Um novo estudo de pesquisadores da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) revelou que a Amazônia pode atingir um ponto de não retorno até 2050. Na prática, isso significa um limite que, após ultrapassado, torna impossível recuperar o que foi perdido – ou seja, uma mudança definitiva do bioma.
O trabalho foi capa da revista Nature, um dos mais renomados periódicos científicos do mundo. O artigo recebeu destaque sob a manchete “Estresse climático”.
Bernardo Monteiro Flores liderou a pesquisa, com supervisão da professora Marina Hirota. Também participaram do estudo cientistas como Catarina Jakovac, Carolina Levis e Carlos Nobre, um dos especialistas brasileiros em climatologia mais citados no mundo.
A importância da água
Para compreender o contexto atual em que a Amazônia vive e projetar os limites de sobrevivência do bioma, os estudiosos consideraram cinco elementos de estresse que afetam a região: o desmatamento acumulado, o aquecimento global, a quantidade de chuva anual no bioma, a intensidade da sazonalidade das chuvas e, por fim, a duração da estação seca.
De acordo com os autores, os efeitos de estresse da Amazônia estão relacionados à água. Isso porque, em geral, o aumento da temperatura, a seca extrema e a mudança do solo afetam o principal mecanismo de resistência do bioma: a reciclagem de chuva.
Ela acontece no ciclo que a água passa do solo às árvores e à atmosfera, retornando ao solo pela chuva. A esse sistema se dá o nome de “feedback positivo”, que acredita-se ser responsável pela sobrevivência da Amazônia em períodos em que o clima flutuou muito, como durante o Cenozóico.
“Os mecanismos de feedback que aumentavam a resiliência florestal perdem a força e são substituídos por outros feedbacks que aumentam o risco de uma transição crítica”, escreveram os pesquisadores no artigo da Nature.
Limites para a sobrevivência da floresta
Com os cinco elementos estressores da Amazônia em mente, os pesquisadores puderam estabelecer limites críticos para cada um deles. De acordo com a pesquisa, a temperatura não pode aumentar 1,5°C em relação à média do período pré-industrial.
Ela também deve manter a precipitação anual de até 1.800 milímetros. Além disso, uma estação seca não deve durar mais que cinco meses e o déficit hídrico não pode passar de -350 milímetros.
Por fim, o limite seguro para o desmatamento seria de 10% da floresta original do bioma. O ponto já foi ultrapassado, o que exige atualmente a restauração de 5% da cobertura vegetal para retornar à segurança. Os pesquisadores também pontuam que a interação entre esses elementos de estresse podem ter um efeito sinérgico.
Os piores – e possíveis – cenários
Ao ultrapassar esses limiares e chegar ao ponto de não retorno, há a perda da floresta como ela é hoje. No cenário estimado, os pesquisadores projetam florestas degradadas em que há competição entre árvores, plantas oportunistas, mudança da cobertura arbórea e limitação de sementes.
“O que pode acontecer é que não necessariamente a Amazônia vá deixar de ser Floresta, mas terá áreas bem diferentes, com a diversidade menor, dominadas por uma ou poucas espécies que se auto perpetuam, como as florestas dominadas por lianas ou bambus”, informou Flores à UFSC.
Como consequência, a perda florestal pode causar liberação de carbono, retroalimentando as mudanças climáticas. Além disso, a perda da Amazônia como é hoje influencia a circulação de chuvas em partes distantes como a Ásia e a Antártida.
Dessa forma, o estudo também pontua a necessidade de ações de preservação imediatas, discutindo o papel da biodiversidade e dos povos indígenas e comunidades locais na formação da resiliência da floresta amazônica.