Uma ampla pesquisa de bactérias e fungos em superfícies dentro da Estação Espacial Internacional (ISS) revelou um número surpreendente de micro-organismos vivendo entre os astronautas — e os impactos disso sobre a saúde não estão totalmente claros.
Desde que foi fundada em 1998, a Estação Espacial Internacional já foi visitada por centenas de astronautas (227 para ser exato). Essas viagens, assim como os carregamentos levados, invariavelmente introduziram uma série de micróbios no posto orbital avançado. Os astronautas voltam à Terra, mas seus germes ficam para trás.
Uma nova pesquisa publicada nesta segunda-feira (8) na Microbiome traz o catálogo mais completo já feito das bactérias e fungos que vivem na ISS, detalhando o perfil microbiológico distinto e em constante mudança da estação. Essa pesquisa será agora utilizada pela NASA e outras agências espaciais para desenvolver medidas de segurança para a ISS e outras missões espaciais de longo prazo.
Como um ambiente hermeticamente fechado, a ISS apresenta um microbioma distinto. A vida no espaço é um pouco diferente para os germes do que na Terra — um ambiente com gravidade baixíssima, maior exposição à radiação e poucos micro-organismos concorrentes. A NASA está muito interessada em saber quais germes e em que quantidades eles estão presentes na ISS e como o microbioma da estação está mudando ao longo do tempo.
“Micróbios específicos nesses espaços fechados demonstraram ter impacto sobre a saúde humana, influenciando nossa suscetibilidade a alergias, doenças infecciosas ou síndrome do edifício doente“, escreveram no estudo os autores, liderados por Checinska Sielaff e Camilla Urbaniak, do Laboratório de Propulsão a Jato, da NASA. “A influência do microbioma interno na saúde humana se torna mais importante para os astronautas durante os voos, devido às alterações na imunidade associadas ao voo espacial e à falta de intervenções médicas sofisticadas disponíveis na Terra.”
Os micróbios na ISS são influenciados por vários fatores, incluindo ventilação, umidade, pressão do ar e a configuração da estação. A quantidade e diversidade deles também são afetadas pelo número de astronautas a bordo e pelos tipos de atividades realizadas.
A NASA e outras agências espaciais já tentaram monitorar a população microbiana da ISS usando métodos de cultura tradicionais. O problema é que uma parte significativa dos micróbios — entre 40% a 46% — não pode ser cultivada (isto é, cultivada numa placa de Petri), dificultando ou até tornando impossível a detecção.
Para o novo estudo, um novo protocolo de amostragem e teste foi desenvolvido utilizando tanto o método de cultura tradicional quanto técnicas com base em moléculas, permitindo o levantamento mais abrangente de micróbios na ISS até hoje.
Os astronautas da NASA coletaram amostras com toalhetes esterilizados em oito locais predefinidos na ISS, em três ocasiões diferentes, durante um período de 14 meses. Os locais incluíram áreas de tráfego intenso e baixo, incluindo a janela de visualização, o banheiro, a plataforma de exercícios, a prateleira de estiva, a mesa de jantar e os dormitórios.
O astronauta da NASA Terry Virts realizou as duas primeiras sessões de amostragem em 4 de março de 2015 e, três meses depois, em 15 de maio de 2015. O astronauta da NASA Jeffrey Williams tirou a terceira amostra um ano depois, em 6 de maio de 2016. As amostras foram enviadas à Terra para análise.
A ISS pode parecer um lugar frio e estéril no espaço, mas a análise mostrou que ela é um verdadeiro campo fértil para micróbios. As bactérias mais prolíficas, de acordo com os resultados de cultura, foram a Staphylococcus (26% de amostras totais), Pantoea (23%), Bacillus (11%), Staphylococcus aureus (10%) e Pantoea conspicua e Pantoea gaviniae (ambas em 9%). A população fúngica foi composta principalmente pelo Rhodotorula mucilaginosa.
A maioria dos micróbios na ISS tem uma ligação humana. A Enterobacter, por exemplo, está associada com o trato gastrointestinal humano, e a Staphylococcus aureus é frequentemente encontrada na pele humana. Alguns desses bichos são “patógenos oportunistas”, o que significa que eles são altamente adaptáveis e podem se aproveitar de condições incomuns para infectar um hospedeiro. O fascinante foi que o perfil microbiano na ISS é bastante representativo do que vemos em outros ambientes construídos por humanos na Terra, incluindo academias e hospitais.
“Não se sabe se essas bactérias oportunistas poderiam causar doenças em astronautas na ISS”, disse Sielaff em um comunicado. “Isso dependeria de uma série de fatores, incluindo o estado de saúde de cada indivíduo e como esses organismos funcionam enquanto estão no ambiente espacial. Independentemente disso, a detecção de possíveis organismos causadores de doenças destaca a importância de mais estudos para examinar como esses micróbios da ISS funcionam no espaço.”
Os resultados da análise mostraram que as comunidades fúngicas são estáveis ao longo do tempo, enquanto as populações de diversas bactérias tendem a diminuir e fluir, provavelmente como resultado da presença de diferentes astronautas a bordo da ISS, segundo os autores.
Alarmantemente, algumas estirpes de bactérias podem formar comunidades biológicas prejudiciais conhecidas como biofilmes, como os pesquisadores apontaram no estudo:
A formação de biofilme na ISS poderia diminuir a estabilidade da infraestrutura, causando obstruções mecânicas, reduzindo a eficácia da transferência de calor e induzindo corrosão por influência microbiana. Alguns dos micro-organismos que foram identificados na ISS e que foram implicados na corrosão induzida por micro-organismos na Terra foram as Methylobacterium, Sphingomonas, Bacillus, Penicillium, e Aspergillus; no entanto, o papel que elas desempenham na corrosão a bordo da ISS ainda não foi determinado. Elucidar a capacidade potencial de formação de biofilmes e a magnitude da formação de fato de biofilmes em superfícies da ISS é importante durante missões espaciais de longo prazo para manter a estabilidade estrutural do veículo da tripulação quando a manutenção interna de rotina não pode ser tão facilmente realizada.
Equipada com esse conhecimento, a NASA pode agora estudar os efeitos potenciais desses germes sobre a saúde humana e a integridade estrutural da ISS. Esses conhecimentos serão importantes não só para a estação espacial, mas também para os futuros voos de longa duração para Marte e mais além.
Como observação final, é importante lembrar que nem todos os micróbios são ruins. E, na verdade, dependemos de muitas bactérias para a nossa saúde. O importante aqui é entender como certas bactérias e fungos podem agir de forma diferente em condições espaciais e como essas mudanças podem comprometer a saúde humana. Algumas bactérias são mais difíceis de matar no espaço, por exemplo. Eliminar todos os germes da ISS não é desejável nem possível, mas esse estudo vai ajudar a garantir a saúde e a segurança dos seus visitantes.
[Microbiome]