É inegável que o Brasil perdeu o bonde da alta tecnologia nos últimos anos. Quase tudo é feito na Ásia, basicamente, pelo baixo custo de produção e por ter mão de obra qualificada.
Como não dá para mudar do dia para a noite, o governo e empresas que atuam no país têm trabalhado em formas de começar a colocar o Brasil no mapa da indústria dos semicondutores. Desde o ano passado, ouvimos notícias sobre isso. No entanto, só no início deste ano passamos a ter mais detalhes sobre um dos primeiros frutos desse esforço do governo e da iniciativa privada.
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Trata-se de uma fábrica de semicondutores que vai ser fruto de uma joint venture entre a norte-americana Qualcomm e a chinesa USI (Universal Scientific Industrial) — uma empresa do grupo ASE, uma das maiores fabricantes de eletrônicos do mundo.
A iniciativa não é a necessariamente a primeira do tipo no Brasil. Em Porto Alegre (RS), existe a Ceitec, uma empresa pública criada em 2008 para incentivar o mercado de semicondutores. Porém, como aponta uma matéria da Gazeta do Povo, a empresa tem uma situação deficitária. No interior de São Paulo, tem ainda a Smart Technologies, que faz módulos de memória, e em Minas Gerais tem a Unitec Semicondutores.
Frente de uma das instalações da Qualcomm em San Diego, nos EUA
Para entender o processo dessa nova fábrica em território nacional, conversamos com Rafael Steinhauser, presidente da Qualcomm para a América Latina. A primeira questão sobre tudo isso foi: por que a empresa vai entrar nessa, sendo que a companhia é justamente conhecida por não ter fábricas.
“A Qualcomm é uma empresa fabless (que não tem fábrica). A gente desenvolve a tecnologia e conta com fabricantes parceiros que os produzem. Nossa ideia é trazer o Brasil um pouco mais próximo da cadeia de valores de semicondutores e quisemos fazer isso com um de nossos parceiros”, explicou Steinhauser em conversa com o Gizmodo Brasil.
O investimento estimado das partes envolvidas é de US$ 200 milhões e a fábrica está prevista para começar a operar em 2020 na região de Campinas, no interior de São Paulo. Por ora, Qualcomm e USI estão buscando um local para as instalações, que deve empregar entre 800 e 1.000 pessoas.
O que a fábrica vai produzir?
Com a chegada da fábrica quer dizer que teremos chipsets de processadores feitos no Brasil? A resposta simples é não. No entanto, o produto principal a ser produzido pela fábrica é o SiP (system in package) da Qualcomm.
A grosso modo, o módulo SiP é um chip compacto que contém quase toda a eletrônica de um smartphone ou um dispositivo conectado de internet das coisas. O módulo contará com frequências de rádio e componentes digitais.
Chip QSiP (Qualcomm System in Package) que será fabricado no Brasil. Crédito: Divulgação
“Um celular tem mais ou menos 500 componentes e mais 400 eletrônicos, como tela e sensores. Há alguns anos, a gente desenvolveu uma tecnologia para colocar boa parte disso em um módulo único, onde é integrada toda a eletrônica de um celular, inclusive a memória e toda parte de radiocomunicação”, explicou Steinhauser.
No fim das contas, o uso desse componente deve simplificar, segundo a Qualcomm, o custo do aparelho e o processo de fabricação. Sem contar nas vantagens técnicas, logísticas e a facilidade de disponibilizar um produto o mercado — em vez de trazer os produtos da Ásia, seria possível fazê-los aqui no Brasil e já mandar para as fabricantes locais e futuramente exportar para outros países da região.
Esta é a traseira do QSiP. Crédito: Divulgação
Por ora, não existe no mercado nenhum produto com essa tecnologia da Qualcomm. A expectativa é que ainda neste ano chegue ao Brasil smartphones que tenham esse “chip compacto”. De acordo com a companhia, já existem OEMs desenvolvendo os produtos com o chip, porém, por questões contratuais, não podem ser revelados.
Ainda que a fábrica seja fruto de uma joint venture, Steinhauser fez questão de ressaltar que a companhia não deve fazer fábricas mundo afora e que a produção de itens pode ser diversificada.
“Não tenho dúvidas de que ao estabelecer a fábrica no Brasil, surgirão outras demandas para a fabricação de componentes eletrônicos, inclusive para outras empresas, que é o que a USI faz em todo o mundo”, afirmou o executivo. A título de curiosidade, a USI produz itens para Apple e Lenovo, por exemplo.
No fim das contas, a ideia da fábrica parece interessante, ainda que não vá nem arranhar todo o protagonismo da Ásia nesse mercado. Para a USI, a parceira da Qualcomm na joint venture, parece ser um bom negócio, pois eles não têm fábrica na América do Sul — a mais próxima da região fica no México.
Além disso, como o mercado de smartphones cada vez mais consolidado na região (e ainda com grande potencial para crescimento) e toda a expectativa para a explosão de aparelhos conectados com a internet das coisas, o Brasil, em tese, deve se beneficiar de ter uma produção local, ainda que limitada, na área de semicondutores.
Agora, só nos resta esperar para ver em quais aparelhos esses módulos serão embarcados e do quanto isso pode influenciar nos smartphones de um futuro muito próximo.
Imagem do topo: Fábrica da USI no México, por enquanto, a única na América Latina. Crédito: Tato K./Foursquare