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Reimaginando os mapas da Terra: por que eles deveriam ser virados de lado

Embora nunca tenha cruzado a Linha do Equador, o matemático grego Pitágoras é às vezes creditado como pioneiro na concepção dela, tendo calculado sua localização na esfera terrestre mais de quatro séculos antes do nascimento de Cristo. Aristóteles, que também nunca pôs os pés lá e nada sabia sobre a paisagem do local, imaginou a […]

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Embora nunca tenha cruzado a Linha do Equador, o matemático grego Pitágoras é às vezes creditado como pioneiro na concepção dela, tendo calculado sua localização na esfera terrestre mais de quatro séculos antes do nascimento de Cristo. Aristóteles, que também nunca pôs os pés lá e nada sabia sobre a paisagem do local, imaginou a região equatorial como um lugar tão quente que ninguém poderia viver nela: a “Zona Tórrida”.

Os cartógrafos do cristianismo medieval, familiarizados apenas com uma pequena parte do planeta, trabalhavam com as limitações rigorosas estabelecidas pela interpretação da Bíblia feita pela Igreja. A Terra dela era plana. Criados no século VII, os mapas cristãos orbis terrarum (círculo da Terra) – conhecidos por razões visuais como mapas “T e O” – traziam apenas o hemisfério norte.

Essa ideia medieval ainda era válida quando Colombo navegou pela primeira vez da Espanha até a “Índia”, em 1492. Colombo, que já havia visto portos portugueses abaixo do Saara na África Ocidental, discordou da Igreja: ele proclamou que a Zona Tórrida não era “inabitável”. A “descoberta” da América por Colombo expandiu a limitada mente europeia da época.  A Linha do Equador foi gradualmente reimaginada: não mais o limite extremo da humanidade, um inferno geográfico na Terra; ela virou apenas o centro do planeta.

Legiões de turistas pipocam no Museu Intiñan na Ciudad Mitad del Mundo, Equador, para testemunhar com seus próprios olhos as “forças únicas em ação” da linha imaginária que divide o planeta, indicadas por uma linha vermelha que passa pelo meio do museu.

Que “forças únicas” são essas? A velocidade da rotação da Terra varia de acordo com o local onde você está: 1.600 km/h no Equador contra quase zero nos polos. Isso significa que o nascer e por do Sol mais rápidos do planeta acontecem na Linha do Equador, e que as forças centrífuga e inercial são muito maiores lá. Juntas, elas produzem o que é conhecido por efeito Coriolis, que determina em grande parte: a direção dos sistemas climáticos; as correntes oceânicas; o caminho de leste a oeste dos furacões; e o fato de que os tornados giram em direções opostas em cada lado do Equador. (Não é o suficiente, porém, para alterar o equilíbrio de ovos em cima de pregos, ou o sentido da espiral da água no ralo de uma pia).

Devido a essas mesmas forças centrífugas, o diâmetro da Terra no Equador é aproximadamente 43 km maior do que de polo a polo. Em vez de uma esfera, nosso planeta tem o formato de um M&M (ou, como a New Scientist disse em 2011, como uma batata deformada). A distância extra do núcleo da Terra significa que a gravidade é mais fraca no Equador: cerca de 0,6% menor que nos polos. A protuberância equatorial traz outra consequência: o ponto mais alto da Terra, quando medido pela distância do seu núcleo (em vez do nível do mar), não é o pico do Monte Everest, mas o Monte Chimborazo, no Equador.

Cristóbal Cobo na linha do Equador, no enorme relógio solar de Quitsato. Foto por Kurt Hollander.

Cristóbal Cobo, um guia, astrônomo, antropólogo e geógrafo autodidata equatoriano, de voz grave e no alto dos seus quarenta e poucos anos, costumava realizar passeios regulares de Quito à cadeia de montanhas a 16 km ao norte para voar de asa-delta. Seus voos solos davam-lhe uma visão aérea do lugar, enquanto o uso da tecnologia GPS, Google Earth e Stellarium ajudava-o a registrar a Linha do Equador naquela região.

Cobo questiona o direcionamento que a cartografia tomou. Em 150 a.C., Ptolomeu desenho o primeiro mapa-múndi com o norte afixado firmemente no topo. Sua orientação virou padrão para mapas de todos os lugares. A preeminência do norte deriva do uso da Polaris, também conhecida como Estrela do Norte, como guia dos navegadores – ainda que a Polaris, ou qualquer outra estrela, na verdade não esteja em um ponto fixo. Graças à atração gravitacional do Sol e da Lua, a Terra se move como se seu topo estivesse balançando. Esse movimento, conhecido entre os astrônomos como a precessão do Equador, representa uma mudança cíclica no eixo de rotação da Terra. Ela faz com que as estrelas pareçam se mover no céu a um compasso de cerca de um grau a cada 72 anos. Essa mudança gradual significa que a Polaris, em um dado momento, deixará de ser vista como a Estrela do Norte, e os navegadores terão que se orientar por outros meios.

De acordo com Cobo, o melhor ponto que você pode usar para se orientar é o nascimento do Sol a leste, acima do Equador. Como ele indica, a própria palavra “orientação” vem do latim oriens, que significa leste, ou nascer do sol, enquanto “desorientar” significa perder a direção, o rastro de alguém ou, literalmente, perder o leste. Na cultura ocidental, o norte é usado para determinar todas as outras direções; a origem da palavra vem do prefixo proto-indo-europeu ner-, que significa abaixo ou embaixo, mas também esquerda e que era mais comumente usado como “à esquerda quando de frente ao Sol nascente”. Assim, para determinar o norte, é preciso saber onde fica o leste.

Em 1569, o cartógrafo flamengo Gerardus Mercator, o primeiro a produzir globos terrestres e solares, concebeu um sistema para projetar o círculo da Terra em uma folha plana de papel. Sua “descrição nova e aumentada da Terra corrigida para o uso dos navegadores” fez a Terra com a mesma largura no Equador e nos polos, distorcendo assim o tamanho dos continentes. Embora Mercator tenha criado seu projeto (ainda hoje usado em mapas do mundo inteiro) para fins de navegação, seu sistema levou os países do norte a se darem uma importância exagerada de si mesmos, localizados no topo do mapa, enquanto diminuiu a sensação de tamanho e importância dos do hemisfério sul.

Esse posicionamento do norte acima do hemisfério sul, e a distorção de seus tamanhos reais na maioria dos mapas, dividiu o globo em oposições binárias simplistas: Primeiro contra Terceiro mundo; civilizados contra primitivos; países desenvolvidos contra subdesenvolvidos. Na verdade, faria muito mais sentido dividir o mundo nas Zonas Temperada, Tórrida e Glacial de Aristóteles, segundo a qual não é o hemisfério sul o local de maior concentração da pobreza, mas a região equatorial.

Nos primórdios, mais do que serem puramente representações do mundo físico, os mapas eram projeções do senso do homem e de sua própria importância no espaço a seu redor. Eles eram frequentemente influenciados por interesses imperiais ou religiosos, anexados ao status privilegiado de certas culturas. Cobo acredita que muitas das hierarquias geopolítica, ideológica e econômica que moldam a nossa visão do mundo “desapareceriam” se o globo fosse deitado de lado e todos os mapas rotacionados em 90º no sentido horário, colocando o leste no topo do mundo e o norte com o sul espalhados nos dois lados do Equador.

É verdade que no espaço as direções não existem. Na Terra, porém, o leste é a nossa orientação mais universal. Perde-se de vista o hemisfério celestial sul quando visto do norte, e é só olhando para o leste que se pode ver as constelações do norte e do sul simultaneamente enquanto as estrelas passam acima de nós. Na medida em que nosso planeta vaga pelo espaço, girando em torno do seu eixo, o vento, o Sol e as estrelas, e também o tempo e o futuro, mostram-se a partir do leste. Não existe maneira melhor de apreciar o movimento dos céus, entender melhor o nosso local no universo, do que quando ficamos parados na linha que circunda o meio da Terra e observamos o cosmos passar por nós.

Este trecho foi republicado com a permissão da Aeon Magazine. Para lê-lo na íntegra, em inglês, clique aqui.


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