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Lula, Tognolli e as duas mãos do abismo da desinformação no Brasil

"A desinformação, hoje, é um fruto da polarização que gera bile nos dois extremos". Leia mais na coluna de Cassiano Gobbet
Imagem: Ricardo Stuckert/PR

Na semana passada, uma conta no Twitter, que já mencionei antes, fez uma referência ao nosso líder presidencial. Não foi exatamente a ode que os seguidores da sua seita gostariam. Na verdade, foi mais uma injúria vinda de uma conta com mais de meio milhão de seguidores e que provavelmente tem conexões com o “bróder” russo que invadiu a Ucrânia, uma situação que nosso líder insiste em minimizar. O tweet é vergonhoso, sem dúvida, mas o mais preocupante é que esse jogo de desinformação não é jogado sozinho e portanto, não vai parar tão cedo.

A conta @RadioGenoa pratica desinformação seguindo um manual (se você for ver a thread, vai entender). Não tenta se esconder nem alegar correção jornalística. O próprio nome já é uma indução ao erro, pois não se trata de uma rádio e nem posta em italiano. Não há nenhuma referência além de um canal no Telegram. Se você tiver estômago para acompanhar, verá como o submundo da Internet é assustador. No post em questão, a pergunta sobre o presidente é apenas um convite para denegrir o petista da maneira mais sórdida possível. Um usuário brasileiro, @canedocarlos1, postou uma comparação entre Lula e Hitler, que seria cômica se não fosse trágica (e que os acusadores do “marxismo” de Lula teriam dificuldade para justificar).

O que mais se destaca não é o ódio puro que transborda incessantemente em uma interminável sequência de respostas, mas a irracionalidade que praticamente inviabiliza a crítica a Lula. Existem argumentos sólidos suficientes para explicar como Lula é um populista ipsis litteris, justificando a oposição a ele. No entanto, o tom é de um ódio desenfreado que remete à retórica nacional-socialista durante a República de Weimar, quando a realidade era tão dura e sem esperança que apenas o irracional poderia aliviar tamanha frustração.

Existem casos de agressão gratuita no mundo, sem dúvida, mas a desinformação hoje não é um processo top-down, feito por um lado contra o outro (como a invasão russa na Ucrânia, por exemplo). É um fruto da polarização que gera bile nos dois extremos. A rejeição a Lula que vemos em canais como a conta do Twitter acima não é baseada em lógica. Ela explora os ressentimentos mais primais que nascem de uma profunda frustração com um mundo que não apresenta alternativas e que precisa de um objeto para canalizar a raiva.

Para validar tal ódio, apenas um ódio igual. Um exemplo claro de quão baixo a trincheira oposta pode ir foi após a morte do jornalista Claudio Tognolli. A notícia de sua morte foi comemorada abertamente pela esfera que gosta de se chamar de “progressista” ou “democrática”. Se você fizer uma busca no Facebook, verá que Tognolli foi uma perda sentida para muitos dos que o conheceram, mas sua oposição sistemática ao poder fez dele persona non grata para o grupo alimentado por editais federais. Aqui não se trata mais de dizer a verdade ou não. Tognolli não era santo e não foram poucas as polêmicas que o cercaram, mas nenhuma manifestação que eu vi foi além da pura bile. Ninguém tentou explicar o complexo Tognolli — só vomitar a verdade que lhes apeteceu.

Em sociedades equilibradas, a desinformação é naturalmente contida porque os limites da realidade são inegáveis. Quando isso acontece? Quando desigualdade, frustração e falta de perspectiva são pequenos demais para tracionar teorias de conspiração, e opiniões opostas são respeitadas. O Brasil não perdeu o equilíbrio em 2018, quando elegeu o político mais primitivo e sem inteligência que já pisou em um palácio presidencial na história do planeta. O discurso de Lula e do PT foram, desde sempre, exclusivos. Não-petistas sempre foram tratados como inimigos, como seres inferiores que mereciam escárnio. Nunca houve uma tentativa por parte da liderança petista de buscar o diálogo e se aproximar da classe média, entender suas frustrações e construir pontes. O ódio irracional que essa classe média empobrecida sente por Lula é injustificável — mas sob a luz da história, é explicável, assim como a ascensão de Hitler também foi. Quanto a Bolsonaro, bem, o ex-presidente é a personificação do irracional – nada mais a ser dito.

Na sua indignação com o abuso contra Lula, em vez de xingar muito no Twitter dentro da sua bolha de ar quente, tente fazer algo útil, como denunciar os canais que postam as aberrações acima. Spoiler: você vai se frustrar ainda mais porque o Twitter não considera que a @RadioGenoa seja disseminadora de discurso de ódio. Aproveite a oportunidade para se dar conta de que as trincheiras da eleição presidencial de 2026 estão vivas e crescendo para explodirem só na reta final. Partir para o confronto aberto xingando muito é jogar gasolina no fogo. Tentar entender o que motiva os entrincheirados e tentar o diálogo (ou ao menos não alimentar o confronto) é o único caminho racional. Afinal, você não vai abraçar a irracionalidade também, certo?

Point Blank

A mágoa A maior acusação dos seguidores de Lula contra Tognolli foi a publicação de exames da então esposa do petista, “Dona Marisa”. Os exames revelavam que não havia chances de sobrevivência para ela, e, também na minha opinião, foi um desrespeito à privacidade dela.

Por outro lado…durante a Lava Jato, no episódio onde tentou-se jogar a responsabilidade da propriedade do apartamento da Odebrecht para “Dona Marisa” inocentando Lula, aparentemente ninguém se importou muito com a memória dela.

2026 O governo e o poder judiciário precisam investigar mais a fundo os canais de desinformação que estão sendo preparados para a próxima eleição presidencial. É a crônica de uma morte anunciada.

Cassiano Gobbet

Cassiano Gobbet

Jornalista, vive na trilogia futebol, tecnologia e (anti) desinformação. Criador da Trivela, ex-BBC, Yahoo e freelancer em três continentes. Você o encontra no Twitter, Bluesky ou por aí.

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