Há alguns dias, circularam rumores de que físicos enfim observaram ondas gravitacionais: são ondulações no tecido do espaço-tempo previstas por Albert Einstein há um século. O boato parece promissor, devido ao detector recentemente atualizado no LIGO – o observatório por trás de toda essa agitação no mundo da ciência.
Descobrir as ondas gravitacionais seria muito importante para a física, para a cosmologia e para nossa compreensão do universo em geral. Mas se você não é um cientista nesses campos, é possível que nunca tenha ouvido falar dessas ondulações misteriosas. O que são exatamente essas ondas, e por que os físicos se esforçam para encontrá-las há um século?
Em termos simples, as ondas gravitacionais são vibrações no tecido do universo. São ondulações à velocidade da luz no próprio espaço-tempo causadas por eventos terrivelmente violentos, como explosões de estrelas ou fusões de buracos negros. Graças a acontecimentos celestes inconcebivelmente grandes, violentos e distantes, os átomos que compõem tudo – desde as estrelas no céu até os seres humanos na Terra – estão tremendo um pouco, o tempo todo.
E “um pouco” é pouco mesmo. Apesar de toda a energia necessária para produzir ondas gravitacionais, as ondulações no espaço-tempo em si são incrivelmente fracas. Os físicos estimam que, quando as ondas gravitacionais chegam à Terra, elas têm um bilionésimo do diâmetro de um átomo. Você precisa de instrumentos ridiculamente precisos que operem em ambientes completamente sem ruído para medi-los, e até muito recentemente, nossos detectores simplesmente não eram capazes disso.
Simulação numérica de dois buracos negros se fundindo, realizada pelo Instituto Albert Einstein na Alemanha. Crédito da imagem: Werner Benger/Wikimedia
Mas a detecção de ondas gravitacionais vem mudando nos últimos tempos. O LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser) é nosso principal observatório terrestre na área, e vem recebendo uma série de melhorias; e foi lançado o primeiro detector espacial de ondas gravitacionais, o LISA Pathfinder. Armados com estes dois laboratórios, os físicos esperavam medir nossas primeiras ondulações no espaço-tempo até o final da década. Agora, parece que esse dia chegou mais cedo que o previsto.
Como detectar
Em princípio, a detecção de ondas gravitacionais é bastante simples; na prática, é irritantemente difícil. Para fazer isso, os físicos tentam medir pequenas variações na distância entre dois objetos separados por uma quantidade conhecida. Mas como os tremores atômicos que esperamos detectar são pequeníssimos, precisamos de experimentos que separem objetos em distâncias enormes. Mesmo assim, temos de medir as mudanças na distância muito, muito precisamente.
Esse é o princípio por trás de nossos atuais detectores de ondas gravitacionais. No caso do LIGO, que foi ativado pela primeira vez em 2002, dois espelhos estão pendurados em duas cidades a 3.000 km de distância nos EUA, formando um braço principal; enquanto outros dois espelhos estão perpendiculares a eles. Uma luz laser passa por um divisor de feixes e salta por todos os quatro espelhos até retornar à sua fonte.
“Se os dois braços estiverem a distâncias idênticas, então a interferência entre os feixes de luz que retornam ao divisor de feixes vai guiar toda a luz de volta para o laser”, explica um site informativo da Caltech. “Mas, se houver alguma diferença entre a distância dos dois braços, parte da luz irá viajar para onde ela pode ser gravada por um fotodetector.”
Esquema simples do Detector LIGO. Via LIGO.
Se isso acontecer, um sinal elétrico é produzido, e cabe aos cientistas determinar se eles realmente testemunharam uma onda gravitacional. O problema é que o nosso planeta é um lugar barulhento, e um monte de outros tipos de movimento – de tremores na Terra a carros e trens – podem estragar o sinal. O ruído de fundo do nosso planeta, juntamente às limitações impostas pela distância dos detectores, colocou algumas restrições graves na nossa capacidade de farejar ondas gravitacionais a partir do solo.
A primeira campanha observacional do LIGO, que terminou em 2010, não gerou nenhuma evidência firme; fomos quase enganados por um sinal falso, deliberadamente plantado pela comissão do LIGO para deixar os cientistas espertos.
Mas desde essa campanha, o LIGO passou por uma série de melhoramentos ao longo de um período de cinco anos. Quando o Advanced LIGO foi ativado em setembro, seus novos detectores brilhantes eram três vezes mais sensíveis do que nos experimentos iniciais.
Isso significa que o Advanced LIGO agora pode “ouvir” através de uma faixa muito mais vasta do espaço – até 225 milhões de anos-luz de distância, em comparação com os 65 milhões de anos-luz alcançados durante a última caçada de ondas gravitacionais. E, no futuro, cientistas esperam aumentar a sensibilidade para 2 bilhões de anos-luz.
Caçando ondas no espaço
Este ano, pela primeira vez, a busca por ondas gravitacionais também será feita a partir do espaço. O LISA Pathfinder, lançado em 2 de dezembro, é um experimento de prova de princípio que vai testar tecnologias fundamentais necessárias para a detecção de ondas gravitacionais fora da Terra.
Há algumas razões pelas quais o espaço é um lugar atraente para procurar ondas gravitacionais. Por um lado, trata-se de um ambiente muito mais silencioso do que a Terra – as únicas verdadeiras fontes de ruído de fundo são o vento solar e a radiação cósmica, que podem ser evitados com uma blindagem cuidadosa.
Modelo computacional das câmaras experimentais do LISA Pathfinder (caixas douradas) e sistema de interferômetro laser (centro). Via ESA.
No diagrama acima da câmara experimental do LISA Pathfinder, duas massas de teste estão alojadas em caixas separadas de eletrodos, onde elas ficam protegidas contra todas as forças externas. Tal como acontece com o LIGO, a distância entre eles é medida com precisão usando interferômetros laser.
E cientistas levaram a caça de ondas gravitacionais para o espaço devido a outro fator: a distância. Livre das restrições espaciais de um pequeno planeta rochoso, podemos posicionar objetos a distâncias muito maiores, e isso aumenta a chance de detectar ondas gravitacionais.
Enquanto o experimento LISA Pathfinder tentará medir a posição relativa de duas massas separadas por apenas 40 cm, um futuro observatório espacial de ondas gravitacionais poderá fazer o mesmo ao longo de centenas de milhares de quilômetros.
Descobertas nunca antes imagináveis
Por que observar as ondas gravitacionais é tão importante? Além de confirmarem boa parte da teoria da relatividade geral de Einstein, as ondas gravitacionais podem ser usadas para sondar alguns dos fenômenos mais misteriosos do cosmos. Bill Weber, cientista do LISA Pathfinder, disse ao Gizmodo que elas são “a forma mais direta de se estudar a grande parte do universo que é escura”.
Os buracos negros, estrelas de nêutrons e outros objetos que não emitem luz são muito difíceis de se estudar diretamente. Mas as ondas gravitacionais, que passam por tais objetos como faca em manteiga, nos oferecem uma janela. Ao sondar o universo escuro com ondas gravitacionais, podemos descobrir novas maravilhas celestes que nunca imaginávamos.
LISA Pathfinder, pronto para lançamento em dezembro de 2015. Via ESA.
Além disso, as ondas gravitacionais agem como impressões digitais dos eventos mais energéticos do universo. Por isso, elas podem nos ajudar a entender como a força da gravidade opera em condições extremas; isto é, próximo ao limite de campo forte. Há muito que não sabemos sobre como a gravidade funciona quando objetos de grande massa dançam um em torno do outro a velocidades próximas à da luz.
Rumores
Boatos sobre a descoberta das ondas gravitacionais circulam desde setembro. Lawrence Krauss, físico da Arizona State University, disse no Twitter que o detector do LIGO havia encontrado as ondas. Em janeiro, ele voltou à rede social para dizer que “o rumor foi confirmado por fontes independentes”.
E este mês, Clifford Burgess – físico teórico da Universidade McMaster (Canadá) – enviou um e-mail para todo o departamento dele relatando que a equipe do LIGO havia encontrado um sinal revelador de dois grandes buracos negros se fundindo. O sinal é real, e é “espetacular”.
A significância estatística do sinal é supostamente muito elevada, excedendo o padrão de “cinco sigma” que físicos usam para distinguir evidências fortes o suficiente para dizer que é uma descoberta.
O LIGO é composto por dois instrumentos ópticos gigantescos chamados interferômetros, com os quais os físicos procuram o alongamento do espaço quase infinitesimal causado por uma onda gravitacional. De acordo com o e-mail de Burgess, ambos os detectores notaram a fusão de um buraco negro com o atraso de tempo certo entre eles.
O e-mail completo vazou no Twitter. Nele, Burgess afirma que um estudo confirmando a descoberta pode sair na revista Nature em 11 de fevereiro.
O rumor de que o Advanced LIGO pode ter detectado ondas gravitacionais ainda não foi confirmado. E é provável que a comunidade do LIGO não publique resultados tão cedo – essas coisas precisam ser checadas à exaustão, o que leva muito tempo. Mas os físicos estão comovidos com a mera possibilidade disso, o que mostra como a descoberta de ondas gravitacionais tem potencial.
À medida que a sensibilidade do LIGO continua a crescer, e à medida que o LISA Pathfinder se instala em uma órbita estável no ponto L1 Lagrange, podemos esperar muito mais rumores de ondulações no espaço-tempo nos próximos meses.
Primeira imagem por R. Hurt – Caltech/JPL