Colunistas

Enésimo fracasso olímpico não tem nada a ver com chances da Seleção

"Pré-Olímpicos são torneios que sempre gostamos de perder". Veja mais na crítica de Cassiano Gobbet
Imagem: Rafael Ribeiro/CBF

E nossa Seleção, com mais uma demonstração de incompetência da Consagração da Burrice no Futebol, teve de vender as passagens para Paris no Mercado Livre. Contudo, ao contrário do que a mídia (especialmente a internacional) disse, a situação não é crítica para o time dos adultos. Pré-Olímpicos são torneios que sempre gostamos de perder. Se Dorival não se deixar assustar pelo Fantasma do Deserto, a vaga para a Copa é mais que viável.

Por mais globalizados que sejamos, eu nunca me espanto com a incapacidade de estrangeiros entenderem nossos problemas – mas sempre fico surpreso com os limites de jornalistas brasileiros fazendo a mesma tarefa. Qualquer brasileiro que cubra futebol por tempo suficiente sabe que o compadrio é regra na CBF e as seleções abaixo da principal nunca tiveram os melhores técnicos, mas os mais alinhados com o interesse do coronel no poder. Não por acaso, nosso recorde em Olimpíadas e pré-olímpicos é quase tão ruim quanto um campeonato estadual.

O imbróglio envolvendo Carlo Ancelotti como sucessor de Tite nunca existiu de fato, e se existiu foi por amadorismo da parte dele de não saber como a banda toca na Barra da Tijuca. Fernando Diniz jamais realmente teve chance com o selo de suplente-aguardando, porque técnicos sem poder não metem medo. Ancelotti mencionou anos atrás que o Real era seu último clube porque achava que não receberia a oferta de renovação. O Brasil nunca foi prioridade dele (se não é prioridade nem para a cartolagem, imagine para um estrangeiro milionário cuja sala de troféus é vasta como San Siro).

Na imprensa estrangeira, nos últimos dias se observou também que o “principal” jogador brasileiro está contundido e que isso afetou a trajetória do Brasil nas Eliminatórias – uma falácia gerada pela ignorância. Neymar é o jogador brasileiro mais bem pago, mas sua relevância, na prática, é nula. Ele usa cerca de 2% de seu talento, 0% do seu comprometimento e 100% das distrações de sua vida nababesca. A Seleção livre de Neymar é mais forte, não o contrário. Suas prioridades não são as de um atleta há anos, muitos anos (se é que algum dia foram). Ele é uma celebridade e ponto.

Nelson Rodrigues afirmava que o torcedor do Botafogo não gostava de vencer – seu prazer estava no sofrimento, na agonia de ver o time se ajoelhar, na mistura de consciência da força do próprio time assombrada pelo medo do sobrenatural. O DNA rodrigueano-botafoguense é o que está presente nas células de jornalistas e torcedores do Brasil. No Point Blank, segue uma lista rápida semi-aleatória, feita de jogadores brasileiros. Alguém tem dúvida de que esses nomes, com um treinador ao menos decente, não conseguem suplantar uma, digamos, Venezuela, dois pontos à frente?

Sobrenatural de Almeida, a encarnação de Nelson para o imponderável, certamente já aprontou das suas fazendo campeões se ajoelharem a um metro da linha de chegada e deixarem escapar vitórias certas, mas jornalistas não podem usar Almeida como referência. Olhar os jogadores abaixo e falar em alto e bom som que é um grupo incapaz de tirar dois pontos de distância para a Venezuela é abraçar a irracionalidade.

Fora da Copa, o Brasil é historicamente macunaímico, preguiçoso e complacente, mas até aqui, mesmo se arrastando, foi a todas as Copas já disputadas. A boa notícia é que fracasso pré-Olímpico e a ida à Copa não têm nenhuma conexão, se é que a história serve de exemplo. Ainda sob a luz da história, a má notícia é que a infecção eterna da CBF (que é um espelho do nosso Congresso) também não vai mudar. Daqui a quatro anos, estaremos discutindo de novo um fracasso olímpico e o medo de não ir à Copa.

Point Blank

– Em que planeta os jogadores abaixo não tiram dois pontos de distância da Venezuela?

– Alisson, Éder Militão, Marquinhos, Thiago Silva e Alex Sandro; Casemiro, Fabinho, mais quaisquer quatro entre Neymar, Vinicius Júnior, Gabriel Jesus, Richarlison, Firmino, Raphinha, Martinelli.

– A lista não é minha seleção preferida, ou a melhor, ou com mais equilíbrio. É uma lista cuspida pela Internet. Até o Fantasma está na lista (especialmente se ele se cansar de ganhar dinheiro e voltar ao Brasil para jogar no Flamengo).

– Por que o Flamengo? Porque é o clube com a maior quantidade de dinheiro na cidade cuja noite é historicamente a mais irresistível para os jogadores (e não só…).

– Outro ponto curioso para mim: por que razão não debatemos a ausência de claros líderes entre nossos jogadores. Mesmo no futebol de clubes, a hiper-profissionalização desconectou os atletas do espírito de grupo. Falamos disso no próximo texto.

Cassiano Gobbet

Cassiano Gobbet

Jornalista, vive na trilogia futebol, tecnologia e (anti) desinformação. Criador da Trivela, ex-BBC, Yahoo e freelancer em três continentes. Você o encontra no Twitter, Bluesky ou por aí.

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas