Juízes estão usando WhatsApp para intimar réus e mediar negociações
O que fazer quando o réu em um processo na Justiça não responde a cartas, e-mails nem telefonemas? Envie uma mensagem pelo WhatsApp. É o que fez um juiz no Pará – e deu certo.
Este é apenas um dos vários exemplos de como o app de mensagens – comprado pelo Facebook por US$ 22 bilhões – é usado no sistema jurídico brasileiro.
O Ministério Público do Trabalho abriu processo por suspeita de tráfico humano internacional contra a madeireira Brokopondo Watra Wood International N.V., cuja sede fica no Suriname. O brasileiro que aparentemente oferecia mão de obra para a empresa também mora lá.
Inicialmente, o juiz Ney Maranhão – titular da Vara do Trabalho de Tucuruí (PA) – seguiu o procedimento de sempre: enviou uma notificação por carta, o que envolveu gastos com tradutor juramentado e a burocracia do Ministério das Relações Exteriores. No entanto, ninguém respondeu. Diversos contatos por e-mail e telefone tiveram o mesmo destino.
O caso tinha urgência: o juiz afirma que o autor da ação “está com situação de saúde delicadíssima, há muito se sujeitando a diversas e agressivas sessões de quimioterapia”.
À medida que o juiz colhia depoimentos de pessoas próximas aos réus, ele descobriu que um dos acusados usava WhatsApp. Então o tribunal enviou, em texto e imagem, a sentença judicial pelo app.
Assim, a mensagem foi visualizada, e a empresa enfim respondeu. O juiz explica em entrevista:
No mesmo dia, o aplicativo acusou a leitura pelo destinatário (duas linhas azuis), o que foi objeto de certificação nos autos. A certeza da eficácia da intimação da sentença pelo WhatsApp veio alguns dias depois, quando a empresa Brokopondo Watra Wood International N.V. encaminhou expediente para a Secretaria da Vara com suas alegações e impressões a respeito do caso.
Intimação
Há outros casos de intimação por WhatsApp. Em novembro de 2014, o juiz João Valério Silva Neto, de Presidente Médici (RO), determinou que a autora de um processo fosse encontrada por meio do app.
A autora ganhou a causa, mas o juizado não conseguia contatá-la. Assim, o juiz escreveu em seu despacho: “não sendo apresentados embargos [recursos], intime-se a autora pelo meio menos oneroso e rápido (e-mail, telefone, WhatsApp…)”. Segundo o G1, ela foi enfim encontrada.
Como se trata de um tribunal de pequenas causas – que preza pela rapidez, informalidade e oralidade – isso não parece ser problema.
Mas nem sempre a intimação por WhatsApp é bem-vista. Segundo o Consultor Jurídico, uma advogada em Cuiabá recebeu esta mensagem de um oficial de Justiça: “Não pude passar a data de sua audiência devido a senhora estar dirigindo….a data é 25/11/2014 às 10:00hrs. …A partir desse momento a senhora está devidamente intimada”.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Mato Grosso não gostou: Maurício Aude disse que o aviso pelo WhatsApp, “além de não encontrar o devido respaldo legal, não goza de segurança jurídica necessária para o ato”.
Essa prática ainda não é totalmente regulamentada, mas vem sendo adotada oficialmente aos poucos. Por exemplo, desde abril, uma portaria autoriza a intimação por WhatsApp no Juizado Especial Cível e Criminal da comarca de Piracanjuba (GO).
Acordo pelo WhatsApp
O app também pode ser usado para se informar sobre processos que tramitam em um tribunal. Em abril, a 7ª Vara Criminal Federal em São Paulo oficializou essa prática, e desde então faz o cadastro dos interessados – que podem ser advogados, procuradores ou qualquer pessoa do público em geral. É possível “agendar visitas para consultas dos autos e audiências com o juiz, retirar certidões e alvarás, enviar lembretes de audiências”, entre outros.
O WhatsApp até foi usado por um tribunal em Campinas (SP) para mediar uma negociação. O projeto piloto envolveu um funcionário que sofre com hérnia de disco, aparentemente causada pelo trabalho que ele fazia em uma empresa.
As discussões entre o funcionário e a empresa foram feitas em um grupo do WhatsApp, com a ajuda de uma servidora e uma juíza. Em maio, eles chegaram a um acordo – R$ 8.000 à vista para o trabalhador, contra a exigência de R$ 12.000 com parcelamento – e só precisaram ir ao tribunal para assinar os papéis.
O uso do WhatsApp pode causar certa polêmica por não ser totalmente regulamentado. Mas, como afirma a advogada Paula Leite Barreto no Consultor Jurídico, “é importante que exista um diálogo entre a informática e os juristas”, porque a tecnologia anda muito mais rápido do que a legislação brasileira.
Mesmo que o Código Civil não esteja pronto para um mundo de smartphones, o “ordenamento jurídico deve ser adaptado para a nova realidade, a fim de solucionar casos concretos”, diz Paula.
[TRT-8 via Consultor Jurídico via @samirsalimjr]
Foto por Microsiervos Geek Crew/Flickr