Tá, não exatamente todos os países são diferentes, mas com pelo menos 12 soquetes distintos em amplo uso pelo mundo (e um prestes a ser adotado quase que exclusivamente pelo Brasil), a sensação é exatamente esta para qualquer um que faça viagens internacionais. Então por que raios existem tantos? A história é engraçada.
Quanto mais você olha para a terrível orgia de plugues pelo mundo, mais besta ela parece. Se você compra um carregador de celular em um aeroporto na Flórida, você não poderá usá-lo quando o seu voo aterrissar na França. Se você comprar um adaptador de três pinos para le portable em Paris, é possível que você não consiga plugá-lo quando o seu trem deixá-lo na Alemanha. E quando o seu voo finalmente der uma paradinha em uma pista de Londres, prepare-se para comprar um adaptador comicamente enorme para conseguir acesso à rede elétrica de lá. Mas isso é legal! Afinal, você pode levar este mesmo adaptador com você pra Cingapura! E para algumas partes da Nigéria! Ah, sim, e se este adaptador não suportar nativamente 240V, certifique-se de comprar também um conversor, senão é capaz de ele explodir.
E fora alguns oásis, como a incipiente padronização do Europlugue Tipo C dentro da União Europeia, isto é só uma palhinha do que ocorre pelo mundo todo.
Eu hesitaria ao me referir a soquetes de energia como algo que faz parte da cultura de um país, afinal, eles são apenas plugues e não significam absolutamente nada. Mas, considerando o fato de que eles não mudarão até serem forçosamente substituídos por algo inteiramente novo, eles são basicamente isso mesmo.
O que há por aí
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Existem aproximadamente 12 principais tipos de plugues em uso atualmente, cada um designado seja lá pelo nome que os países que os adotam preferem. Para fins deste post, vamos ficar com os nomes do Departamento de Comércio dos EUA (PDF), organizados bonitinho de maneira alfabética: os EUA usam plugues ‘A’ e ‘B’! A Turquia usa tipo C, etc. Acontece que estes nomes são inteiramente arbitrários: as letras são designadas para tornar a conversa sobre estes plugues menos confusa – elas não subentendem absolutamente nada. Elas não são padrões no sentido literal da palavra.
E pior, estes soquetes são divididos em dois grupos principais: os camaradas 110-120V, como os que se usam na América do Norte e em diversas cidades brasileiras, e os plugues 220-240V, como a maior parte do restante do mundo usa. Mas não exatamente os plugues e soquetes em si que estão atados a uma determinada voltagem e sim os aparelhos e as redes elétricas às quais eles se conectam que provavelmente o são.
Como isto aconteceu
A história da divisão de voltagens é bastante curta e sobre a qual você provavelmente já ouviu algumas partes antes. Os primeiros experimentos de Thomas Edison com a corrente contínua (CC) no final do século XIX resultou nas primeiras aplicações úteis de larga escala para a eletricidade, mas sofreu com a tendência de se perder voltagem ao longo de grandes distâncias. Quando Nikola Tesla inventou um meio de transmissão de longa distância com a corrente alternada (CA), ele fez isso com o intuito de concorrer diretamente com a tecnologia de Edison, que por acaso se baseava nos 110V. E ele insistiu neste valor. Quando as pessoas começaram a perceber que energia a 240V talvez não fosse uma ideia tão ruim assim para os EUA, já era meados da década de 1950 e mudar o sistema estava completamente fora de questão.
Palavras foram trocadas, elefantes foram eletrocutados e, com o tempo, o debate foi resolvido. A energia CA era a única opção e a padronização nacional estava a todo vapor. A Westinghouse Electric, a primeira empresa a comprar a patente de Tesla para transmissão de energia, estabeleceu-se com um padrão fácil: 60Hz e 110V. Na Europa – mais especificamente, na Alemanha – uma empresa chamada BEW exerceu o seu monopólio para forçar a barra um pouquinho mais. Eles definiram arbitrariamente a frequência de 50Hz, mas o mais importante, elevaram as voltagens para 240V porque, você sabe, isto significa MAIS ENERGIA. E assim o padrão 240V lentamente se espalhou pelo restante do continente. A propósito, tudo isto ocorreu antes da virada do século, então é uma rixa antiga.
Durante décadas após os primeiros padrões, os mais modernos aparelhos elétricos precisavam ser acoplados diretamente à fiação da sua casa, o que hoje soa como uma ideia terrível. E, pensando bem, era mesmo: o “Plugue de Acoplagem Separável” de Harvey Hubbell – que essencialmente permitiu que aparelhos sem lâmpada pudessem ser plugados em um soquete de luz para obter energia – foi projetado com um intuito simples:
A minha invenção tinha o objetivo de eliminar a possibilidade de abrir arco ou faiscação ao se fazer uma conexão, de modo que a energia elétrica nas construções pudesse ser utilizada por pessoas com nenhuma habilidade ou conhecimento elétrico.
Valeu, Harvey! Ele mais tarde adaptou o design original para incluir um plugue de dois pinos chatos, que então foi refinado até tornar-se um plugue de três pinos – o terceiro pino para aterramento – por um cara chamada Philip Labre em 1928. Este design também sofreu algumas mudanças ao longo dos anos, mas é basicamente o usado pelo pessoal da América do Norte e em muitos aparelhos eletrônicos no Brasil.
Mas veja bem: histórias como a do plugue de Harvey Hubbell estavam rolando por todo o mundo, cada um com a sua própria distorção do conceito. Isto foi antes dos eletrônicos serem globalizados e antes da compatibilidade de plugues entre países passasse a ser um problema. O debate da voltagem foi reduzido a apenas dois (aproximadamente) valores, o que facilitou o estabelecimento das empresas mundo afora. Mas uma vez que elas foram estabelecidas, quem se importava com o estilo do plugue que seus consumidores usavam? Afinal, quem iria trazer seu novíssimo aspirador de pó de barco para cruzar o oceano? Os primeiros esforços para padronizar o plugue pelas organizações como a Comissão Eletroctécnica Internacional (IEC) foram risíveis: quem eram eles para ditar a um país que plugue deveriam adotar? E o pouco progresso que eles de fato conseguiram foi definitivamente estilhaçado pela Segunda Guerra Mundial.
[Observação: existem tecnicamente mais de duas voltagens em uso. O leitor Michael explica que até o início do século XXI, havia quatro voltagens distintas: 100V (Japão), 240V (Grã-Bretanha e antigas colônias, exceto o Canadá), 110/117/120/127V (seja lá o que for – América do Norte e partes do Brasil) e 220V (o resto do mundo).
No entanto, na década de 80, a Europa e a Grã-Bretanha iniciaram um processo de harmonização e estabeleceram o padrão de 230V. Ainda não chegaram lá e vão demorar um bocado até modificarem tudo, mas este é o plano.
As antigas colônias permanecerão com os 240V. A América do Norte ainda gosta dos seus 110/117/120/127V e o Japão não deixará pra trás os seus 100V por um bom tempo. Ou seja, quem projeta produtos para vendas internacionais precisa lidar com 100/120/220/230/240 volts. Para alguns produtos, como lâmpadas halógenas ou de tungstênio, a diferença entre 220 e 230V é mais do que o suficiente para resultar em uma vida útil significativamente reduzido. E, é claro, tem os 267V em algumas partes do interior da Austrália, sendo que as condições intermediárias pelo restante do mundo só complica ainda mais a tarefa. (A vida útil de uma lâmpada é mais ou menos inversamente proporcional à sua voltagem elevada à 12ª potência. Assim, uma lâmpada 220V em uma rede 230V duraria somente 3/5 do tempo que uma de 220V duraria. É por isso que nos EUA deve-se usar lâmpadas de 130V nos locais onde queremos que ela dure muito tempo.]
Eis o raciocínio: em vez de passar um fio de cada tomada para a caixa de fusíveis em alguma parte da casa, o que necessitaria de um bocado de fiação, por que não juntar tudo em um único fio e colocar os fusíveis em cada plugue? Prontinho, resolvida a escassez de cobre. Este foi chamado de Padrão Britânico 1363 e você pode vê-los dependurados dos fios dos aparelhos hoje. Note como nas décadas de 1940 e 50 – praticamente ontem! – o Reino Unido estava arquitetando um novo tipo de plugue sem nenhuma consideração com o resto do mundo.
Agora imagine todos os demais países desenvolvidos do mundo fazendo a mesma coisa, com um conjunto totalmente diferente de circunstâncias históricas. Foi assim que chegamos onde nos encontramos hoje, explodindo fusíveis dos nossos quartos de hotel em Paris porque os avisos de voltagem dos nossos adaptadores de viagem estavam inexplicavelmente escritos em cirílico. Ah, e o negócio fica ainda pior.
Existe alguma esperança para o futuro?
Não. Eu conversei com Gabriela Ehrlich, chefe de comunicação da Comissão Eletrotécnica Internacional, que ainda executa lá as suas tarefas na Suíça, e o prospecto não é nada animador. “Existem padrões e um plugue que foi projetado. O problema, na verdade, é que todo mundo investiu no seu próprio sistema e é difícil fugir disto”.
Quando a Comissão de Questões Internacionais holandesa se juntou pela primeira vez com a IEC para formar um comitê para falar sobre este exato problema em 1934, as reuniões foram postergadas, houve um bocado de resistência, blábláblá, e o comitê foi protelado até 1940. Daí uma guerra – uma Guerra Mundial, diga-se de passagem – enfiou uma vareta entre os raios da roda do comitê (ou seria um garfo no soquete?) e o assunto foi definitivamente esquecido até mais ou menos 1950, quando a IEC percebeu que havia “perspectiva limitada para qualquer acordo até mesmo nesta limitada região geográfica (Europa)”. Seria muito caro descartar os soquetes de todo mundo e, suponho, aparentemente isto não era tão urgente assim.
Além disso, a IEC não pode obrigar ninguém a fazer nada – ela é mais ou menos como a Assembleia Geral da ONU para padrões eletrônicos, o que significa que eles podem até defini-los, mas ninguém precisa segui-los, independente de quão bons eles forem. Conforme o tempo passava, as populações cresciam e centenas de milhões de soquetes foram instalados por todo o mundo. A ideia de trocar o hardware passou a ficar cada vez mais estapafúrdia. Quem pagaria o pato? Por que um país quereria mudar? E o ínterim, com padrões mistos de plugues dentro do mesmo país, não seria perigoso?
Mas a IEC não abandonou as esperanças, silenciosamente tentando forçar um plugue padrão durante décadas adiante. E eles até bolaram alguns! No final da década de 80, eles criaram o IEC 60906, um plugue pequeno e de pinos redondos para países com 240V. Daí eles codificaram um plugue de pinos chatos para países com 110-120V, o que acabou sendo perfeitamente compatível com o que já se usa nos EUA. Até hoje, o Brasil é o único país no mundo a adotar o IEC 60906, então não temos muito o que dizer sobre isso. [PB: Mais sobre isso em outro post]
Talvez no futuro tenhamos carregamento por indução: você terá um aparelho acoplado à sua parede e um mecanismo de carregamento sem fio.
A última vez que vi um protótipo de energia wireless foi no Fórum dos Desenvolvedores Intel, em 2008, e ele parecia um projeto de feira de ciências. Consistia em duas gigantescas bobinas, posicionadas apenas a alguns centímetros uma da outra, que transmitia eletricidade suficiente para acender uma lâmpada de 40W. Então sim, um dia teremos este problema do plugue resolvido, mas isto será em, errr….digamos….2050?
Ela teve o cuidado de enfatizar que os padrões ainda existem para as pessoas poderem adotar, então os países poderiam todos entrar na onda, mas mesmo no melhor dos casos, enquanto usarmos fios teremos pelo menos dois padrões com os quais lidar: um plugue chato 110-120V e o plugue redondo 240-250V. Por ora, a Comissão está fazendo a abordagem mais prática para lidar com o problema, emitindo especificações para coisas como fontes de energia de laptop, que lidam com ambas voltagens e vêm com fios intercambiáveis, além de algo bastante caro aos nossos corações: “Precisamos avançar ao ponto de termos plugues que realmente possamos controlar”, me disse Gabriela. Ela quis dizer coisas novas como USB, que está se tornando o padrão de facto de carregamento de gadgets. O máximo que podemos esperar é um futuro no qual as tomadas de corrente alternada são invisíveis a nós, transmitindo energia e plugues novos e mais universais. O meu telefone será recarregado via USB tão bem na África Subsaariana quanto em São Paulo; basta me fornecer a porta.
Enquanto isso, esta história significa que as coisas realmente não vão mudar. O seu barbeador elétrico ainda vai morrer se você plugá-lo em uma tomada europeia com um simples adaptador, os indianos ainda se lembrarão do Império Britânico toda vez que plugarem um laptop, Israel ainda terá o seu próprio plugue que não funciona em nenhum outro lugar do mundo e El Salvador, sem nenhum padrão nacional, continuará brigando consigo mesmo e seus 10 tipos diferentes de plugues.
Em outras palavras, foi mal, mas o futuro é sombrio.
Agradecimento especial a Gabriela Ehrlich e à IEC, além do Instituto de Engenharia e Tecnologia e os Assuntos de Fiação (PDF) e a iluminada review da USC Viterbi. Mapa adaptado da Wikimedia Commons pelo estagiário Kyle.