“Nosso trabalho no Inmetro é definir a família, o modelo, se é grafeno em pó ou em suspensão líquida. Também estabelecemos as técnicas de ensaio que serão utilizadas pelos laboratórios que vão ser acreditados para certificar o material”, pondera a pesquisadora.

Em meio às dúvidas sobre o que pode ser chamado de grafeno, a Organização Internacional de Normalização (ISO) publicou normas sobre o tema, que foram traduzidas para o português. Elas indicam que se considera grafeno um material de carbono com até 10 camadas atômicas –ou seja, até 10 folhas de átomos de carbono empilhadas uma sobre a outra. Quando há duas camadas, chama-se bicamada de grafeno. Entre três e 10 camadas, fala-se em grafeno de poucas camadas. “Acima de 10, ainda não há um consenso sobre a nomenclatura a ser adotada. No momento, utiliza-se a definição de nanoplacas de grafeno, desde que o material tenha pelo menos uma dimensão na nanoescala, até 100 nm [nanômetros]”, explica Araújo.

“Há uma grande discussão sobre até onde é grafeno. Quando se passa de uma para duas camadas e de duas para três, a estrutura eletrônica do material muda muito. Com mais de 10 camadas fica mais parecido com grafite. A monocamada, o grafeno original, entretanto, nem sempre é o mais interessante para as aplicações tecnológicas”, ressalta Cançado. “Pode acontecer que o de mais camadas se adéque melhor à finalidade desejada. É possível afirmar que, para a maioria das aplicações atuais, o grafeno de pouquíssimas camadas, entre uma e três, não é o mais indicado.”

O método de produção do material, explica Cançado, interfere no tipo de grafeno que se obtém, e cada um deles tem propriedades diferentes, que podem ser adequadas aos diferentes usos. Além disso, por vezes outros materiais bidimensionais são incluídos na família dos materiais relacionados ao grafeno. A esfoliação mecânica foi o primeiro método usado para isolar o grafeno, mas ele também pode ser obtido a partir da deposição química em fase vapor (CVD) ou esfoliação em fase líquida (ver infográfico abaixo).

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

Imagem: Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

O preço do nanomaterial, afirmam os especialistas, varia muito no mercado global. Segundo Thoroh, da DreamTech Nanotechnology, o quilo do grafeno monocamada com alta pureza pode custar US$ 2 mil. “Já os grafenos com poucas camadas que comercializamos custam aproximadamente US$ 300 a US$ 350 o quilograma”, diz.

O Brasil tem tradição e contribuições expressivas no trabalho de caracterização do material. Pesquisadores do país vêm desenvolvendo o campo científico dos nanomateriais de carbono desde a década de 1990. Em artigo publicado em 2019 no Brazilian Journal of Physics, Pimenta e colegas descrevem o papel da colaboração entre grupos brasileiros e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, para o estabelecimento dessa ciência no país.

A física norte-americana Mildred Dresselhaus (1930-2017), então professora emérita do MIT e considerada a “rainha da ciência do carbono”, visitou o Brasil 12 vezes entre 2001 e 2013. “Antes mesmo do estudo pioneiro com grafeno de Novoselov e Geim em 2004, os cientistas brasileiros deram contribuições importantes para a ciência da grafite e os sistemas grafíticos”, afirmam os autores no artigo.

“Trabalho com isso desde 1999, antes que meus antigos compatriotas fizessem a extração do grafeno”, conta o físico experimental russo Yakov Kopelevich, do Instituto de Física da Unicamp e autor de artigos com centenas de citações sobre o tema, entre eles um publicado em abril de 2003 na Physical Review Letters sobre o comportamento da grafite no limite quântico.

Jing Li (School of Chemistry, Beihang University, China)

Imagem: Jing Li (School of Chemistry, Beihang University, China)

Castro Neto, da NUS, afirma que o seu primeiro artigo sobre grafeno foi rejeitado em todos os periódicos aos quais foi submetido com a explicação de que “não existe tal coisa como o grafeno”. “Por muito tempo, ninguém acreditava na existência de materiais bidimensionais, pois não se achava que eles seriam estáveis o suficiente para se manter”, lembra o pesquisador.

Em 99% dos materiais, diz o professor da NUS, os elétrons se propagam dentro do material como uma partícula livre, que tem massa e inércia. “No grafeno, em razão de a rede cristalina ser hexagonal, os elétrons se propagam com velocidade como se fossem objetos sem massa. Do ponto de vista teórico, isso era interessante. Um novo tipo de partícula se propagando no material.” Em 2009, o pesquisador brasileiro publicou na Reviews of Modern Physics um estudo detalhando as propriedades eletrônicas do grafeno.

Além de abrir a área das investigações de materiais com apenas duas dimensões, o grafeno também inaugurou a chamada twistrônica. Em 2018, pesquisadores do MIT descobriram um “ângulo mágico” no grafeno, ao desalinhar em exatamente 1,1 grau duas folhas do material (ver Pesquisa FAPESP nº 302). Com esse desalinhamento, o grafeno vira um supercondutor. Isso, contudo, precisa ocorrer em temperaturas extremamente baixas, o que acaba por dificultar sua aplicação prática. Na UFMG, os pesquisadores investigam outros ângulos de rotação, de até 30 graus. Um artigo do grupo da universidade mineira com esse tema foi capa da revista Nature em 2021.

Em 2024, a mesma equipe, coordenada por Cançado, da UFMG, e pelo físico Ado Jório, da mesma universidade, publicou um artigo de capa da revista Carbon sobre o estudo dos defeitos do grafeno usando a técnica de espectroscopia de Raman. O paper, que descreve a história da pesquisa para o aprimoramento da metrologia de nanomateriais, indica que o Brasil é referência na área, segundo publicação da Sociedade Brasileira de Física. O controle das propriedades do grafeno é crucial para a fabricação de dispositivos e para o processamento de informações, concluíram os autores do estudo.

A reportagem acima foi publicada com o título “Grafeno na prateleira” na edição impressa nº 345, de novembro de 2024

Projeto
Grafeno: Fotônica e optoeletrônica: Colaboração UPM-NUS (no 12/50259-8); Modalidade Programa Spec; Pesquisador responsável Antonio Hélio de Castro Neto (NUS); Bolsistas Christiano José Santiago de Matos, Eunezio Antonio de Souza e Hugo Luis Fragnito; Investimento R$ 15.206.096,75.

Artigos científicos
SCHMALTZ, T. et al. Graphene roadmap briefs (nº 3): Meta-market analysis 2023. 2D Materials. v. 11, n. 2. 31 jan. 2024.
PIMENTA, M. A. et al. History and national initiatives of carbon nanotube and graphene research in Brazil. Brazilian Journal of Physics. v. 48, n. 2. jan. 2019.
KOPELEVICH, Y. et al. Reentrant metallic behavior of graphite in the quantum limit. Physical Review Letters. v. 90, n. 15. 18 abr. 2003.
CASTRO NEVES, A. H. et al. The electronic properties of graphene. Reviews of Modern Physics. v. 81, n. 109. 14 jan. 2009.
GADELHA, A. C. et al. Localization of lattice dynamics in low-angle twisted bilayer graphene. Nature. v. 590. 17 fev. 2021.
THOROH DE SOUZA, E. A. et al. Ultrashort pulse generation in erbium-doped fiber lasers in South America: A historical review. Journal of the Optical Society of America B. v. 30, n. 4. 31. mar. 2023.
CANÇADO, L. G. et al. Science and metrology of defects in graphene using raman spectroscopy. Carbon. v. 220. fev. 2024.
DINIZ, F. L. J. et al. Graphene-based flexible and eco-friendly wearable electronics and humidity sensors. Materials Research. v. 27. 12 mar. 2024.
RABY, X. e SILVA, R. D. Exploring the potential of graphene in real-fife industrial anticorrosive coatings. Materials Research. v. 27. 5 abr. 2024.