Por que o governo federal está adotando soluções da Microsoft em vez de software livre
O governo federal há anos usa software livre em seus órgãos, mas isso deve mudar em breve. Na semana passada, o Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação (SISP) anunciou que até o dia 11 de novembro todos os seus órgãos vão encaminhar manifestação de interesse em adquirir soluções da Microsoft.
Com essas manifestações de interesse, uma licitação será realizada para a aquisição de pacotes Office, Windows Professional, Windows Server e Client Access Lines. Serão compradas licenças perpétuas e subscrições de acordo com as demanas de cada um dos órgãos participantes do SISP.
Sai software livre, entra Microsoft
O governo federal passou a usar softwares de código livre durante a gestão Lula (2003-2010), e, apesar do recente impedimento da presidente Dilma Rousseff e da mudança brusca de diversas políticas sob o comando de Michel Temer (PMDB), o Baguete diz que a troca para softwares proprietários já vinha sendo feita há algum tempo.
Apesar da gestão petista ter políticas de fomento de desenvolvimento de software livre, nem todos os órgãos federais aderiram a licenças abertas. Como lembra o Convergência Digital, a Receita Federal e o Banco Central, por exemplo, usavam softwares proprietários.
Em 2012, a Caixa Econômica Federal comprou licenças do Office para usar em seus sistemas, justificando que “apesar dos esforços da Caixa e dos fornecedores para suporte e consultoria, não foram alcançados resultados satisfatórios em inúmeros projetos estruturantes da plataforma baseada em soluções de software livre”.
A mudança geral que está sendo consolidada agora também já vinha sendo desenhada desde os tempos em que Dilma Rousseff estava na presidência. O processo atual começou em abril de 2015, quando 12 órgãos relataram a necessidade de aquisição de softwares e aplicativo, pedido que foi levado à Comissão de Coordenação do SISP e validado no fim do mesmo mês.
O governo federal não divulga números sobre o uso de software livre em seus órgãos desde 2009, e já nessa época as coisas não pareciam muito boas: softwares de email tinham 55% de uso e eram os mais comuns, enquanto pacotes de escritório tinham 15% de uso e os sistemas operacionais apenas 5%.
A política de implementação de software livre em órgãos federais tinha como objetivo reduzir os custos aos cofres públicos, mas ninguém sabe dizer exatamente quanto isso gerou de economia – até 2008, estimava-se que a economia era de R$ 150 milhões, enquanto outra estimativa falava em R$ 500 milhões até 2010.
Como fica o desenvolvimento de software livre no Brasil?
A mudança é um golpe bem forte na comunidade de desenvolvimento de software livre no Brasil. Dados de uma pesquisa de 2014 da IDC bancada pela Abes (entidade de empresas com modelo de negócios baseado em software proprietário) dizia que as empresas nacionais de software livre representavam 4% do faturamento do setor, sendo que 66% deste faturamento vinha de compras públicas.
Eventos como o Fórum de Software Livre, por exemplo, já experienciaram uma diminuição considerável sob o governo Temer. Neste ano, a Associação Software Livre precisou fazer uma campanha de financiamento coletivo para realizar um evento com metade do tamanho do que atraiu no passado. Isso porque o governo federal esteve, em grande parte, ausente, seja em patrocínio ou em representação.
Os maiores defensores do uso de software livre dizem inclusive que as suas soluções são mais seguras do que as proprietárias, mas isso não é o suficiente para a manutenção deles nos órgãos federais. Sem o apoio e fomento por parte do governo, a tendência é que essa comunidade de desenvolvedores se enfraqueça bastante.
Enquanto isso, nos órgãos federais mais próximos de você, os funcionários vão começar a usar Windows e Office. Como a aquisição das ferramentas ainda não foi feita, não sabemos quanto será gasto com isso. Mas, pela primeira vez desde 2003, o governo federal vai fazer uma compra imensa de licenças de um software proprietário, em vez de buscar alternativas de código aberto.
Apesar do processo já estar sendo aparentemente elaborado há algum tempo, a divulgação da aquisição das licenças da Microsoft veio em um momento um pouco interessante. No dia 19 de outubro, a Microsoft fez um evento com integrantes do governo para anunciar a criação de um “Centro de Transparência” em Brasília para fins de segurança cibernética e para trocar informações com governos da América Latina sobre origem de ataques virtuais.
[Baguete, Motherboard, Convergência Digital]
Foto via AP