Eu estava na praia há algumas semanas quando testemunhei uma família de três gerações tirando uma selfie em grupo usando um bastão (ou pau) de selfie. Poucos minutos depois, um casal adulto repetiu a cena. E assim por diante. Na verdade, quase nenhum lugar escapa dele.
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Este pequeno gadget se tornou onipresente em diversos países, mas não é novo. Ele existe há anos – ou melhor, décadas. Agora, ele está atingindo uma massa crítica de usuários para além dos amantes de tecnologia, ampliando nosso campo de visão míope.
Por mais que você deteste o pau de selfie, por mais que você odeie o nome “pau de selfie”, e por mais que você despreze essa forma de expressar o narcisismo, ele é uma invenção brilhante. Afinal, não é de hoje que as pessoas querem tirar fotos de si próprias.
De onde veio o pau de selfie?
Segundo a New York Magazine, o inventor canadense Wayne Fromm está em uma missão para combater as numerosas “imitações” de sua patente US 7.684.694, que descreve um aparato para apoiar uma câmera e o método para usá-lo.
A patente é uma das primeiras sobre o assunto nos arquivos do USPTO, órgão americano de patentes. Ela foi solicitada em 2006 e concedida em 2010:
“Aparato para apoiar uma câmara e método para utilizar o aparato“, patente apresentada em 2006 por Wayne G. Fromm.
O problema com os processos jurídicos de Fromm, como detalha a NYMag, é que você não pode patentear uma ideia genérica: “imitações” simplesmente baseados no mesmo conceito geral não necessariamente infringem uma patente específica.
“Dispositivo para estabilizar a câmera“, patente solicitada em 2012 por Wayne G. Fromm.
Além do mais, o pau de selfie não foi a ideia singular de uma pessoa. Trata-se de uma conclusão à qual chegaram várias pessoas ao mesmo tempo, uma resposta à popularidade das selfies no Facebook, Instagram e Snapchat. Outra patente, solicitada apenas três semanas após a patente de Fromm, mostra um dispositivo semelhante:
“Braço retrátil de câmera“, patente solicitada por Michael Daoud e John R. Stump em 2006.
Na verdade, o século XX teve diversas versões do pau de selfie. Esta patente de 1988 descreve um bastão portátil para câmeras de vídeo, que permite gravar de cima e observar as imagens em um monitor remoto:
“Suporte portátil para câmera de vídeo/monitor“, patente solicitada em 1988 por Donald N. Horn e Bern Levy.
Enquanto isso, uma imagem desenterrada de uma revista de 1995 com “invenções japonesas inúteis” prova que o bastão de selfie veio antes dos smartphones modernos:
E claro, existem os monopods, bastões que ajudam a estabilizar a imagem de SLRs (ou DSLRs) sem precisar de um tripé. Eles permitem tirar fotos do alto – de uma multidão, por exemplo – e também para tirar selfies.
Muito antes de câmeras digitais existirem, o bastão de selfie já rondava o mundo. Há algumas semanas, a BBC perguntou: “esta foto de 1925 mostra o primeiro ‘bastão de selfie’?“. Era uma foto tirada há 90 anos por um casal, aparentemente por uma câmara montada na extremidade de uma vara.
Câmeras amadoras da década de 1920 não conseguiam capturar um autorretrato com foco quando seguradas à distância do braço, diz [Michael Pritchard, diretor-geral da Royal Photographic Society]. Por isso, os fotógrafos de selfie teriam que usar um disparador remoto, como um cabo, ou então – como Arnold Hogg aparentemente fez – construir seu próprio dispositivo.
Ou seja, não houve uma única pessoa que inventou o pau de selfie: ele surgiu de diferentes formas, em resposta a uma necessidade grande o suficiente para ele.
A melhor perspectiva é de cima
Nós estamos tentando capturar imagens de nós mesmos há décadas, e não apenas com bastões de selfie. Na verdade, a vigilância de cima é difundida em nosso mundo – seja por drones, satélites ou até filmes.
Por que somos tão obcecados em olhar para nós mesmos (e outros) de um ponto de vista alto? Bem, porque fotos em um ângulo maior parecem mais atraentes. O que está mais longe da câmera parece menor, ou seja, seu corpo parecerá mais magro. E fotografado de cima, seu rosto também recebe uma iluminação melhor. É por isso que um bastão de selfie não pode ser substituído por outra pessoa tirando uma foto de você.
Há também uma teoria bem interessante vinda de Richard Coyne, crítico de tecnologia e design. Ele descreve as selfies tiradas por exploradores urbanos adolescentes que sobem até o topo de arranha-céus como “uma expressão contemporânea e dinâmica do sublime”.
Em seu livro Technoromanticism, ele também aponta para uma citação de Michael Benedikt, crítico de arquitetura:
Somos bombardeados em toda parte por imagens de oportunidade e de fuga; as próprias circunstâncias de uma vida humana livre e significativa se tornaram caleidoscópicas, vertiginosas. Sob estas condições, definir a própria realidade tornou-se incerto. São necessárias novas formas de instrução e novos meios de orientação.
O que ele quer dizer com isso? É que nós passamos nossos dias vendo o mundo através de uma multiplicidade de telas e perspectivas, a maioria das quais não estava disponível até algumas décadas atrás. Existe um exagero de novas maneiras de ver o mundo, e de ver nós mesmos.
No entanto, há poucas formas de nos vermos de cima, do nosso melhor ângulo, de como “realmente” somos. O bastão de selfie é a forma mais fácil e mais barata de fazer isso.
Pau de selfie na feira de tecnologia CES
Na última década, o paradigma dominante em tecnologia é tentar descobrir como o nosso mundo real e a nossa vida nas telas deveriam (ou não) se conectar. O Google Glass, por exemplo, permite gravar o mundo real e interagir com o digital, mas provou-se uma forma complicada de fazer algo simples. (Ele deixará de ser vendido e será reformulado, desta vez de forma secreta.)
Por outro lado, o bastão de selfie resolve um problema complexo – que grandes empresas de tecnologia falharam em resolver – com a solução mais idiota e mais lógica que há. Ao contrário do Google Glass, de smartwatches, drones, e quaisquer outros meios visíveis de colocar o mundo real na internet, o bastão de selfie é um objeto anônimo, quase descartável, cujo produto real é a imagem que ele facilita criar. Ele nos permite tirar fotos de nossa vida real, por mais bobas ou sensacionais que sejam.
Quem usa pau de selfie talvez pareça meio tonto para os outros, mas pelo menos está sendo honesto.
Imagem inicial: AP Photo/Manish Swarup