Imagine um palco no topo de uma das montanhas da Cordilheira dos Andes. Por lá, dança um grupo de 20 a 25 pessoas, pisoteando o chão e gerando um som que ecoa pela região andina.
A pista de dança em questão foi construída entre 1000 e 1400 d.C., cerca de um século antes do império Inca chegar ao poder. Acredita-se que ela tenha sido usada até o século 16.
De acordo com arqueólogos argentinos, o palco era uma plataforma em Viejo Sangayaico usada para celebrar rituais. E os dançarinos eram chocorvos, grupo pré-inca que vivia por ali da agricultura e do pastoreio. O som gerado era a tentativa de imitar trovões, em uma homenagem a essa divindade andina.
Como a pista de dança foi descoberta
Pesquisadores faziam escavações na região de Viejo Sangayaico, no Peru, quando perceberam que, ao pisar na plataforma, um eco reverberava pelo ar. Era como se o piso naquele lugar fosse oco.
Em seguida, uma nova escavação revelou que ali haviam seis camadas de sedimentos — areia, cinzas e guano, que é o material orgânico das fezes de animais como as lhamas. As camadas tinham pequenas cavidades, que ajudavam a absorver os choques e gerar sons. Assim, a superfície funcionava como um grande tambor, que poderia ser tocado com os pés.
O arqueólogo Kevin Lane, da Universidade de Buenos Aires, liderou o estudo, que foi publicado na revista científica Journal of Anthropological Archaeology.
Sua equipe também testou acusticamente a plataforma e os sons variaram em intensidade de 60 a 80 decibéis. Esse volume equivale a uma conversa alta em um restaurante onde há bastante barulho ao fundo. No entanto, os pesquisadores acreditam que o barulho criado pelos chocorvos era muito maior.
Os rituais pré-incas
A ideia de que a plataforma de Viejo Sangayaico era usada em cerimônias para divindades das tempestades não é apenas de Lane. Documentos históricos espanhóis descrevem as crenças dos chocorvos em deidades do trovão, do relâmpago, do terremoto e água.
Além disso, restos de um possível templo localizado ali por perto tinha pedaços de cerâmicas ilustradas com serpentes, que no idioma quechua às vezes se referem aos raios.
Dessa forma, os chocorvos provavelmente celebravam em grupos grandes, acompanhados por canto e instrumentos musicais. Pisoteavam ritmicamente a pista de dança especial, que amplificava seus batimentos em um estrondo ensurdecedor. Dessa forma, a própria ideia do ritual reforça a possibilidade de que estavam imitando os sons de trovões.
Agora, para confirmar a tese, será preciso escavar outras pistas de dança do período.