Complementar a psicoterapia com pequenas doses de MDMA (droga também conhecida como ecstasy ou MD) pode ser uma estratégia eficaz para prevenir recaídas em pacientes com alcoolismo. Isto é o que sugere um pequeno estudo clínico em andamento. A pesquisa é mais um exemplo de como cientistas e médicos estão descobrindo ou redescobrindo usos terapêuticos para drogas recreativas e ilícitas.
Terapia assistida por MDMA é, na verdade, uma ideia antiga. Ela teve alguma popularidade nas décadas de 1970 e 1980.
Embora os mecanismos exatos não sejam claros, acredita-se que os efeitos eufóricos da droga sintética ampliem os padrões positivos de pensamento ensinados pela terapia. Além disso, ela poderia fazer com que as pessoas se sentissem menos ansiosas durante as sessões.
É claro que esses mesmos atributos que elevam o humor fazem do ecstasy uma droga recreativa popular. Essa popularidade levou o governo dos EUA a proibi-lo em 1985, classificando-o como uma droga da Classe 1 sem uso medicinal aceito.
Mais recentemente, no entanto, pesquisadores e organizações como a Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (MAPS, na sigla em inglês) fizeram lobby. A atuação foi lenta, mas obteve sucesso ao conseguir que os governos reconsiderassem a proibição total do MDMA.
Atualmente, por exemplo, está em andamento nos EUA um ensaio clínico de fase III para terapia assistida por MDMA como tratamento para o transtorno de estresse pós-traumático. A fase III a última etapa que um tratamento experimental precisa passar antes de ser aprovado pela Food and Drug Administration, órgão com atribuições equivalentes às da Anvisa no Brasil.
No Reino Unido, o primeiro ensaio clínico de fase I para terapia assistida por MD como um tratamento para alcoolismo vem sendo feito desde 2018. Ele é liderado por pesquisadores do Imperial College London. Os ensaios de fase I destinam-se a testar a segurança e a dose ideal de um novo tratamento em um pequeno grupo de pessoas, em vez de mostrar sua eficácia. Mas os primeiros resultados, relatados pelo Guardian na segunda-feira (19), parecem promissores.
O ensaio envolve oito sessões semanais de psicoterapia no local do estudo. Duas delas envolvem uso de MD. Nestas semanas, os voluntários tomam pequenas doses da droga e depois fazem uma sessão de aconselhamento de oito horas. Depois, os voluntários passam a noite no local, onde são monitorados para verificar quaisquer efeitos colaterais. Em seguida, eles ficam em contato com os pesquisadores por telefone todos os dias durante a próxima semana.
Alguns voluntários serviram como grupo de controle. Eles tiveram as mesmas oito semanas de terapia, mas receberam placebo durante as sessões assistidas.
De acordo com Ben Sessa, psiquiatra de dependência e pesquisador sênior do Imperial College London, 11 voluntários receberam o tratamento e passaram por todo o teste até agora, o que também envolve nove meses de acompanhamento após o tratamento. Todos, exceto um, aparentemente evitaram recaídas até o momento.
“Nós temos uma pessoa que recaiu completamente, de volta a níveis anteriores de uso de bebidas alcoólicas, temos cinco pessoas completamente sóbrias e temos quatro ou cinco que tomaram uma ou duas bebidas, mas que não chegariam a um diagnóstico de abuso de álcool”, disse Sessa ao Guardian.
Supondo que a proporção se mantenha ao longo do tempo e com mais pacientes, seria substancialmente melhor do que os tratamentos existentes. “Com o melhor que a ciência médica pode trabalhar, 80% das pessoas voltam a beber dentro de três anos após a desintoxicação do álcool”, observou Sessa.
Estes ainda são os primeiros dias da psicoterapia assistida por MDMA e outras formas de medicina psicodélica. Mas só neste ano, uma versão de outra droga recreativa, a ketamina, foi aprovada como um tratamento para casos difíceis e não responsivos de depressão. Houve pesquisas encorajadoras da psilocibina, o ingrediente psicodélico nos chamados cogumelos mágicos, como um tratamento para depressão — o movimento pela descriminalização nos EUA também está ganhando força.
E, supondo que o estudo de fase III da terapia assistida por MDMA para o transtorno de estresse pós-traumático seja tão bom quanto os dados preliminares mostram, a MAPS espera que ele seja aprovado pelo FDA já em 2021.