Há dois dias, no oceano a alguns quilômetros de Key Largo, Florida, eu vi uma mulher mergulhar 6 metros até um fundo arenoso. Conchas deslizavam no solo oceânico enquanto peixes se esgueiravam em um recife próximo. Uma barracuda apareceu sorrateiramente atrás de mim, brilhando enquanto passava. De repente, uma coisa estranha aconteceu. A mulher no fundo do mar parou de nadar, segurou seu pescoço com as mãos e uma grande bolha de ar (parecia ser uma inspiração completa) escapou do seu capacete de mergulho de aço amarelo. As bolhas dispersaram os peixes. Então, o fluxo de ar cessou completamente.Seu capacete é um acessório especial de mergulho geralmente usado por profissionais de exploração profunda em oceanos que trabalham em plataformas de petróleo ou projetos militares. Ele pesa 13,6 kg em terra, mas nada embaixo d’água.
Na medida em que o ar saía do capacete, a mulher fechava seus olhos, mas ela parecia estar tranquila. Isso porque a moça é uma aquanauta — uma exploradora de oceanos que já viveu intimamente embaixo do mar por dias e, às vezes, semanas.
Nesta semana estamos indo Dentro do Abismo, falando ao vivo da Aquarius Reef Base, o último laboratório de pesquisas subaquático do mundo, em sua última missão confirmada.
A mulher é Sylvia Earle, uma cientista oceânica e exploradora-residente da National Geographic que não estava encenando um afogamento, mas conduzindo exercícios de segurança para a sua estadia no laboratório de pesquisas Aquarius — o mais avançado e último habitat científico submarino do seu tipo. Esta missão será a 10º expedição de pesquisa onde lhe será exigido comer, trabalhar e dormir sem retornar à superfície por sete dias seguidos.
A vida de Sylvia tem sido sobre olhar o oceano através de tecnologias como esta — ferramentas incríveis que têm dado à humanidade a habilidade de estar lá embaixo por mais tempo e em maiores profundidades. Ela viu a popularização do Scuba, manteve o recorde de profundidade para o mergulho humano, indo a 381 metros de profundidade na costa do Havaí em um uniforme do tipo exoesqueleto JIM, e consumiu incontáveis horas em pesquisas subaquáticas como essa. Sem falar no tempo que ela gastou em bases de pesquisa como a Aquarius — ela liderou o primeiro time aquanauta totalmente formado por mulheres para viver por semanas no laboratório submarino Tektite, da NASA, em 1970, quando a NASA queria saber como as pessoas se comportariam nessas condições. Foi lá que Earle notou que depois de passar tempo suficiente com elas, peixes de um cardume poderiam ser reconhecidos individualmente por seus comportamentos tais quais bichos de estimação como cachorros. A New Yorker uma se referiu a ela como “Her Deepness” e o nome ficou marcado para sempre. Tudo isso faz com que ela fique à vontade no mar como qualquer humano gostaria de estar.
Na água, Sylvia Earle se sentou, ligou uma válvula em um tubo de aço inoxidável, enchendo a máscara instantaneamente com o ar da vida. Quando ela voltou ao barco de apoio, um Oficial de Mergulho Médico da Marinha aguardava vestindo uma camiseta com os dizeres “Quanto mais fundo você vai, melhor fica” para o caso de algo dar errado. Quando tiraram o capacete dela, Earle tinha um sorriso generoso no rosto. Ela disse, “eu poderia ficar lá o dia todo.”
Em poucos dias, ela realizará seu desejo.
Semana que vem, nós mergulharemos com Earle e outros aquanautas, vendo como eles vivem e trabalham dentro do mar enquanto aprendemos sobre a tecnologia que torna isso possível. Também tentaremos entender por que isso ainda é importante ter acesso tripulado ao mar, mesmo em uma era de satélites e submarinos controlas remotamente. E, talvez, apenas um pouco, por que a ciência subaquática é tão importante para o mecanismo que conhecemos como Terra.
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A Aquarius Reef Base se parece com uma corrente de ar amarela e afundada recoberto de coral e cercado de peixes. É o mais avançado habitat e o único remanescente do tipo, e tem hospedado mais de 100 expedições de longa duração ao longo de duas décadas. Um dos seus maiores trunfos é que os cientistas podem passar um dia inteiro de trabalho embaixo do mar em um processo chamado de mergulho de saturação. O mergulho de saturação é um processo onde o corpo do mergulhador permanece sob pressão por um longo período de tempo, necessitando descomprimir lentamente por quase um dia antes de retornar à superfície. Ele pode estender o trabalho de mergulho lá embaixo de uns poucos minutos para muitas horas, multiplicando e acelerando os esforços dos times de mergulho científicos e criando um ambiente semelhante ao de um laboratório no oceano real, onde eles podem trabalhar em horário comercial sem se preocupar com o suprimento de oxigênio ou com o retorno muito rápido à superfície. A força e o valor enquanto ferramenta científica da Aquarius, além da humilde moradia que provê aos seus habitantes, é a sua firmeza: por ter permanecido em um local por tanto tempo, sua localização tem sido como uma métrica para o oceano, permitindo a obtenção constante de indicadores da saúde dos corais, esponjas, atividade dos peixes e química dos oceanos, em um local, nos últimos 20 anos. E a base é abastecida por uma conexão de 1 Mb/s feita pela Motorola que alcança os quase 6,5 km de distância entre a água e o quartel-general, permitindo que cientistas e jornalistas transmitam ao vivo do fundo do oceano. Ao longo dos anos, a base em si foi coberta pelo crescimento dos corais, e é uma grande parte da paisagem natural da mesma forma que é uma fortaleza no front da ciência dos oceanos. Parece a base subaquática de Lost.
Mas o motivo principal de termos visitado a Aquarius agora, é porque a base de pesquisas está agendada para encerrar suas operações completamente após essa missão, quando a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) deixará de financiá-la. A Aquarius, seu programa-irmão, o Hawaii Undersea Research Lab (HURL) e seus dois submarinos Pisces devem perder seus orçamentos em setembro.
Não encontrei um cientista, engenheiro ou mergulhador que não ache que isso é um erro.
Esta missão é a última porque, de acordo com o diretor do HURL, John Wiltshire, “a NOAA gasta muito dinheiro em alguns satélites meteorológicos extras que não foram orçados.” Satélites meteorológicos são importantes e quase todo mundo se beneficia dos seus dados, mas eles são caros. A Aquarius e os submarinos Pisces gasta US$ 5 milhões por ano para operarem, enquanto um satélite meteorológico gasta pelo menos 100 vezes isso, de acordo com Wiltshire. Cinco milhões de dólares para alguns dos melhores e únicos equipamentos que permitem ao homem explorar as profundezas com seus próprios olhos e ouvidos e mãos com o que Earle se refere como um dos melhores computadores disponíveis — o cérebro humano.
Sylvia não tenta esconder o fato de que ela acha que essa é uma má ideia. Não que ela seja contra ferramentas automatizadas que nos dá acesso ao oceano. É que ela acredita que o oceano está morrendo e que precisamos de toda ferramenta com que possamos contar para nos ajudar a entendê-lo melhor. Ela me disse que Índia, China, França e Rússia estão todos criando submarinos capazes de chegar a 6 km, com homens dentro, no momento em que os EUA estão limitando a sua capacidade.
Por que é preciso continuar a explorar o oceano? Fiz a Sylvia essa pergunta hoje de manhã. Sua resposta o faz pensar por que não estamos mandando carregamentos de dinheiro a todos os laboratórios subaquáticos do mundo: “O oceano governa o clima, a temperatura, a química planetária. A vida depende da água, e 97% da água da Terra está nos oceanos. Mais da metade do oxigênio do nosso mundo vem do oceano. Sem oceano, não há vida e, consequentemente, não há a gente.”
Da perspectiva da NOAA, é complicado. Entramos em contato com eles e essa foi a resposta recebida:
“Na NOAA, estamos nos deparando com escolhas acerca do melhor equilíbrio entre prioridades nacionais na ciência, serviço e administração confiada à NOAA, enquanto que ao mesmo tempo nos mantendo com nossos próprios meios. Isso inclui a tomada de decisões difíceis devido a orçamentos apertados, com programas valiosos reduzidos ou fechados para acomodar investimentos críticos que não podem ser atrasados para assegurar o cumprimento das prioridades nacionais.
A NOAA teve que cortar alguns importantes programas, especialmente onde outras vias de financiamento podem ser buscadas. O Programa Nacional de Pesquisa Submarina [NURP] é um desses. Em vez de dedicar financiamento anual, as instituições acadêmicas que compõem a NURP poderão competir com a NOAA e outras fontes por financiamento federal em uma base anual.”
Ainda que o financiamento anual esteja minguando, há esperança de que a Aquarius possa continuar sua missão. E Earle acredita que a Reed Base é capaz de permanecer ativa pelos próximos 20 anos. Algumas pessoas que acreditam na Aquarius e em sua habilidade de estudar o oceano vivendo nele, começaram uma campanha para levantar dinheiro chamada The Aquarius Foundation, na esperança de que ela possa continuar operando sem o suporte do governo. Por agora, tudo o que sabemos é que não há missão agendada para depois dessa.
Brian Lam é um jornalista explorador de oceanos e editor do Scuttlefish e do Wirecutter. Ele é veterano do Giz e colaborador da Wired. Os vídeos foram fornecidos pela One World One Ocean, uma campanha dedicada a contar a história do oceano através da multimídia.