Em 2017, o furacão Maria, que provocou milhares de mortes em Porto Rico, deixou consequências preocupantes para a biodiversidade em territórios vizinhos. Na ilha de Dominica, onde o ciclone começou, pesquisadores observaram a perda de três quartos da população de uma espécie importante de polinizador, o beija-flor caribe-de-garganta-púrpura (Eulampis jugularis). Com isso, houve uma mudança no ciclo de reprodução das plantas, como aponta um artigo publicado nesta sexta (12) na revista científica “New Phytologist”.
O trabalho traz informações importantes sobre o impacto de ciclones tropicais na biodiversidade caribenha, uma semana após o furacão Beryl atingir a região. Ele é fruto de parceria entre universidades estrangeiras, com contribuição do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CbioClima) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Há cerca de 20 anos antes do furacão, cientistas do grupo já acompanhavam o processo de polinização das flores naquela região. As fêmeas desta espécie de beija-flor eram as únicas polinizadoras de dois tipos de helicônias, flores típicas da região, mas, com o fenômeno de 2017, outras espécies também assumiram o papel – o que não era comum. Outras quatro espécies de pássaros foram vistas visitando as flores estudadas após o furacão.
“A relação entre esse beija-flor e esse tipo de planta é extremamente restrita, é exemplo em quase todos os livros”, afirma o ecólogo Fernando Gonçalves, da Universidade de Zurich, na Suíça, um dos autores brasileiros do trabalho. Por conta dessa relação, os pesquisadores temiam que a planta pudesse ser extinta. Com a descoberta, eles perceberam que o processo de extinção é mais complexo do que se imaginava. “Não é tão simples assim, o fenômeno quebra a relação de coadaptação e outros indivíduos podem dominar a polinização e ocupar o papel de espécies que diminuíram”, avalia. “A trajetória evolutiva flutua, não é tão restrita quanto pensávamos.”
Na região do Caribe, tanto as plantas quanto os pássaros são importantes para movimentar o turismo. “São ilhas vulcânicas, com muitas montanhas, que recebem turistas o ano inteiro para ver os pássaros endêmicos e apreciar a natureza. Então, um impacto muito grande como este acaba afetando o local economicamente”, comenta o pesquisador.
Gonçalves ressalta que as mudanças podem afetar também a restauração de florestas capazes de conter fenômenos naturais como os furacões – que podem aumentar no contexto das mudanças climáticas. “Esses pássaros dispersam sementes que ajudam na regeneração da floresta, polinizam flores que podem também ajudar nesse processo e, com isso, amortecer alguns impactos desses fenômenos naturais”, afirma o ecólogo.
Agora, o grupo pretende avaliar os impactos de fenômenos naturais sobre o comportamento evolutivo de outras espécies. “Estamos monitorando outros furacões na região para voltar lá e entender suas consequências”, diz Gonçalves.