A discussão no Giz Reunions dessa semana, sobre ética na relação entre anunciantes, veículos e leitores, sobre a forma correta de uma empresa se relacionar com um blog, rendeu muitas reflexões e comentários entre vocês. A conversa foi fomentada pelo nosso encontro com a Riot, uma das agências especializadas em mídias sociais líderes de mercado, representada pela figura simpática do Gustavo Schmitz, 26, diretor de operações da empresa.
Entre as práticas comuns de “relacionamento” das marcas com os blogueiros estão os convites para eventos e o envio de presentes. Sob a ideia lícita de gerar uma "experiência" para o jornalista, uma "interação" do blogueiro com a marca, escondem-se alguns problemas. Nos eventos, a agenda é sempre definida pela empresa que faz o convite. Na prática, a cobertura do repórter acaba sendo absolutamente dirigida pela empresa. Fora que um convidado que está tendo todas as contas pagas sempre fica com algum tipo de dívida com quem o convidou. O que tem grande chance de tornar a cobertura parcial – e com viés favorável à empresa anfitriã. Essa é uma das razões pelas quais algumas revistas simplesmente não aceitam convites de viagens.
É o caso da Editora Abril. Na revista Info, o mote era alguma coisa como “notícias que nós não pudermos apurar de forma independente não nos interessam”, como lembrou nossa supereditora de Brand Content, Renata Mesquita, ela mesmo uma ex-editora da Info. Ou seja: se a única forma de cobrir um lançamento é por meio de uma viagem paga pela empresa que está lançando o produto, a Info não vai. Mesma coisa faz a Quatro Rodas, como lembra Leo Nishihata, editor chefe do Jalopnik, ele também com larga passagem pela Quatro Rodas. A Viagem & Turismo, também da Abril, que é uma revista de viagens, paga sempre as despesas de seus repórteres. Para que os elogios a um destino ou a um hotel ou a uma companhia aérea sejam sempre isentos. Da mesma forma, os editores dos Guias Quatro Rodas e da Veja São Paulo, também da Abril, procuram se manter anônimos nos restaurantes e bares que testam e sempre pagam suas contas – para que uma resenha positiva jamais venha a acontecer por outro motivo que não o justo mérito do estabelecimento.
Outros veículos operam de outra maneira, mas ainda dentro de parâmetros oxalá aceitáveis de transparência com o leitor. Os jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico, e a revista Trip, por exemplo, aceitam convites para viagens mas sempre explicitam para sua audiência quem lhes pagou a excursão. Esse é também o caso do Gizmodo e do Jalopnik. E há veículos, como a maioria das TVs por exemplo, que jogam outro jogo. Um jogo em que jornalismo e isenção editorial não parecem ser valores tão importantes. É costume entre emissoras de televisão, por exemplo, dar grande cobertura jornalística aos eventos em que estão metidas comercialmente. A cobertura jornalística já é vendida no pacote comercial! (Não estou falando de espaços publicitários, como vinhetas, selos e VTs comerciais, mas de espaços jornalísticos, como reportagens em programas noticiosos.)
É fato também que uma emissora costuma ignorar ou ao menos minimizar grandemente acontecimentos que estejam de alguma forma ligados a emissoras concorrentes, por mais relevantes que eles possam ser. O que significa impor aos editores uma lógica comercial e não uma lógica jornalística na hora da definição de pauta. Assim com é verdade que as emissoras de TV recebem, via PR, sugestões de pautas que aceitam ou não levando muito em consideração se o oferecimento da pauta inclui a cobertura dos custos de produção do VT ou não. Isso é ou não é vender, ao menos em parte, uma decisão editorial? Por fim, uma pergunta simples: a estreia de uma nova novela é matéria justificável na grade do principal jornal televisivo do país? Ponto.
A conversa até aqui tem sido muito a do assédio que os veículos sofrem dos anunciantes e de seus prepostos no mercado publicitário – e também do tanto que os veículos estão ou não abertos a esse tipo de acordo, que implica necessariamente, em maior ou menor medida, numa traição, na ponta oposta, da confiança que lhes foi depositada pela audiência. Primeiro, é preciso dizer que a maioria dos grandes anunciantes brasileiros, felizmente, respeita e valoriza a independência e a isenção editorial de um veículo. No Gizmodo, ano passado, por exemplo, cobrimos com objetividade a crise do Speedy enquanto tínhamos, em paralelo, um grande projeto de Brand Content do próprio Speedy – o saudoso Brand Channel Jeito Speedy. Esse é um elogio que precisa ser feito e refeito à Telefônica, pela maturidade que a empresa teve em nunca misturar seu projeto de conteúdo de marca conosco com a cobertura que o Gizmodo tinha que fazer da crise naquele momento.
Segundo, é preciso dizer também que os próprios veículos assediam de forma semelhante as agências de publicidade, e os próprios anunciantes, de cujas autorizações de inserção dependem para sobreviver. Ou será que uma emissora de TV a cabo ou um portal de internet levar diretores e VPs de mídia de agências de publicidade importantes para viagens internacionais com tudo pago também não é uma forma de influenciar decisões futuras de veiculação – não por um critério técnico e imparcial, mas sim por gatilhos de gratidão, via dívidas emocionais e subjetivas? Qual é o limite da propina? O que é um agrado inocente, meramente simpático, e a partir de onde o que está na mesa (ou debaixo dela) é uma relação escusa? Questão difícil e delicada. Por isso algumas empresas, como a Volks, passaram a proibir por completo o recebimento de presentes pela turma do marketing. (No final do ano passado, enviamos uma deliciosa tortinha de amêndoas, em valor inferior a 10 reais, como presente de fim de ano para nosso cliente na Volks e a guloseima simplesmente não passou da recepção. Foi enxotada da fábrica!)
No final, só há um elemento nessa equação toda capaz de estabelecer de verdade o comportamento ético na indústria da mídia, premiando quem for correto e transparente, e punindo quem for escuso e corrupto: a cobrança do público. O tanto de credibilidade, de audiência, de influência e de importância que o público vai entregar para um e para outro veículos. Enquanto o público não compreender essas questões, e não cobrar, e não considerá-las fundamentais à sua escolha de quais veículos seguir e respeitar, o terreno ainda estará aberto para manobras que prejudicarão primordialmente o próprio público, que jamais terá a certeza da qualidade e da origem das informações que está recebendo.