Tecnologia

Equipamento dá suporte às manobras de navios em ambientes portuários

Dispositivo portátil de alta precisão, com hardware e software integrados, desenvolvido por startup apoiada pelo PIPE-FAPESP, transmite informações dinâmicas em tempo real por meio de uma plataforma inteligente
Foto: Ricardo Botelho/MInfra

Texto: Fábio de Castro | Agência FAPESP

Manobrar um navio de grande porte para ter acesso a um porto é uma tarefa complexa e arriscada. Essas embarcações podem ter mais de 300 metros de comprimento – dimensões comparáveis às de um prédio de cem andares –, pesando mais de 100 mil toneladas. E não há freios. É preciso extrema perícia para evitar riscos de colidir ou encalhar nos canais movimentados, o que acarretaria prejuízos de enormes proporções não apenas ao navio, mas também para as instalações portuárias, com reflexos em toda a cadeia logística.

Os responsáveis por essa tarefa são os práticos, profissionais extremamente especializados que conduzem o navio quando ele entra nas chamadas águas restritas – áreas próximas aos portos, estuários e canais de acesso a terminais portuários. Eles atuam com uma estrutura de apoio composta por diversas lanchas, estaleiros para manutenção, centros de controle de operações e equipamentos sofisticados de comunicações e monitoramento.

Para auxiliar o trabalho dos práticos, uma empresa de São Paulo desenvolveu um novo equipamento portátil de alta precisão, com hardware e software integrados, que transmite informações dinâmicas em tempo real por meio de uma plataforma inteligente a fim de dar suporte a esses profissionais às manobras em águas restritas.

O equipamento já está em estágio avançado de desenvolvimento, mas ainda precisa ser certificado pela Anatel

O equipamento já está em estágio avançado de desenvolvimento, mas ainda precisa ser certificado pela Anatel (foto: divulgação)

Fundada em 2019, na cidade de São Paulo, a Navigandi, especializada no desenvolvimento de equipamentos marítimos, teve apoio (projetos 18/16594-0 e 21/10060-7) do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP e já produziu o primeiro protótipo do Sistema de Suporte a Manobras.

“Como as características naturais de cada porto são únicas, o comandante e a tripulação não têm condições de conduzir as embarcações em todos os terminais portuários por onde passam. Em cada zona de praticagem há práticos habilitados pela Marinha do Brasil, que têm a formação técnica para manobrar navios e um conhecimento profundo das particularidades e riscos específicos do local”, explica o engenheiro André Seiji Sandes Ianagui, um dos fundadores da empresa.

O pesquisador conhece bem o ofício dos práticos. Com mestrado e doutorado em engenharia mecânica na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Ianagui é pesquisador no Tanque de Provas Numérico (TPN-USP), um laboratório de tecnologia de ponta que possui um centro de simulações para projetos e testes de embarcações e seus materiais para aplicação prática, além de verificar a operação e manobra em ambiente offshore ou portuário.

“O TPN possui um ambiente de simulação muito refinado, onde podemos representar condições idênticas às de uma área restrita de navegação. Esse ambiente simula até mesmo o passadiço do navio, onde o prático comanda a manobra simulada. Por isso tínhamos contato direto e constante com a praticagem e começamos a perceber os desafios que poderíamos ajudar a transpor”, afirma Ianagui.

Consciência situacional

Além de Ianagui, a equipe da Navigandi é formada por Rodrigo Barrera – também pesquisador do TPN; Carlos Eduardo Caparroz Duarte, engenheiro responsável pela parte eletrônica do equipamento; e pelo engenheiro de software Edgar Szilagyi. No TPN, Ianagui atua no Centro de Simulações e seu trabalho é desenvolver softwares de interface para aprimorar o que os pesquisadores chamam de “consciência situacional” para as manobras de embarcações.

O pesquisador explica que, além da visão a partir do navio, o prático tem acesso a uma série de sensores obrigatórios exigidos pela Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês). “É um grande número de sensores, com diferentes programas de manutenção e qualidade que precisam ser usados simultaneamente. Meu papel era criar interfaces para facilitar essa utilização e aumentar a consciência situacional do prático”, diz.

Em contato com os práticos, a equipe da Navigandi percebeu que um dos desafios é o uso da Unidade Portátil de Prático, ou PPU (Portable Pilot Unit): uma combinação hardware-software na qual duas antenas de navegação por satélite (GNSS) de alta precisão unidas a sistemas de medição inerciais (IMUs) são instaladas num navio pelo prático responsável pela manobra. A partir dos dados coletados pelo equipamento em tempo real, o prático pode obter a posição, velocidade e ângulo de aproamento do navio.

“É um equipamento portátil de cerca de um quilo, que é importante para aumentar a consciência situacional. Ele é levado ao navio pelo prático, que o liga em um computador ou tablet, onde as informações precisam ser acessadas por meio de uma interface de software adequada para que as cartas náuticas, mapas e gráficos sejam utilizados”, diz Ianagui.

Hardware e software integrados

O principal problema indicado pelos práticos em relação à PPU, segundo o pesquisador, é que hoje só há três fabricantes desse equipamento em todo o mundo, o que torna uma eventual manutenção um processo caro, moroso e frustrante.

“Não há suporte técnico no Brasil e, quando é preciso fazer manutenção na PPU, é preciso enviá-la para o exterior. A burocracia na alfândega torna o processo lento e muitas vezes, quando o equipamento é enviado de volta ao Brasil, continua sem funcionar. Além disso, os fabricantes do equipamento e do software são diferentes. Isso resulta em muitos problemas de configuração e compatibilidade”, avalia o pesquisador.

Com isso, o prático, além de se preocupar com a manobra em si, precisa se dedicar a montar módulos e componentes complexos. Com tanta dificuldade, o resultado observado pelos engenheiros da Navigandi é que os práticos acabam frequentemente dispensando o equipamento e operando as manobras utilizando apenas a visão, a experiência e os equipamentos do próprio navio.

“Concluímos que o ideal seria fazer algo inédito no mundo: desenvolver um equipamento que já tivesse um software agregado. A simplicidade na operação é fundamental para que o prático não acabe dispensando a PPU”, diz Ianagui.

Precisão de centímetros

No fim de 2019, com essa ideia já estabelecida, a equipe fundou a Navigandi e, paralelamente, solicitou apoio do PIPE-FAPESP. Durante a primeira fase, concluída no início de 2021, os pesquisadores desenvolveram o protótipo, que pesa pouco mais de um quilo, com um diâmetro e altura de 10 centímetros – atualmente um dos mais compactos do mercado.

A partir da tecnologia Real Time Kinemactics (RTK) empregada, o equipamento possui precisão centimétrica de posicionamento. O produto desenvolvido pela Navigandi garante uma precisão de 0,01°no direcionamento da proa do navio.

“Agora, na segunda fase do PIPE, estamos refinando a parte do software de controle e trabalhando na requisição de todas as certificações internacionais necessárias. O principal desafio a partir de agora são as dificuldades técnicas relacionadas às imagens das cartas náuticas apresentadas pelo software”, sublinha o engenheiro.

O ideal, segundo ele, é o uso de cartas náuticas vetoriais, mas elas são publicadas por empresas específicas ligadas à IMO e, para que a empresa seja autorizada a agregá-las ao equipamento, é preciso atender uma série de requisitos, certificações e homologação em associações internacionais.

“O equipamento, porém, já está em estágio avançado de desenvolvimento e o produto já está em testes e estamos obtendo a certificação na Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]. Em poucos meses teremos a versão final”, diz Ianagui. Segundo ele, o modelo de negócios não envolve a venda do equipamento e sim um contrato de locação e prestação de serviços.

“O público-alvo do produto são os próprios práticos e o custo seria muito alto se vendêssemos o equipamento. Com o modelo que adotamos, o ganho é recorrente e o preço não é proibitivo. Vamos oferecer a troca de equipamentos, revisão periódica e atualização de softwares, por exemplo. Há ainda uma série de recursos possíveis para agregar valor ao software e podemos cobrar em separado à medida que eles forem disponibilizados”, afirma.

A Navigandi também já está abrindo outras possibilidades de desenvolvimento além da PPU voltada para os práticos. “Já desenvolvemos um software que foi contratado para comboios fluviais, por exemplo. A tecnologia que acabamos dominando é bem ampla e não está presa só à PPU. Podemos desenvolver sistemas para rastrear qualquer tipo de embarcação e até mesmo veículos terrestres. Mas nossa ideia é desenvolver, no futuro, outros produtos para atender outros mercados, como os proprietários de lanchas e velejadores amadores”, afirma.

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