Cientistas criam acidentalmente enzima que digere o plástico

Há dois anos, cientistas descobriram uma enzima em um centro de reciclagem no Japão que era capaz de digerir o plástico. Durante um experimento recente para entender como essa enzima funciona, os pesquisadores criaram acidentalmente uma versão mutante que lida com o plástico de um jeito ainda mais eficiente. A descoberta pode nos levar um […]

Há dois anos, cientistas descobriram uma enzima em um centro de reciclagem no Japão que era capaz de digerir o plástico. Durante um experimento recente para entender como essa enzima funciona, os pesquisadores criaram acidentalmente uma versão mutante que lida com o plástico de um jeito ainda mais eficiente. A descoberta pode nos levar um grande avanço na redução de lixo plástico, especialmente de garrafas PET.

O progresso na ciência é conduzido por trabalhos bem deliberados e calculados, mas de vez em quando acontece algum acaso feliz que nos permite fazer grandes avanços.

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O novo relatório publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences é um caso perfeito dessa situação. Pesquisadores da Universidade de Portsmouth e do Laboratório Nacional de Energia Renovável do Departamento de Energia dos EUA estavam conduzindo um experimento para ver como uma enzima que quebra o plástico em pequenas partículas funciona (uma enzima é um subproduto químico produzido por organismos vivos). Quando eles alteraram sua estrutura física, os cientistas criaram sem querer uma enzima que é 20% mais eficiente, se comparada com a enzima encontrada na natureza.

“O acaso muitas vezes tem um papel significativo na pesquisa científica fundamental e nossa descoberta não é uma exceção”, disse John McGeehan, autor principal do novo estudo, em um comunicado. “Embora a melhoria seja modesta, essa descoberta inesperada sugere que existe espaço para melhorar ainda mais essas enzimas, nos colocando mais perto de uma solução de reciclagem para a montanha crescente de plásticos descartados”.

Os plásticos se tornaram populares na década de 1960 e o lixo produzido por esses produtos era uma pequena dor de cabeça, mas já se transformou em uma enxaqueca latejante. O lixo plástico existe praticamente em qualquer lugar, de aterros sanitários e parques estaduais, passando por grandes manchas de lixo oceânico e até mesmo nas partes mais profundas do mar. Milhões de toneladas de garrafas de plástico, por exemplo, sujam o planeta e levam centenas de anos para se degradar.

Encontrar maneiras para acelerar o processo de degradação é um grande desafio. A descoberta, em 2016, de uma enzima que “come” exclusivamente o Politereftalato de etileno (PETs) – plástico encontrado em garrafas – nos deu alguma esperança. Essa enzima estranha, chamada PETase, vem de uma bactéria chamada Ideonella sakaiensis, e quebra o PET em ácido tereftálico e etilenoglicol em um processo de leva dias, em vez de séculos. O PET passou a existir a partir da década de 1940 e por isso a equipe de McGeehan descobriu que a enzima só se desenvolveu recentemente, provavelmente em uma unidade de reciclagem no Japão, onde ela foi encontrada. Para o novo estudo, os pesquisadores quiseram determinar como a enzima evoluiu e visualizar como poderia ser melhorada.

Uma imagem de microscopia eletrônica mostrando a interação entre a enzima (verde) com o plástico (cinza). Imagem: H. P. Austin et al., 2018

Utilizando o síncrotron da Diamond Light Source no Reino Unido, os pesquisadores conseguiram resolver a estrutura de cristal da PETase. Essa máquina utiliza intensos feixes de raios-x que contém bilhões de fótons a mais do que os raios-x que vêm do Sol, permitindo que os pesquisadores vejam a estrutura dos átomos individuais em três dimensões.

Representação 3D da enzima PETase. Ilustração.: H. P. Austin et al., 2018.

Para visualizar virtualmente como essa enzima interage com o plástico, os pesquisadores modelaram a estrutura 3D recém derivada em um computador. Eles conseguiram ver que a PETase era visualmente similar a uma enzima chamada cutinase, que é encontrada em fungos que infectam plantas. Mas ela tinha diferenças importantes, incluindo uma área exposta ativa que se liga bem com os plásticos.

Para testar a teoria da que a PETase evoluiu em um ambiente rico com PETs, os pesquisadores causaram uma mutação no local ativo da PETase para torná-la mais parecida com a cutinase. E foi aí que os pesquisadores encontraram uma enzima que fazia o trabalho de degradação do plástico ainda mais eficiente.

Além de conseguir degradar PETs, os pesquisadores confirmaram que a enzima mutante era capaz de digerir furandicarboxilato de polietileno (PEF), um substituto biológico para os plásticos PETs que um dia podem substituir algumas garrafas de cerveja.

Os pesquisadores agora continuarão o trabalho para ver se a enzima pode ser produzida em escala industrial e digerir o plástico ainda mais rápido. Os cientistas esperam que um sistema de reciclagem circular possa ser desenvolvido, onde o plástico possa ser reconstituído, aliviando a carga de produção de plástico e extração de petróleo.

“Acho esse trabalho muito animador”, disse Oliver Jones, químico da Universidade RMIT, que não estava envolvido no estudo. “Enzimas são não-tóxicas, biodegradáveis e podem ser produzidas em grandes quantidades por microorganismos (bactérias e fungos). Embora muitas pessoas não saibam, as enzimas já nos ajudam em muitas áreas do dia-a-dia e estão presentes em detergentes para roupas, na comida, couro e nas indústrias têxteis”.

Pode demorar um pouco até vermos essa enzima mutante usada em escala industrial, mas certamente estamos caminhando para que isso aconteça.

[Proceedings of the National Academy of Sciences]

Imagem do topo: David Jones

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