Em janeiro deste ano, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, disse que estava “bem orgulhoso do impacto que conseguimos ter no discurso cívico”, reforçando sua posição de que a desinformação, a disseminação de propaganda pura e simples e a rápida erosão de confiança na mídia eram problema de qualquer pessoa, menos dele. Um relatório da maior plataforma de mídia social do mundo – estima-se que 66% dos americanos a utilizam para receberem suas notícias – menciona casualmente que o Facebook também é solo fértil para “formas sutis e insidiosas de utilização inapropriada, incluindo tentativas de manipulação do discurso cívico e de enganar as pessoas”.
• Se o resultado da eleição foi diferente do previsto no Facebook, você deve estar numa bolha
• Pesquisadores propõem novos direitos humanos para proteger nossas mentes do Facebook
O relatório – obtido primeiro pela Reuters – foi redigido pelos analistas Jen Weedon e William Nuland, que trabalharam antes na FireEy e na Dell SecureWorks, respectivamente, bem como Alex Stamos, chefe de segurança da rede social. O documento destaca o que adolescentes adeptos da extrema-direita da Rússia e dos Estados Unidos já sabem há algum tempo: qualquer rede social pode ser enganada.
Sofisticados ataques de phishing e malware projetados para comprometer a segurança de auxiliares políticos ou jornalistas parecem distópicos, mas realmente acontecem. Um dos destaques do documento é o fato de o Facebook admitir que seu produto pode ser utilizado como um veículo poderoso para a propaganda. Exércitos de contas falsas estrategicamente curtindo, comentando e compartilhando são capazes de inflacionar a visibilidade de publicações até que elas reflitam um consenso ideológico que talvez não exista de verdade. Nesse ponto, pessoas facilmente influenciáveis se juntam a esse consenso. “Operações de informações bem executadas possuem o potencial de ganhar influência organicamente, por meio de canais autênticos e redes, mesmo caso se originem a partir de fontes não autênticas, como de contas falsas”, declara o relatório.
A companhia tenta posteriormente diminuir sua própria culpa ao afirmar que “está tomando ações contra mais de 30 mil contas falsas” na França, presumivelmente aquelas que tentam influenciar a eleição em curso no país. No servidor altamente organizado do Discord, batizado de La Taverne des Patriotes, os ataques nas plataformas são organizados, e designers criam novos memes sobre a política. A seção da “legião estrangeira” do Discord é um lugar de encontro para não-cidadãos da França que desejam influenciar a eleição, majoritariamente composta por pessoas do extinto servidor “Grande Libertação da França”, que surgiu após a eleição de Trump. A terceira mensagem no canal de anúncios pede aos usuários do servidor para se juntarem a um grupo recém-criado anti-Macron no Facebook.
Seja por meio de ações coordenadas por uma mistura de contas legítimas e ilegítimas para dominar a conversação (como no caso do fórum r/the_donald no Reddit) ou utilizando exércitos de robôs no Twitter, como aquele comandado pela misteriosa MicroChip para alavancar uma hashtag, grupos maliciosos sabem como explorar as redes sociais com uma eficiência incrível. E o Facebook não é exceção. Os posts de conteúdos maliciosos e conteúdos de notícias fabricadas não dão sinais de diminuição.
O Facebook já entrou em algumas polêmicas ao determinar o que eram e o que não eram notícias dentro da função “Trending News”, ao afirmar que as seleções eram feitas imparcialmente por um algoritmo. Agora, a companhia se coloca na posição inviável de dizer se os “atores organizados” são ativistas reais ou operações que pretendem “distorcer o sentimento político doméstico ou estrangeiro”.
“Nossas respostas evoluirão constantemente, mas queremos ser transparentes sobre nossas abordagens”, afirma o relatório, que não é nem um pouco transparente já que não oferece correções tangíveis para um problema que é muito maior e que até agora o Facebook não conseguiu resolver. O Facebook Live não pode impedir as pessoas de transmitir suicídios, atos sexuais e crimes violentes, a plataforma não oferece nenhuma solução porque não tem nenhuma ideia de como agir a respeito.
Parte da intenção do documento talvez seja insinuar que o Facebook precisa estar ainda mais presente na vida das pessoas que estão em risco de se tornarem alvos dos problemas que a própria rede social ajuda a criar (as ênfases são deles):
Os governos talvez queiram considerar qual assistência é apropriada para se oferecer aos candidatos e partidos que estão em risco de serem alvos de roubo de dados. O Facebook continuará a contribuir nessa área ao oferecer materiais de treinamentos, cooperação com as agências de cibersegurança dos governos que buscam dificultar as atividades de ataques externos nas contas de redes sociais de seus funcionários e candidatos e implementando ferramentas de comunicações projetadas para reforçar a observação de fortes práticas de seguranças, dentro de seus produtos .
Jornalistas e profissionais envolvidos com notícias são essenciais para a saúde das democracias. Estamos trabalhando por meio do Facebook Journalism Project15 para ajudar as organizações de notícias a permanecerem vigilantes sobre sua segurança.
O relatório guarda ainda um trecho para continuar negando o impacto nas eleições dos Estados Unidos – mesmo depois de reconhecer a facilidade com que a rede pode ser utilizada para influenciar na geopolítica. “O alcance das operações conhecidas durante as eleições de 2016 dos Estados Unidos foi estatisticamente muito pequeno se comparado com o engajamento geral dos temas políticos”, afirma o documento.
Imagem do topo: AP Photo/Eric Risberg