Recentemente, foi lançado o maior estudo já realizado sobre orquídeas. O banco de dados abrange mais de 2.900 espécies, com detalhes sobre a identidade de seus polinizadores e como as flores os atraem. O trabalho constata que 76% das classes de orquídeas dependem de polinizadores para se reproduzirem.
A análise revela padrões de biologia reprodutiva por habitat, geografia e taxonomia. Publicada na revista Botanical Journal of the Linnean Society, a pesquisa mostra as variadas estratégias de polinização — altamente especializadas — das diferentes espécies, que diferem de região para região.
Liderado por James Ackerman, pesquisador da Universidade de Porto Rico, o estudo descobriu que quase metade das orquídeas estudadas não ofereciam nenhum tipo de recompensa para os animais visitantes – em vez disso, usavam estratégias de enganação para atrair polinizadores.
Na verdade, elas são golpistas profissionais: algumas espécies da flor podem até mesmo simular o cheiro do feromônio que atrai os insetos, para os “seduzir”. Um exemplo é a australiana Caladenia barbarossa, conhecida popularmente como orquídea dragão. Ela é polinizada por apenas uma espécie de inseto – a vespa thynnine.
Esse inseto é atraído pela flor, que simula a existência dos hormônios sexuais da vespa macho. Assim, o polinizador remove e deposita pólen no processo de tentar copular com a orquídea.
Artimanhas curiosas e originais
Segundo o artigo, normalmente, as orquídeas tendem a se especializar em apenas uma espécie principal de polinizadores – sejam as espécies que vivem nas florestas tropicais da Costa Rica ou nas pastagens montanhosas da África do Sul. E essa mania de trabalhar em duplas fixas é ainda mais presente entre as flores que usam a estratégia da “enganação”.
“O estudo da polinização das orquídeas oferece uma tremenda oportunidade para descobrir novas e bizarras estratégias de polinização e para entender as adaptações que as plantas com flores têm para atrair polinizadores. Embora os trópicos sejam o grande desconhecido na biologia das orquídeas, muitas das orquídeas australianas mais conhecidas não foram estudadas detalhadamente”, afirmou Ryan Phillips, coautor do estudo.
As estratégias ardilosas das orquídeas são diversas, mas há duas mais predominantes. A primeira é a enganação relacionada à alimentação. Nesse caso, a orquídea pode parecer ou cheirar a um tipo de comida para atrair um polinizador. Porém, a segunda maneira é o engano sexual, a técnica da “sedução”, em que os polinizadores machos são atraídos para visitar flores que fornecem sinais visuais, táteis ou olfativos que indicam a presença de inseto fêmea.
A Austrália é o epicentro mundial da polinização por mimetismo sexual, como é conhecida essa prática. Na região, diversos tipos de insetos, como vespas, abelhas e mosquitos costumam cair no “golpe” das orquídeas.
Aqui no Brasil, elas normalmente simulam o cheiro dos pulgões, que também é uma forma de enganar os polinizadores. Por outro lado, na África do Sul, as flores tendem a simular odor de carniça para atrair os insetos.
No caso do mimetismo sexual, “os sinais florais podem ser tão persuasivos que os insetos tentam copular e podem até ejacular”, explica Phillips. Essa estratégia é comum entre centenas de espécies de orquídeas.
Maior estudo já feito sobre orquídeas
Os estudos sobre as orquídeas não são recentes. Até Charles Darwin usou essas flores para analisar a evolução. O biólogo defendia que sua flor elaborada era uma adaptação para aumentar a probabilidade de transferência de pólen entre as plantas – aumentando assim a aptidão de seus descendentes.
Mas as maneiras estranhas de seduzir os polinizadores, assim como a estrutura diferenciada das flores, fazem das orquídeas objetos de estudo muito ricos. “Por causa das características florais incomuns e estratégias de atração de polinização muitas vezes não convencionais, as orquídeas têm estado na vanguarda da compreensão das adaptações florais aos polinizadores”, acrescentou Phillips.
De fato, algumas previsões de Darwin se concretizaram. O teórico afirmou que uma mariposa com um corpo longo e estranho polinizaria a orquídea Angraecum sesquipedale de Madagascar, devido ao seu longo esporão de néctar.
O fato de as orquídeas escolherem somente uma espécie de polinizador e suas técnicas de “sedução” são curiosas. O processo todo parece até uma narrativa de filme de suspense. Mas o estudo mostra que isso pode ser prejudicial a elas.
Noushka Reiter, coautor do estudo, afirma que isso deixa as flores “particularmente vulneráveis a ameaças antropogênicas, incluindo mudanças climáticas. Além disso, com a perda de polinizadores, também perderíamos essas espécies de orquídeas dependentes de polinizadores”, explica.
Contudo, os autores do estudo alertam que ainda é necessário coletar muitos dados. “Apesar de conter mais de 2.900 espécies, nosso banco de dados abrange menos de 10% da família. Embora sejam centros de diversidade de orquídeas, as regiões tropicais da África, América do Sul e Ásia estão significativamente sub-representadas nos estudos de polinização de orquídeas, especialmente entre as epífitas”, destaca Phillips. As orquídeas epífitas são aquelas que vivem em cima de árvores.