Entre marimbondos, agressões evoluíram para demonstrações de força
Texto: André Julião | Agência FAPESP
Estudar a história natural dos marimbondos é uma tarefa arriscada. Conhecidos pela agressividade, os insetos podem tanto encher o pesquisador de picadas doloridas quanto abandonar o ninho para começar um novo em outro lugar, inviabilizando a observação e a coleta de dados.
Essas estratégias de sobrevivência, porém, foram fatores que permitiram que essa tribo de vespas, conhecida como Epiponini, evoluísse em diferentes ramos ao longo dos últimos 55 milhões de anos, dando origem a sociedades bastante complexas em termos de construção de ninhos, estratégias de forrageamento e, sobretudo, de interações sociais.
Estudos da década de 1970 já mostravam que, nos marimbondos, a antiga estratégia de hierarquia de dominância, na qual uma rainha é responsável pela reprodução – impedindo agressivamente outras fêmeas de botarem ovos –, foi substituída pela coexistência de rainhas que não competem pela reprodução, mas que são eliminadas pelas operárias quando não exibem comportamentos típicos.
Por meio de investidas, exibições e até mesmo mordidas as operárias submetem as rainhas ao seu controle. Como consequência, apenas as reprodutoras mais aptas geram novos indivíduos para a colônia, assegurando a sobrevivência dessas espécies.
Resultado de muitas horas de observação e algumas picadas, um estudo assinado por pesquisadores brasileiros conseguiu demonstrar que essa estratégia reprodutiva ocorre em toda a tribo Epiponini. Anteriormente, poucas espécies haviam sido estudadas.
Além disso, o estudo mostra que os comportamentos não são iguais para todas as espécies, sendo que os exibidos pelas operárias para testar as rainhas evoluíram de comportamentos mais agressivos para outros menos violentos e mais estereotipados.
As conclusões foram publicadas na revista Cladistics por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP).
“Observamos que, nos ramos mais recentes da filogenia [história evolutiva do grupo], as operárias e as rainhas começaram a desenvolver comportamentos mais complexos e estereotipados, substituindo os de morder e atacar. Além disso, as rainhas desenvolveram um maior repertório de comportamentos para sinalizar seu potencial, evitando assim serem eliminadas da colônia”, explica Fernando Noll, professor do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp, em São José do Rio Preto, e coordenador do estudo.
O trabalho integra dois projetos apoiados pela FAPESP, “Desimpedimento taxonômico de vespas aculeadas: visões micro e macro-regionais da fauna neotropical” e “Filogenia molecular de Epiponini e a relação entre os gêneros basais (Hymenoptera, Vespidae)”. O primeiro é conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.
Num trabalho publicado anteriormente, o grupo realizou a filogenia mais completa até então da tribo Epiponini, o que permitiu avançar para resultados como os atuais. Diferentemente de outras vespas e das abelhas, os marimbondos têm mais de uma rainha e as operárias exercem controle sobre a produção de ovos dessas fêmeas férteis (leia mais em: agencia.fapesp.br/35495/).
Brasil e Costa Rica
Observar como se comportam os marimbondos em seus ninhos foi tarefa de Laura Chavarría-Pizarro, à época doutoranda na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e bolsista da FAPESP.
Era preciso fazer uma abertura no envelope protetor do ninho para observar o interior. Por vezes, esse tampo retirado era substituído por um plástico vermelho, que os marimbondos não enxergam e ainda permite serem observados.
“Levando em conta todos os testes que fiz, além de abrir os ninhos e marcar com tinta os indivíduos [para diferenciar rainhas de operárias], até que não me picaram muito. Além disso, usei traje de proteção”, lembra Chavarría-Pizarro, atualmente professora na Escola de Biologia do Instituto Tecnológico da Costa Rica, em Cartago.
Parte do trabalho de campo foi realizado na Costa Rica, país natal da pesquisadora, onde foi possível observar ninhos de seis das nove espécies estudadas (todos os gêneros de Epiponini, exceto três).
No total, 15 colônias foram analisadas, seis no Brasil e nove na Costa Rica. Foram documentados 51 comportamentos, somando ação e resposta e quem executava (rainha ou operária) e respondia, quando acontecia. Os comportamentos foram acompanhados ao vivo ou filmados para análise posterior.
Dança das operárias
Um dos comportamentos mais importantes de demonstração da potencialidade das rainhas como reprodutoras é o bending display, em que a rainha curva o abdômen em direção à operária. Normalmente, é uma resposta ao comportamento de worker dance (“dança da operária”, numa tradução livre), onde a trabalhadora vibra seu corpo continuamente. No caso de a rainha não responder, ela é removida da colônia.
O estudo mostrou que o bending display surgiu há 55 milhões de anos. Cerca de 30 milhões de anos atrás, porém, surgiu uma variação desse comportamento, denominado bending display 2. Nas espécies que surgiram mais recentemente, os dois tipos de bending display precisam ser realizados para garantir a sobrevivência da rainha.
“Curiosamente, também há 30 milhões de anos, surgiu a worker dance, o que sugere que esse comportamento e o bending display 2 estejam relacionados”, conta Noll.
Nos marimbondos mais antigos, em que não há worker dance, os comportamentos de teste das operárias são mais agressivos, como dart (“investir com a cabeça”) e bite (morder). Estes surgiram no ancestral comum dos Epiponini e foram substituídos mais tarde pela dança das operárias, sugerindo que comportamentos mais agressivos deram lugar a outros estereotipados.
No mesmo período, as rainhas começaram a exibir um arcabouço maior de comportamentos, sugerindo maior complexidade em suas relações. “São comportamentos mais refinados, que provavelmente possuem vantagens em relação a toda aquela violência”, diz Noll.
“Os marimbondos são muito importantes, já que são predadores de outros insetos e ajudam no controle de espécies que consideramos pragas. Entender seu comportamento e estratégias evolutivas pode permitir uma melhor convivência com eles e garantir a sua sobrevivência”, encerra Chavarría-Pizarro.
O artigo Behavioural evolution of Neotropical social wasps (Vespidae: Polistinae): the queen selection process pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/cla.12529.