Estudo simula o início da esquizofrenia usando neurônios e minicérebros
Em parceria com o Instituto D’Or de Pesquisas (IDOR) e com as Universidades Federais de São Paulo (UNIFESP) e do Rio de Janeiro (UFRJ), um estudo realizado no Laboratório de Neuroproteômica (LNP) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) encontrou padrões anormais na quantidade de proteínas do sistema nervoso que podem estar relacionados com o início da esquizofrenia. Os pesquisadores observaram modelos que simulam o comportamento da doença e notaram deficiências na produção de substâncias importantes para o processamento do material genético e o desenvolvimento do sistema nervoso, entre outras funções do organismo. Os dados obtidos estão alinhados com informações encontradas em pesquisas com cérebros póstumos de pacientes com esse transtorno e publicados nesta segunda (28), na revista “Cell & Bioscience”.
Os pesquisadores mapearam a composição proteica de três modelos in vitro que simulam um ambiente nervoso afetado pela esquizofrenia: células não-diferenciadas provenientes de pessoas com o esquizofrenia (progenitoras), neurônios jovens e organoides cerebrais (órgãos em miniatura com características de um cérebro humano). “Vimos que as vias de formação de proteínas são algumas das mais afetadas pela doença, desde os progenitores e permanecendo em grande escala nos organoides cerebrais”, explica Juliana Minardi, professora da UNIFESP e uma das autoras do estudo. “Isto faz com que haja problemas no curso natural do desenvolvimento destas células neurais desde o princípio, ou seja, desde a formação de uma proteína”, complementa.
Ao todo, quase 6 mil proteínas foram identificadas nas amostras, das quais 1163 apareceram em quantidades atípicas nas amostras que representavam a esquizofrenia. Ainda, Minardi explica que boa parte dessas substâncias foi detectada em níveis inferiores do que o esperado para um organismo sadio. “As vias de processamento de RNA e de tradução de proteínas – moléculas e processos essenciais para a formação das dessas substâncias – se mostraram reduzidas ou com defeitos, causando essa diminuição nos níveis finais de proteínas”. Ela conta ainda que estes efeitos, a longo prazo, podem causar um atraso em diversos processos do desenvolvimento, “como o crescimento de neuritos, o amadurecimento celular e a formação de sinapses, por exemplo”.
Para além dos modelos in vitro, os dados obtidos neste estudo são bem semelhantes àqueles encontrados em trabalhos anteriores com cérebros póstumos de pacientes com a doença. “Vimos que as alterações que a gente observou no cérebro de pessoas adultas com esquizofrenia também estão presentes nas células cultivadas e diferenciadas como células neurais desde os primeiros estágios do desenvolvimento”, pontua Daniel Martins-de-Souza, professor de bioquímica na Unicamp, coordenador do LNP e um dos autores do estudo. “Além de indicar que estamos conseguindo mimetizar in vitro os efeitos que foram de fato observados no cérebro de pacientes, nossos resultados corroboram a hipótese de que a esquizofrenia é uma doença do neurodesenvolvimento”, acrescenta.
Bradley Smith, que também colaborou para a obtenção e análise dos dados para a pesquisa, concorda com a importância dessa descoberta e salienta que se trata de “uma confirmação de que os modelos que usamos hoje em dia representam bem o que se vê num ‘organismo de verdade’”. Segundo Juliana Minardi, essas semelhanças indicam que os modelos in vitro, como os organoides cerebrais, podem ser utilizados como uma plataforma interessante para estudar o mecanismo da doença e constituem uma aposta promissora para o futuro. “Como não é possível obter amostras cerebrais de pacientes vivos, costumamos usar modelos animais para estudar as doenças do sistema nervoso”, diz Martins-de-Souza. “É muito legal saber que podemos produzir e usar essas células e versões em miniatura do cérebro”, completa.
Minardi comenta que o modelo pode, futuramente, trazer contribuições para a personalização dos tratamentos para a esquizofrenia. “Quem sabe um dia, com mais pesquisas e investimentos, possamos usá-los para desenvolver uma forma individualizada de entender a doença de cada paciente e o que funcionaria ou não, ou ainda montar plataformas com variabilidade genética para testar antipsicóticos e outros medicamentos de interesse”, diz a pesquisadora. Ela destaca ainda que, a longo prazo, os resultados do trabalho podem colaborar para a formulação de métodos para identificar a esquizofrenia logo no início do desenvolvimento do sistema nervoso. “Nosso estudo mostra que pode ser possível modelar o início da doença da esquizofrenia. Como próximos passos, podemos começar a definir se certas proteínas reduzidas durante o começo da doença, quando revertidas a valores similares ao controle, poderiam reverter alguns efeitos da doença”, propõe.