Por que lentes de contato inteligentes podem não ser uma boa ideia ainda

Idealmente, a Mojo Vision deveria investir na realização de estudos clínicos rigorosos com a FDA, órgãos reguladores e a comunidade médica.
Imagem: Mojo Vision

Imagine colocar uma lente de contato no seu olho e, em vez de apenas enxergar melhor, você pudesse ter uma visão aprimorada do seu ambiente. É isso que a Mojo Vision está dizendo que seu novo protótipo de lente de contato inteligente poderia fazer. Eventualmente. Parece um conceito direto de um filme de ficção científica. Mas enquanto tudo é possível na ficção, a vida real tem limitações muito reais – e há muitas perguntas que a Mojo Vision precisa responder antes que alguém se empolgue com as lentes inteligentes.

O objetivo da Mojo Vision é nobre. Seu primeiro protótipo foi projetado para ajudar pessoas com visão reduzida através de uma tela minúscula de 14.000 ppi. Ele também inclui sensores para ajudar a detectar movimento, além de um rádio para interagir com um dispositivo vestível ou smartphone.

Os relatos das demonstrações feitas na CES observam que um produto totalmente funcional pode ajudar alguém com baixa visão a enxergar no escuro. Mas ajudar a resolver uma necessidade médica não é a única coisa que a mídia tecnológica divulgou sobre esse produto específico e lentes de contato inteligentes em geral. É a ideia de um computador invisível que você coloca nos seus olhos que pode agir como um par de óculos inteligentes.

Já entramos em muitos detalhes sobre os obstáculos enfrentados por óculos inteligentes no Gizmodo, e muitos desses mesmos problemas se aplicam às lentes de contato inteligentes. Dito isto, há outro elemento para as lentes de contato que merece muito mais atenção: o fato de que as lentes precisam ficar diretamente no seu olho. Isso tem implicações importantes para a saúde. Pergunte a qualquer amigo que usa lentes de contato e você provavelmente vai descobrir que conhece alguém que tem dificuldades em tirá-las todas as noites ou garantir que elas sejam desinfetadas adequadamente. Higiene à parte, agora há muitas perguntas no campo dos vestíveis sobre a eficácia desses aparelhos como dispositivos médicos.

O protótipo da Mojo Vision é uma lente escleral rígida, que não é a mesma que a lente macia com a qual você provavelmente está familiarizado. É um tipo especial de lente de contato que repousa na esclera, a parte branca do olho, e é usada para tratar várias condições oculares. A Mojo Vision disse ao Gizmodo por e-mail que um dos motivos pelos quais eles escolheram uma lente escleral é que “toca menos nervos e é muito confortável porque é adaptado à forma do seu olho”. Ela também oferece uma estabilidade que uma lente macia não tem. Outro benefício: as lentes duras não são descartáveis ​​da mesma forma que as lentes macias, o que é bom se você decidir investir em uma tecnologia cara.

Também é útil se você tem visão reduzida. Mas, para as pessoas comuns e saudáveis, não é tão simples, conveniente ou fácil como você imagina para uma substituição futurista do Google Glass.

“As lentes esclerais são dispositivos médicos incríveis que são usados ​​para pacientes com doenças da córnea, astigmatismo irregular ou olho seco severo”, disse ao Gizmodo Suzanne Sherman, professora assistente de ciências oftalmológicas da Columbia University Medical Center. “Embora sejam dispositivos incríveis, eles podem ser um incômodo. Você precisa de uma certa solução – salina – para ser colocada nas lentes. Você precisa de certos produtos para cuidar delas. É mais desafiador colocar”.

Sherman continuou explicando que as lentes esclerais são uma ferramenta médica valiosa, mas não é provável que uma pessoa comum as prefira. Além de exigir um certo nível de habilidade para inserir ou remover, elas também devem estar adequadamente ajustadas ou o paciente pode enfrentar alguns problemas sérios. Se você for um dos primeiros a adotar a tecnologia, pode presumir que poderia ir a uma farmácia e comprar uma solução multiuso para suas lentes inteligentes. Mas a realidade é que usar a solução errada pode resultar em uma reação tóxica.

Além disso, as lentes esclerais precisam ser manuseadas com delicadeza. Os pacientes só podem usá-las por um número limitado de horas por dia. As lentes também precisam ter o mais alto nível de permeabilidade ao oxigênio e não devem complicar cirurgias anteriores. Você também teria que visitar seu oftalmologista regularmente para garantir que tudo está indo bem e nada piorando. É uma grande questão para os consumidores que, em geral, já disseram às empresas de tecnologia com suas carteiras que ainda não precisam de algo como óculos inteligentes.

Existem outras preocupações com lentes de contato inteligentes. No caso da Mojo Lens, é realmente sensato ter um dispositivo projetando luz diretamente nos seus olhos por um longo período de tempo? É difícil dizer porque o Mojo ainda não possui um protótipo funcional. Provavelmente, é um fator que a startup está considerando ao desenvolver seu produto. O Dr. Sherman observou que existem precauções sobre quanta luz direta deve ser refletida nos olhos. Por exemplo, você deve tomar cuidado com ferramentas como lasers, mas também luz natural e luz artificial de telas. Até o sol pode causar danos permanentes se você ficar olhando por muito tempo. Já foram realizados estudos rigorosos sobre como as projeções de realidade aumentada de óculos inteligentes e lentes de contato inteligentes podem impactar a visão ao longo do tempo? Provavelmente não, considerando o quão incipiente é a tecnologia. (Mas deveriam ser feitos antes de um consumidor colocar um dispositivo desses nos olhos.)

A questão do calor também levanta algumas preocupações. A Mojo Lens claramente possui um componente de bateria – afinal, a empresa diz que você precisa carregar e desinfetar as lentes todas as noites. Baterias significam calor. As lentes também vão se carregar via indução sem fio e, se você já usou carregadores de indução sem fio…sabe que os produtos podem esquentar. Nessa frente, a Mojo Vision diz que sua potência alvo para a lente é de 1 miliwatt e que o impacto térmico ou de aquecimento deve ser mínimo. A empresa também afirma que pretende trabalhar dentro das diretrizes da FDA para garantir que o dispositivo atenda aos limites térmicos para dispositivos implantáveis ​​ou próximos ao corpo.

Mas isso não responde a questão de higiene das lentes de contato. A maioria dos amigos que conheço e alguns dos funcionários do Gizmodo que entrevistei são o pior pesadelo de um oftalmologista quando se trata de cuidados com lentes de contato. E, embora seja realmente responsabilidade de cada indivíduo ser diligente sobre como trata seus olhos, também é fácil se viciar em tecnologia e no fluxo interminável de informações. Também é fácil usar atalhos quando se trata de desinfetar adequadamente as lentes de contato da maneira que os oftalmologistas recomendam. E como você pode dormir com lentes macias e ficar bem com elas por um longo período de tempo, muitas pessoas – embora não todas – foram levadas a uma falsa sensação de complacência. Parte desse problema é que é fácil esquecer que seu olho é um órgão.

“Você não teria um dispositivo à venda no mercado para envolver seu fígado, seu coração ou outros órgãos apenas por diversão”, disse Sherman. “Muitas vezes esquecemos que a visão é uma coisa incrível, mas temos que ter cuidado. Esquecemos que as lentes de contato são um dispositivo médico. Se o seu cardiologista disser: ‘Use este dispositivo por 12 horas no máximo, não mais’, você não o utilizará por 15 horas. Mas com os olhos, as pessoas fazem”.

Embora os óculos inteligentes apresentem uma questão cultural única no que diz respeito à privacidade, o fato de que eles são bastante visíveis e facilmente removíveis pode ser uma razão pela qual eles são preferíveis às lentes inteligentes. “Esse [Mojo Lens] soa como um produto incrível, e se não houvesse risco – como no Google Glass em que você o coloca e ele não tocava nos seus olhos – seria incrível”, disse Sherman. “Mas há muito mais risco no uso de lentes de contato do que a maioria das pessoas imagina ou quer reconhecer.”

Isso não quer dizer que não exista nenhum caso de uso para uma lente de contato inteligente. A Mojo Vision tem razão em tentar descobrir uma maneira pela qual a tecnologia possa ajudar pacientes com baixa visão. Mas isso é, novamente, uma necessidade médica. Nesse caso, os benefícios são claros. Mas para os consumidores do mercado de massa?

Idealmente, a Mojo Vision – e empresas com ideias semelhantes – deveria investir na realização de estudos clínicos rigorosos com a FDA [órgão americano análogo à Anvisa], órgãos reguladores e a comunidade médica. Em um e-mail, a Mojo Vision observou que possui três optometristas na equipe e está em parceria com especialistas do setor em optometria, oftalmologia, ciência de baixa visão, software médico, testes clínicos e aprovação regulatória. No entanto, a empresa observou que, no momento, é muito cedo para comentar ou fornecer qualquer informação sobre um prazo para estudos e ensaios de viabilidade – algo que parece uma bandeira vermelha, dados vários relatos afirmando que a Mojo Vision espera ter algo pronto nos próximos dois anos.

Caso contrário, esse ainda pode ser outro caso da tecnologia se movendo rapidamente enquanto a medicina se move lentamente – um problema que afeta muito a tecnologia vestível que espera servir como dispositivos médicos (outro exemplo: o Withings Move ECG). Obstáculos tecnológicos à parte, no entanto, pode ser bom para os consumidores saudáveis ​​realmente pensar se a promessa de lentes de contato inteligentes vale os possíveis riscos e incertezas.

“Os benefícios precisam superar os riscos”, disse Sherman. “Para uma pessoa saudável média, não acho que os benefícios superem os riscos”.

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas