabu está começando a diminuir, dando início a uma nova era de pesquisa neurocientífica.

“As pessoas estão começando a perceber que não é impossível fazer este tipo de pesquisa, só é muito difícil”, explicou Carhart-Harris ao Gizmodo. “Creio que assim que algumas pessoas fizerem, elas vão dizer aos outros como fazer.”

A pesquisa

Os pesquisadores recrutaram 20 voluntários. Carhart-Harris disse ao Gizmodo que a fase de recrutamento foi “a parte mais fácil do projeto”, pois os candidatos “aproveitaram” a oportunidade. Todos os participantes eram saudáveis, e todos já tinha tido experiência com LSD, o que era uma importante preocupação de segurança. Colocar alguém em um escâner cerebral — cuja experiência pode ser barulhenta e claustrofóbica — que nunca usou LSD antes poderia ser o sinal de uma tragédia anunciada.

Os especialistas usaram diferentes tipos de técnicas de imagem, incluindo ressonância magnética funcional e magnetoencefalografia. Cada participante tomou 75 microgramas de LSD ou um placebo que consistia em uma solução de sal. Como os voluntários ficaram sob o efeito da droga dentro dos escâneres de cérebro e com os olhos fechados, as máquinas gravavam a ação oculta do ácido nos cérebros delas. Após isso, cada participante avaliou as alucinações visuais e o estado de alteração da consciência.

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Imagem da comunicação do córtex primário sob efeito do placebo (topo), LSD (segundo, na sequência) e a diferença entre eles (terceira imagem). Crédito: Imperial College London

Estas análises do cérebro foram feitas em 2014. Desde então, Carhart-Harris e seus colegas ficaram analisando esse monte de dados sem precedentes.

Alucinações

Eles ficaram particularmente impressionados com a forma como o LSD afeta o córtex visual primário, a parte do cérebro que nos ajuda a processar o ambiente onde estamos e nos ajuda em tarefas básicas, como identificar cores, contrastes, linhas e em nossa orientação espacial.

Normalmente, a maioria da comunicação neural dentro do córtex visual é limitada e restrita à sua rede em forma de teia. No entanto, quando uma pessoa está sob efeito do LSD, esta área expande seu poder e escopo, produzindo alucinações bem reais. Usuários geralmente descrevem ter visto coisas como formas geométricas rastejantes, cores radiantes e objetos que parecem ondular ou respirar.

“Sob a influência do LSD, a rede dentro do córtex visual vive uma surpreendente comunicação de expansão”, disse Carhart-Harris. “Ela se torna muito mais restrita e limitada ao sistema visual, resultando em uma maior contribuição de processamento visual do cérebro e experiência visual.”

Falta de percepção de si próprio

Outra grande conclusão tem relação com o fenômeno de dissolução do ego ou, como alguns usuários de LSD se referem, a “morte do ego”. A maioria de nós tem por padrão um senso constante e imutável de nós mesmos. Ele nos dá propósito e direção, além de permitir que nos vejamos com distinção comparados aos outros. Sob efeito de ácido, essas associações são enfraquecidas; o senso comum de auto-percepção é quebrado. Para alguns, isso é traduzido em um sentimento de conectividade universal, o que faz com que alguns usuários descrevam suas experiências com ácido como algo transcendente ou religioso.

“A psicodelia é um lembrete de que a nossa auto-percepção é precária”, afirmou Carhart-Harris. “Sob efeito da droga, a consciência ainda está intacta — mas nos falta este senso de percepção, um senso de ter um ego.”

A razão para isso, segundo Carhart-Harris, tem relação com uma rede particular em nosso cérebro que é responsável por nosso auto-conhecimento, ou seja o giro para-hipocampal e o córtex restroplenial. Quando está com LSD, esta rede sofre baixa na conectividade, resultando em um senso desintegrado de si próprio. “Quanto maior este efeito, mais nossos participantes descreveram a experiência de dissolução do ego”, comentou Carhart-Harris. Após o efeito do LSD, o senso de si próprio e funções normais do cérebro foram restauradas.

Então, o LSD exerce grande influência sobre nosso cérebro. Carhart-Harris disse que a análise dos efeitos tem relação com a forma como o LSD afeta as transmissões sinápticas dentro de nosso cérebro. O LSD imita a serotonina (um neutrotransmissor que influencia o humor) e engana o sistema da serotonina de maneiras interessantes. Quando a droga se liga ou gruda em um receptor específico de serotonina (sendo mais preciso, o receptor de serotonina 2A), ela muda a forma do receptor, e isso leva a alguns efeitos drásticos, como alucinações e alteração nos estados de consciência. A flexibilidade de consciência começa a ser modulada pelo LSD, que é feita por meio do receptor.

“Isso nos diz que há algo especial e algo importante sobre estes receptores de serotonina 2A e como eles modulam a consciência”, explica Carhart-Harris. Não é a quantidade de consciência que é alterada, mas a qualidade.

Associações desconexas

Pessoas com LSD também tiveram mudanças emocionais e de comportamento. Sob efeito do ácido, alguns usuários tenderam a pensar de formas hiper-associativas (por exemplo, fazendo conexões de coisas ou conceitos que não necessariamente têm relação), elas misturaram estímulos e se tornaram mais abertas a serem influenciadas. A transição do humor extático (proveniente do êxtase) ao pânico total pode acontecer em um piscar de olhos.

Carhart-Harris diz que muitas dessas características são provenientes de distúrbios psicológicos. “Este estudo não nos mostra apenas o que o LSD faz, mas a natureza das funções normais do cérebro”, explica. “Você precisa desses sistemas intactos para ter um juízo no qual podemos confiar.”

O efeito dos ácidos lembra bastante certos distúrbios psicológicos, incluindo estágios iniciais de psicose, esquizofrenia e depressão. Em todos esses casos, existe algum tipo de inflexibilidade no cérebro. Carhart-Harris espera que algumas drogas — incluindo as lisérgicas — podem ser usadas para fazer uma espécie de “reinicialização” do cérebro como uma fora de acabar com essa inflexibilidade. No entanto, ele admite que isso deve levar um bom tempo, pois ainda estamos nos primeiros estágios de pesquisa.

“A pesquisa de consciência é uma ciência relativamente nova”, falou o pesquisador ao Gizmodo. “Em termos de pesquisa de psicodelia, a análise cerebral de psicodélicos é ainda embrionária. Então, para a gente entender essas conclusões, nós precisamos de espaços em uma rede de compreensão, e nós ainda não a temos. Nós temos um tesouro em forma de dados, e contamos com o início de uma melhor compreensão sobre o que tudo isso significa. No entanto, nós ainda estamos apenas na ponta do iceberg.”

[PNAS]

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