Ciência

Em ambulatório psiquiátrico público no interior de São Paulo, maioria dos atendidos são mulheres na faixa dos 45 anos

Pesquisadores da Famerp analisaram dados de 8.384 consultas realizadas no Hospital de Base de São José do Rio Preto num período de dois anos e constataram realidade similar à de outros serviços do SUS. Resultados divulgados na revista Frontiers in Psychiatry apontam os transtornos mais comuns e os medicamentos mais prescritos
Foto: Freepik

Texto: Julia Moióli | Agência FAPESP

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Mais de 75% dos pacientes atendidos no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Base da cidade de São José do Rio Preto são mulheres com média de idade de 45 anos e queixas de tristeza, ansiedade e irritabilidade, de acordo com estudo publicado na revista Frontiers in Psychiatry. O resultado, compatível com dados da literatura nacional e internacional, chama a atenção para a importância do diagnóstico e tratamento de doenças mentais e pode ajudar a orientar políticas públicas relacionadas.

“A realidade observada em São José do Rio Preto é semelhante à de outros ambulatórios de psiquiatria da rede pública regional e nacional”, afirma Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e coordenador da pesquisa, financiada pela FAPESP por meio de dois projetos (20/09891-9 e 21/11939-2).

Em todo o mundo, com cada vez mais frequência, os transtornos de saúde mental são responsáveis pelo comprometimento da qualidade de vida e da capacidade para o trabalho. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, esse tipo de problema afeta 20% da população adulta, sendo grave e persistente em 3% dos casos e, em 6% deles, decorrente do uso de álcool e outras drogas. Além disso, 12% das pessoas necessitam de algum cuidado contínuo ou ocasional. Apesar disso, apenas 2,3% do orçamento anual do Sistema Único de Saúde (SUS) é destinado a essa área.

“Melhorar a identificação de características clínicas e epidemiológicas é um passo fundamental para estabelecer protocolos mais eficientes, desenvolver políticas públicas e promover melhorias nos serviços”, diz o pesquisador.

Para obter essas informações, um grupo de pesquisadores liderados por Araújo analisou dados de registros médicos eletrônicos referentes a 8.384 atendimentos clínicos realizados, entre março de 2019 e março de 2021, no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Base de São José do Rio Preto, que oferece atendimento multidisciplinar para pacientes psiquiátricos do noroeste paulista e é um serviço público de referência para 2 milhões de habitantes de 102 municípios da região.

O seguinte perfil foi traçado: a maioria dos pacientes é do sexo feminino, tem média de idade de 45 anos e sofre majoritariamente de ansiedade generalizada. Os sintomas da doença mais relatados são tristeza, ansiedade e irritabilidade. Os medicamentos mais prescritos são antidepressivos do tipo inibidor seletivo de recaptação de serotonina (ISRS), como o cloridrato de sertralina.

“Observamos que, na maioria dos casos, quem busca o atendimento são donas de casa bastante acometidas de quadros depressivos e ansiosos, o que traz à tona, mais uma vez, a discussão sobre o acúmulo de papéis e funções pelas mulheres”, comenta Araújo. “Também vale destacar que se trata de um grupo de risco para transtornos mentais por serem mais vítimas da violência doméstica.”

“Outro ponto a ser ressaltado é que a mulher tem por hábito procurar assistência médica e psicológica com mais frequência do que o homem, que geralmente escamoteia os transtornos mentais, inclusive com o uso de álcool e outras substâncias psicoativas”, completa Cinara Cássia Brandão, professora do Departamento de Biologia Molecular da Famerp e coautora do trabalho.

Se houve predomínio de mulheres (78,86%) com transtornos de ansiedade e depressão entre os atendimentos, a esquizofrenia prevaleceu entre os homens (59%) – assim como o transtorno delirante (57,89%), o abuso de álcool (70%) e de substâncias ilícitas (60%).

A duração média observada das doenças e dos tratamentos foi, respectivamente, cerca de 15 e de nove anos quando considerados ambos os sexos – entre mulheres apenas foi de 14 e nove anos e, entre os homens, de 18 e oito anos.

O diagnóstico que apresentou maior duração média foi o transtorno afetivo bipolar (episódio hipomaníaco, que é um quadro mais leve de mania, com sintomas como maior disposição e sociabilidade, iniciativa e energia), com aproximadamente 29 anos, enquanto os episódios depressivos moderados tiveram a menor duração (cerca de dez anos).

Em relação a medicamentos prescritos, a média registrada por paciente na última consulta foi de quatro, sendo que indivíduos com transtorno afetivo bipolar, episódio maníaco atual com sintomas psicóticos e transtorno delirante orgânico foram os mais medicados.

Rede de proteção

De acordo com os pesquisadores envolvidos, além de traçar o perfil dos pacientes para balizar políticas públicas e estabelecer protocolos de atendimento mais específicos, o estudo também traz à tona a importância dos ambulatórios públicos especializados em saúde mental. “A população de baixa renda recebe a assistência necessária, à qual não teria acesso de outra forma – essa é a importância desse tipo de serviço dentro da política nacional de saúde mental”, diz Araújo.

“E, mais do que isso, lança um olhar cuidadoso sobre a necessidade de acompanhamento dos pacientes, por meio de uma rede de amparo e atenção psicossocial que una diversas especialidades relevantes para esse fim e seja orquestrada pela atuação conjunta de municípios, estados e governo federal.”

O artigo Clinical and epidemiological profile of patients with mental disorders in a specialized outpatient clinic and its role in the psychosocial care network” pode ser lido em: www.frontiersin.org/journals/psychiatry/articles/10.3389/fpsyt.2024.1274192/full.

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