Você conhece a cadeia alimentar: peixinhos comem plâncton, peixes maiores comem os peixinhos, e então focas comem os peixes maiores, assim consumindo a energia destes três animais inferiores. Mas e se o peixe pequeno tivesse comido um pedaço de plástico indigerível? Novas evidências demonstram que o plástico pode subir na cadeia alimentar até chegar nas focas.
O processo é chamado de transferência trófica. Cientistas pediram por mais pesquisas que identificassem se estes fragmentos plásticos continuavam a subir na cadeia alimentar dessa maneira. E uma equipe de pesquisadores britânicos conseguiu, pela primeira vez, demonstrar evidência direta de microplásticos sendo transferidos para predadores marinhos em níveis elevados da cadeia por transferência trófica.
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“Nossa descoberta sugere que a transferência tróficarepresenta uma indireta, mas ainda potencialmente grande, ingestão de microplásticos para qualquer espécie cuja alimentação envolva o consumo de presas inteiras”, escrevem os autores do estudo, publicado recentemente no periódico Environmental Pollution.
Existem muitos receios que cercam os microplásticos. Afinal, eles acabam se espalhando por todo o oceano e podem representar potenciais impactos à saúde dos peixes, além de terem contribuíram com um controverso e possivelmente forjado estudo. Mas peixes estão comendo microplásticos, e existe uma boa chance de isso ser ruim para o ecossistema marinho. Cientistas não sabem dizer ao certo quão longe isso vai dentro da cadeia alimentar, e se pode ser danoso a seres humanos (que já consomem muito lixo indigerível).
Outros estudos têm demonstrado algum nível de transferência trófica de microplásticos em organismos de níveis baixos. Mas a dificuldade em simular experimentos controlados na natureza torna difícil a análise deste efeito em predadores grandes, escrevem os autores.
Os pesquisadores conseguiram estudar 31 focas capturadas do santuário Cornish no Reino Unido. Eles as alimentaram com peixes cavalinha capturados no Oceano Atlântico e analisaram tanto o estômago dos peixes como os dejetos das focas para tentar identificar os plásticos.
E ele estava lá – um terço dos peixes e metade dos dejetos das focas possuíam um punhado de pedaços de plásticos de aproximadamente um ou dois milímetros de comprimento.
“O estudo convincentemente mostrou que o plástico presente nos peixes que serviram de alimento para as focas foi detectado nas fezes dos animais”, disse Sjúrður Hammer, um pesquisador não envolvido com a pesquisa que estuda plástico em aves marinhas na Universidade de Glasgow na Escócia, ao Gizmodo.
Essa é uma pesquisa determinante, mas que possui suas limitações, explica Claudia Halsband, da pesquisa de aquacultura norueguesa e consultora da Akvaplan-niva, que não esteve envolvida com o estudo.
Fica claro que as fibras nos peixes não eram as mesmas encontradas nas focas. “Isso não é surpreendente, e os autores apontam isso, uma vez que os peixes examinados não foram os mesmos peixes que serviram de alimento para as focas”, disse ao Gizmodo. “Consequentemente, todas as interpretações baseadas nas descobertas para estes dois grupos de animais que não estiveram em contato direto (ou seja, não houve conexão trófica por alimentação) precisam ser muito generalizadas e tratadas com cautela”.
“É preciso ser muito claro sobre a conclusão deste estudo”, disse Hammer. “Ele mostra evidências da transferência trófica, mas isso não é necessariamente evidência que microplásticos estão ‘acumulando na cadeia alimentar’”, como mercúrio faz com o atum.
Ele lembra que existe uma preocupação atual da mídia em volta de plástico marinho – mas, para ele, não é algo que chega a ser tão preocupante como outros poluentes ambientais, como dióxidos e DDT, que possuem mais evidências que causam danos e são conhecidos como “poluentes orgânicos persistentes”. Os autores do estudo não responderam ao nosso pedido de comentário.
Todos os pesquisadores contatados pelo Gizmodo ainda acreditam que a descoberta do artigo é importante, e que é lógico que microplásticos em peixes acabariam em focas. Paula Sobral, da Universidade Nova de Lisboa, nota que estudar transferência trófica para estes grandes predadores é uma tarefa especialmente difícil.
Ainda existe muito trabalho a ser feito antes de entendermos o potencial danoso que os microplásticos podem causar em animais, por quanto tempo eles ficam no sistema digestivo, e como se acumulam. Ainda não existe muitas evidências convincentes que eles causem danos aos seres humanos. E de qualquer forma, existem ameaças mais perigosas ao oceano – derramamento de óleo, por exemplo.
Hammer resume a situação: “Existem muitos fatores desconhecidos na pesquisa sobre plásticos marinhos, mas este artigo é um passo à frente para a área”.
Imagem de topo: nick goodrum/Flickr