A notícia de que os Estados Unidos irá testar a hidroxicloroquina, um medicamento antigo e utilizado para tratar malária, lúpus e artrite reumatoide, contra o coronavírus fez com que a procura pelo remédio disparasse – inclusive no Brasil. Apesar disso, ainda não há evidências científicas sólidas de que o medicamento realmente é adequado para tratar a COVID-19, doença causada pelo coronavírus.
Há diversos relatos de pessoas que usam a medicação com frequência para tratar doenças como lúpus e artrite e já não conseguem mais encontrar a hidroxicloroquina nas farmácias de suas cidades. Uma reportagem da Folha de S. Paulo, por exemplo, indica que não há o medicamento em Niterói (RJ), Belém (PA), Teresina (PI), Goiânia (GO) e em São Paulo (SP).
A alta demanda provavelmente tem relação com as notícias relacionadas à COVID-19. E apesar de as primeiras pesquisas serem muito promissoras e mostrar que a hidroxicloroquina pode ser uma aliada no tratamento contra o coronavírus, a amostragem ainda é muito pequena. Isso significa que os cientistas ainda não têm certeza de diversos aspectos do uso do remédio. É preciso, por exemplo, saber com precisão a dosagem, tempo de uso e situação em que os pacientes devem recebê-la.
Ainda não se conhece também possíveis efeitos colaterais em pacientes com COVID-19. A bula do remédio indica que o uso pode causar “cefaleia [dor de cabeça], irritação do trato gastrointestinal, distúrbios visuais e urticária”. Há ainda precauções que devem ser tomadas com as pessoas que possuem problemas cardíacos, uma vez que “as manifestações tóxicas estão relacionadas com efeitos cardiovasculares (hipotensão, vasodilatação, supressão da função miocárdica, arritmias cardíacas, parada cardíaca)”.
O próprio comissário da FDA, agência americana equivalente à Anvisa, disse em uma coletiva de imprensa que “é importante não dar falsas esperanças”. A Organização Mundial de Saúde, no entanto, disse no mês passado que “não há provas” de que o medicamento seja eficaz no tratamento do coronavírus.
A Sanofi, empresa farmacêutica que produz a hidroxicloroquina e a vende no Brasil, disse ao Gizmodo Brasil via comunicado que “até o momento, existem dados clínicos insuficientes para tirar conclusões finais sobre a eficácia ou segurança clínica da hidroxicloroquina (ou cloroquina) no tratamento do COVID-19. Os resultados preliminares de um estudo piloto francês independente requerem análises adicionais; estudos clínicos mais robustos e amplos estão sendo realizados para confirmar o perfil de benefício/risco do medicamento no uso contra o COVID-19.”
A empresa reforça ainda que “qualquer uso deste medicamento para tratar esse vírus ou seus sintomas é considerado uso off label (ou seja, na ausência de uma autorização de comercialização para a indicação da doença induzida por COVID-19).”
Procurada pelo Gizmodo Brasil, a EMS, que também fabrica o remédio e o vende no Brasil, diz que “preocupada com a situação pandêmica e reforçando sua missão de cuidar das pessoas, está colaborando com as autoridades de saúde pública e informa que está realizando todos os esforços para aumentar a produção da hidroxicloroquina”.
A empresa disse que já entrou em contato com a fabricante da matéria-prima e também com a Anvisa e prevê a produção de 46 mil unidades até o dia 30/03. “O aumento da produção de hidroxicloroquina é para garantir o abastecimento aos hospitais, principalmente, diante da repercussão das recentes publicações com ampla divulgação na mídia mundial”, informa a empresa.
“A EMS reforça que os médicos são os únicos profissionais habilitados a prescreverem o uso adequado da medicação, seguindo os protocolos de medicina e direcionando o produto a quem mais precisa dele neste momento”, conclui.
A Anvisa, por sua vez, publicou no Twitter uma mensagem que desaconselha a compra de medicamentos em teste:
Seja consciente. Enquanto você corre às farmácias para comprar um medicamento que ainda não foi comprovado para o tratamento do coronavírus, está prejudicando pessoas com outras doenças e que precisam desse tratamento todo o dia para sobreviver. https://t.co/qZKHP8YJNa pic.twitter.com/Yh3eKVsiK0
— Anvisa (@anvisa_oficial) March 20, 2020
Em um comunicado, a agência reforçou que “enfatiza não determinou medida de restrição a comercialização da cloroquina nas farmácias neste momento” e que “hidroxicloroquina é um medicamento sujeito à prescrição médica”.
“Pessoas que não tem receita médica para aquisição deste medicamento não devem utilizar o produto, sob o risco de intoxicação e de deixar os pacientes de malária e lúpus sem tratamento”, completa.
Hoje, o tratamento para a COVID-19 é de suporte. É preciso dar suporte para as funções dos órgãos, mas não há um remédio específico para o vírus.
Em situações de emergência como a do COVID-19, centros de pesquisa se esforçam para encontrar soluções e agências reguladoras como a Anvisa e o FDA (dos EUA) podem ter um protocolo de urgência para a aprovação, desde que artigos científicos demonstrem a capacidade da droga contra a doença.
Em um artigo, pesquisadores relatam um experimento de 6 dias com pacientes com COVID-19 que utilizaram hidroxicloroquina e hidroxicloroquina combinado com azitromicina. Desses 36 pacientes, 16 estavam no grupo de controle e não tomaram as drogas. Apenas 2 deles ficaram sem o coronavírus após os 6 dias. Outros 14 pacientes tomaram apenas hidroxicloroquina e 8 ficaram sem a doença (57,1%). Por fim, 6 pacientes tomaram hidroxicloroquina e azitromicina e todos foram curados.