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Incor aperfeiçoa técnica para correção de “peito de sapateiro”

A cirurgia minimamente invasiva para deformidade no tórax foi realizada pela primeira vez no Brasil em 2003 e, nos últimos anos, recebeu melhorias que permitem menor período de interrupção de atividades físicas após o procedimento

Incor aperfeiçoa técnica para correção de “peito de sapateiro”

Texto: Ivan Conterno / Arte: Joyce Tenório / Jornal da USP

Neste mês de maio, uma técnica cirúrgica para correção de pectus escavatum e pectus carinatum — conhecidos popularmente como “peito de sapateiro” e “peito de pombo” respectivamente — completou 21 anos de implementação e evolução no Brasil. O pectus excavatum acomete 1,2% da população e o carinatum, 0,6%.

Ambas as deformidades são causadas pelo crescimento anormal das cartilagens do tórax, que pode deslocar o osso do peito para dentro, no caso do excavatum, e para fora, no carinatum.

O procedimento conhecido como reparo minimamente invasivo é uma cirurgia que introduz barras metálicas para corrigir as deformidades torácicas e substitui a remoção de cartilagens do método Ravitch, feito através de um grande corte no peito. Semelhante aos aparelhos ortodônticos para correção dos dentes, a cirurgia minimamente invasiva reduz o tempo de internação, tem resultado estético melhor, permite um retorno mais rápido às atividades e deixa menos cicatrizes.

O cirurgião pediátrico Gilson Sawaya foi o primeiro a realizar esse procedimento no Brasil, ainda com material importado, no dia 3 de maio de 2003. Desde então, melhorias foram desenvolvidas no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) . “Hoje nós temos material produzido aqui. O importado é de aço e o material feito aqui é de titânio”, conta o professor Miguel Tedde, da FMUSP.

Gilson Sawaya – Foto: Ivan Contenro

Normalmente, os pacientes operados convivem com a barra no peito por 3 anos. “Ele tem uma vida praticamente normal nesse período”, avalia Tedde.

De acordo com Sawaya, a técnica aplicada previa um repouso nos primeiros meses. “Nós pedíamos para o paciente não fazer atividade física por três meses para não ter risco de a barra virar e ter que reoperar”. O sistema de estabilização desenvolvido por Tedde abreviou esse prazo para 30 dias.

Além do metal ser mais adequado para próteses implantáveis, a barra corretiva desenvolvida na USP possui um sistema que a impede de girar acidentalmente e reduz a chance de perfurações cardíacas, como detalha Tedde. “Esse material tem três sistemas diferentes para fixar, sendo que dois deles tornam praticamente impossível que a barra saia do lugar”.

O material nacional começou a ser desenvolvido no Incor há oito anos. “Nós operamos 50 pacientes em dois projetos de pesquisa.” O artigo sobre a primeira parte do estudo foi publicado na revista Interdisciplinary Cardiovascular and Thoracic Surgery (ICVTS).

De acordo com o professor, o material brasileiro está disponível no mercado desde 2022, sendo que o Incor oferece o procedimento pelo sistema público. “Embora o SUS de forma geral ainda não disponibilize essa cirurgia, felizmente no Incor temos conseguido operar pacientes com alguma regularidade”.

Conjunto de barra metálica e estabilizadores de titânio desenvolvidos pela indústria brasileira – Foto: Interdisciplinary CardioVascular and Thoracic Surgery

 

Conjunto de barra metálica e estabilizadores de titânio desenvolvidos pela indústria brasileira – Foto: Interdisciplinary CardioVascular and Thoracic Surgery Estabilizadores mais seguros, perpendiculares e oblíquos,desenvolvidos no Brasil – Foto: Interdisciplinary CardioVascular and Thoracic Surgery

 

Barra importada com os estabilizadores perpendiculares, com maior risco de girar acidentalmente – Foto: Miguel Tedde

 

Barras metálicas, barras transversais (pontes), parafusos e porcas para fixação do sistema – Foto: Miguel Tedde

 

Seis modelos de estabilizadores desenvolvidos no decorrer do projeto de pesquisa brasileiro – Foto: Miguel Tedde

Faixa etária

Normalmente a cirurgia é recomendada para crianças a partir dos 8 anos. “Mas se uma criança com 5 anos chegar com uma deformidade muito acentuada, nós operamos”, conta Sawaya.

Em adultos, os resultados podem não ser tão satisfatórios. Tedde explica que, quanto mais velho, menor é a expectativa de correção. “À medida que vamos ficando mais velhos, as cartilagens vão calcificando e a flexibilidade do tórax vai diminuindo, quase desaparecendo”.

Miguel Tedde – Foto: Ivan Conterno

A mãe de um paciente de 17 anos que realizou a cirurgia minimamente invasiva conversou com o Jornal da USP. Segundo ela, o filho foi atendido inicialmente no Hospital das Clínicas, onde estava supondo realizar a operação no início de 2023. Nesse primeiro contato, no entanto, teve que desistir devido ao preço. “Eu me assustei, porque na internet tinha um valor, que era mais ou menos R$ 70 mil, R$ 60 mil. Quando fiz o orçamento, deu praticamente R$ 130 mil, e eu não tinha o dinheiro completo”.

Após um ano, o professor Tedde a atendeu no Hospital Sabará, instituição privada que possui um centro cirúrgico no bairro de Higienópolis. A família gastou R$ 153.595,00. “Praticamente o mesmo valor”, na avaliação da mãe, que também reconhece que o resultado foi imediato. “Ele já saiu da sala de cirurgia com o peito perfeito”.

Na adolescência, também existe a preocupação com a autoestima e a qualidade de vida nessa época de descobertas sobre si mesmo e sobre o mundo. Um dos indicadores disso é que a performance escolar dos pacientes que fazem o tratamento cirúrgico costuma ser melhor do que os que não tratam a deformidade, conforme estudo com 16 pacientes realizado em 2020.

Barra rodada espontaneamente no pós-operatório com material importado, menos estável, que pode vir a ferir os órgãos internos – Imagem: Miguel Tedde

 

Barra rodada espontaneamente no pós-operatório com material importado, menos estável, que pode vir a ferir os órgãos internos – Imagem: Miguel Tedde Duas barras em X fixadas, com pontes desenvolvidas pelos pesquisadores brasileiros – Imagem: Miguel Tedde

 

Duas barras paralelas fixadas com pontes criadas no projeto de pesquisa do Incor – Imagem: Miguel Tedde

 

Radiografia de tórax com esquema de três barras utilizadas na correção do pectus carinatum – Imagem: Miguel Tedde

 

Radiografia em perfil onde a barra do meio tem posição mais elevada por estar por cima do osso – Imagem: Miguel Tedde

 

Radiografia mostra barra e estabilizadores importados inseridos no paciente – Imagem: Miguel Tedde

Evolução dos procedimentos corretivos

No caso do pectus carinatum, o paciente pode usar um compressor no peito para fazer com que as cartilagens retornem para sua posição anatômica, mas os pacientes muitas vezes preferem realizar uma cirurgia a se submeter a longo tratamento.

Na cirurgia de Ravitch, ainda hoje utilizada, é preciso fazer um grande corte no peito do paciente para remover as cartilagens, o que deixa uma enorme e visível cicatriz. Além disso, a chance do pectus voltar a se manifestar não é desprezível.

Na opinião do professor Tedde, a alternativa menos agressiva foi criada porque Donald Nuss, um cirurgião pediátrico sul-africano, ficou chocado quando foi apresentado ao procedimento nos Estados Unidos. Esse espanto foi essencial para pensar em uma alternativa. “A técnica só nasceu porque na África do Sul não havia o costume de fazer a cirurgia”.

O inventor notou a flexibilidade e maleabilidade das cartilagens das costelas. Assim, em vez de remover parte das cartilagens, ele propôs um procedimento com base em um orifício lateral muito menor entre os ossos. A proposta era inserir uma barra ortopédica moldada e girá-la, corrigindo a posição do peito.

No Brasil, o trabalho de pesquisa colaborativa entre universidade e indústria médica nacional resultou em um material médico que, além de substituir o importado, tornou o procedimento mais seguro e efetivo. No entanto, muitas pessoas com pectus não sabem que essa intervenção existe.

Mais informações: e-mail tedde@usp.br

*Estagiário sob orientação de Luiza Caires e Fabiana Mariz

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

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