Texto: Revista Pesquisa FAPESP
Qual é o destino das áreas desmatadas na Amazônia Legal? Em 2008, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lançaram o projeto TerraClass, cujo objetivo era mapear que tipo de uso havia sido dado a trechos em que a vegetação natural fora suprimida. A partir da localização e extensão do desmatamento flagrado pelo sistema Prodes, equipes das duas entidades usavam técnicas de sensoriamento remoto para averiguar se a floresta tinha cedido espaço para culturas agrícolas, pastagens ou, algo bem mais raro, áreas urbanas e outras formas de ocupação.
A iniciativa produziu radiografias sobre a Amazônia Legal referentes a cinco anos (2004, 2008, 2010, 2012 e 2014). Por falta de verbas e pessoal, o TerraClass parou de fazer o levantamento nos últimos anos. Mas agora está de volta. Uma nova versão do projeto, financiada pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), do Ministério da Defesa, disponibilizou recentemente no ar os dados de uso da terra em 2020. Houve mudanças na metodologia. Por isso, não foi possível ainda comparar as informações de 2020 com as das edições passadas.
Em sua abordagem inicial, o TerraClass processava e analisava dados referentes à Amazônia Legal. Essa região abrange cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados (km2) e engloba toda a floresta amazônica e partes do Cerrado e Pantanal. Agora a iniciativa passou a gerar informações específicas sobre o bioma Amazônia, que tem cerca de 800 mil km2 a menos do que a Amazônia Legal.
Entre outros motivos, a alteração é motivada pela existência desde 2018 de um TerraClass para o bioma Cerrado, uma das maiores fronteiras agropecuárias do país. Dessa forma, não há sobreposição e redundância de áreas cobertas pelas iniciativas que, agora, enfocam os dois maiores ecossistemas brasileiros, onde se situa mais de 70% do território nacional.
“Estamos terminando de fazer a migração dos antigos TerraClass para esse novo formato”, comenta o agrônomo Júlio César Dalla Mora Esquerdo, da Embrapa Agricultura Digital, de Campinas, um dos coordenadores do projeto. “Também devemos disponibilizar em breve os dados de 2022.” A meta inclui também voltar ao passado e disponibilizar edições do mapeamento de uso e cobertura da terra referentes aos anos de 2016 e 2018, período em que o TerraClass Amazônia deixou de ser feito.
Com apoio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi criado ainda o TerraClass Brasil para mapear o uso da terra em todos os biomas nacionais. “Conhecer a dinâmica territorial nacional vai potencializar a sinergia entre as políticas de desenvolvimento econômico, social e ambiental”, diz o pesquisador Alexandre Coutinho, da Embrapa Agricultura Digital.
Segundo os dados de 2020, 72,8% do bioma Amazônia eram ocupados por florestas nativas e 3,7% por secundárias – áreas desmatadas abandonadas em processo de regeneração. A porção desflorestada chegava a 17,6% e era quase toda tomada pela criação de gado e culturas agrícolas. Pastagens e lavouras de soja, divididas com milho ou algodão, tomavam cerca de 14% da superfície da Amazônia. As pastagens abrangiam quase nove vezes mais terras do que as plantações. Áreas classificadas como de não floresta – compostas majoritariamente por vegetação não arbórea, em menor escala, por trechos urbanizados – representavam 6,7% do bioma. Os rios e corpos d’água abrangiam 2,7% do território amazônico.
Ainda em 2020, o TerraClass apontava que 0,2% da área da Amazônia, algo em torno dos 10 mil km2 de florestas, tinha sido suprimida naquele ano. “No momento em que ocorre o desmatamento, não sabemos para que fim será destinada a terra”, comenta o agrônomo Júlio César Dalla Mora Esquerdo, outro pesquisador da Embrapa Agricultura Digital envolvido no projeto. “Por isso, não temos como definir como é o uso imediato dessa terra.”
Os números do TerraClass 2020 são similares aos apresentados pelo mais recente levantamento do MapBiomas, iniciativa do Observatório do Clima, organização não governamental (ONG) que reúne universidades, empresas de tecnologia e entidades da sociedade civil brasileira. De acordo com esse mapeamento, 15,5% do território do bioma Amazônia em 2022 era ocupado por atividades agropecuárias, aproximadamente 650 mil km2. Desde 1988, a área ocupada por pastagens e cultivos agrícolas aumentou 4,6 vezes.
Um estudo de pesquisadores do Inpe, publicado em 2020 na revista Acta Amazônica, comparou versões antigas dos mapeamentos de uso e cobertura da terra no bioma Amazônia feitos pelo TerraClass e MapBiomas. A conclusão central do trabalho foi que, apesar das diferenças metodológicas, a concordância dos resultados de ambas as iniciativas ficou entre 87,4% e 92%.
Iniciativa Amazônia+10
O uso da terra é um dos grandes temas de interesse da Iniciativa Amazônia+10, ao lado de questões ligadas à biodiversidade, mudanças climáticas, bioeconomia, biotecnologia e melhoria das condições de vida da população amazônica. Lançado em julho do ano passado, o programa é coordenado pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e pelo Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), e conta também com a parceria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
No final do ano passado, foram selecionadas 39 propostas de 18 estados e do Distrito Federal pela iniciativa. As Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAP) destinaram R$ 41,9 milhões aos projetos escolhidos no primeiro edital do programa. Em novembro deste ano, foi lançado o segundo edital da Amazônia+10, com orçamento previsto de R$ 59,2 milhões e foco no financiamento a expedições científicas à região.