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Estudo propõe terapia inédita que estimula e sobrecarrega células de câncer em vez de inibir seu crescimento

Com uma lógica oposta às terapias tradicionais, estratégia desenvolvida no Instituto Butantan conseguiu combater tumores

Estudo propõe terapia inédita que estimula e sobrecarrega células de câncer em vez de inibir seu crescimento

Reportagem: Aline Tavares/Instituto Butantan

Usar o principal defeito das células de câncer contra elas: essa é uma estratégia descoberta no Instituto Butantan que pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias contra a doença no futuro. Ao contrário das terapias convencionais, a proposta é hiperestimular o mecanismo de divisão celular descontrolada e, ao mesmo tempo, inibir as vias que regulam o estresse (a sobrecarga que a própria divisão causa na célula). Com isso, a célula tumoral fica desestabilizada e é levada à morte.

A estratégia foi validada em um estudo publicado recentemente na revista Cancer Discovery pelo biomédico Matheus Henrique Dias, que começou a investigar a abordagem durante seu doutorado e pós-doutorado no Laboratório de Ciclo Celular do Butantan, sob orientação do pesquisador científico Hugo Armelin. Hoje, Matheus dá continuidade ao seu pós-doutorado no Instituto Holandês do Câncer, em Amsterdã.

Os resultados mostraram que o tratamento é altamente letal e específico para células cancerígenas, sendo capaz de reduzir tumores em modelos animais de câncer colorretal sem afetar células saudáveis.

Matheus Henrique Dias, primeiro autor do estudo, fez doutorado e pós-doutorado no Butantan. Foto: Instituto Holandês do Câncer e Comunicação Butantan

Tradicionalmente, as terapias contra o câncer tentam inibir a proliferação descontrolada das células. O problema é que as células malignas possuem vários mecanismos para contornar os tratamentos e podem acabar desenvolvendo resistência. “Além disso, drogas quimioterápicas atacam todas as células que se dividem muito rapidamente, incluindo as saudáveis, resultando nos efeitos colaterais que conhecemos”, explica Matheus.

Pensando nisso, o estudo tentou fazer o oposto, sobrecarregando as células tumorais. Como elas já possuem naturalmente um nível de estresse muito mais elevado do que as células saudáveis, quando são hiperestimuladas e não têm acesso aos mecanismos de controle desse estresse, acabam morrendo.

“É como se a célula tumoral fosse um carro em alta velocidade. Em vez de tentar parar o carro, o que estamos fazendo é acelerar ainda mais e, ao mesmo tempo, desligar o sistema de resfriamento do motor”, diz o biomédico.

Outra vantagem observada no estudo é que as células tumorais que desenvolviam resistência, apesar de não morrerem, acabavam se tornando menos malignas, ou seja, incapazes de gerar um tumor. A crescente resistência de alguns tipos de câncer aos quimioterápicos é um dos fatores que leva os cientistas a buscarem novas formas de combater a doença.

O vídeo abaixo mostra como é a divisão das células de câncer e como esse processo é afetado após a terapia experimental:

Por dentro da tecnologia

O ponto de partida foi um artigo publicado em 2019 na Molecular Oncology, no qual a equipe do Butantan demonstrou que o fator de crescimento FGF2, descoberto por Hugo Armelin em 1973, gera um grande estresse para a célula de câncer ao estimular a via mitogênica (que induz a mitose, isto é, a divisão celular). Quando associado a um quimioterápico, o estresse se tornava insuportável e a célula tumoral morria.

“Ao serem estimuladas para se multiplicar, as células de câncer vão se afundando em um estresse que só é controlado porque elas têm meios de ativar as vias de regulação. Aí o truque passou a ser claro para nós: juntar a estimulação do crescimento com um inibidor do mecanismo de controle do estresse para sobrecarregar o tumor”, afirma Hugo Armelin.

No estudo atual, para combinar os dois efeitos, foram utilizados dois fármacos experimentais para inibir as proteínas PP2A e WEE1, que atuam nas vias de interesse. Mais de 160 moléculas foram testadas para encontrar a combinação mais eficaz. As moléculas selecionadas já foram avaliadas separadamente em ensaios clínicos e se mostraram seguras.

Outra combinação de moléculas está sendo testada no Butantan, como parte do doutorado do biomédico Thompson Torres, e deve ter os resultados publicados em breve. O grupo liderado por Hugo Armelin também faz experimentos com outras linhagens de câncer para verificar como diferentes tipos da doença se comportam frente à terapia. Resultados positivos já foram obtidos contra um tumor de mama triplo negativo, um dos tipos mais agressivos.

Hugo Armelin, pesquisador científico do Butantan, é responsável pela equipe que estuda a estratégia terapêutica. Foto: Instituto Holandês do Câncer e Comunicação Butantan

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