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Como os médicos simulam a morte para ajudar a trazer você de volta à vida

O centro de simulação da Universidade da Pensilvânia é designado para recriar as circunstâncias, a confusão e a ansiedade das emergências médicas reais.

Mark está deitado na mesa de operação à minha frente, e é óbvio que seu dia deu uma virada para pior. O que é bem ruim, porque o dia dele começou muito bem.

Cerca de três horas atrás, este cientista de 42 anos que praticava corridas de longa distância entrou em cirurgia para remover um tumor maligno da tireoide. Depois de um procedimento tranquilo, o cirurgião fechou o ferimento, e agora o tumor está repousando pacificamente em uma mesa a menos de um metro de mim. Mark não tinha mais uma glândula tireoide, porém estava ótimo.

Agora, no entanto, Mark não está bem. De fato, ele está bem doente. Pra falar a verdade, ele está morto.

Este é um trecho de SHOCKED: Adventures in Bringing Back the Recently Dead, do médico David Casarett.

Eu sei disso porque Mark não está se movendo, respirando ou tendo qualquer um dos muitos comportamentos que são sinais normalmente confiáveis de vida. Eu também sei disso porque há um monitor à minha direita que mostra sinais vitais, e eles estão ausentes de forma bem conclusiva. Por exemplo, eu estou monitorando sua respiração (nula), taxa de batimentos cardíacos (zero), pressão sanguínea (nada) e traçado de eletrocardiograma (horizontal). É um exemplo perfeito de alguém que está inegavelmente morto, sem chance de volta.

E ainda assim, apesar da morte trágica e prematura deste homem de 42 anos, os oito médicos e enfermeiros ao redor da mesa de operação estão dando risadinhas nervosas. Um anestesista está tentando arduamente forçar ar para dentro dos pulmões de Mark, mas os pulmões não parecem cooperar. Um cirurgião cutuca o pescoço de Mark com um bisturi do mesmo jeito que você usaria uma vara para cutucar uma colmeia – ou seja, sem qualquer entusiasmo aparente.

A não ser que algo milagroso aconteça, está parecendo cada vez mais que nosso atleta de fim de semana nunca mais vai correr uma maratona. Ainda assim, as risadas continuam. Isso, eu penso, vai ser difícil de explicar para a família de Mark.

Por sorte, no entanto, essa conversa não será necessária. Esta não é uma sala de operação real e Mark não é um paciente de verdade. Eu estou no centro de simulação da Universidade da Pensilvânia designado para recriar as circunstâncias, a confusão e a ansiedade das emergências médicas reais. E tudo isso – os traçados de ECG, o histórico do paciente, e até mesmo os aparatos da sala de operação em nosso redor – compõe o cenário e os adereços de um drama elaborado, que ajuda equipes de salas de operação a aprenderem como responder ao inesperado.

No cerne da nossa simulação está nosso paciente, conhecido hoje como “Mark”. Ele é, na verdade, um manequim de metal e plástico. Seu histórico é fictício e sua fisiologia é simulada.

No entanto, ele é projetado com cuidadosa atenção aos detalhes. Dessa forma, a equipe de médicos e enfermeiros pode fazer praticamente tudo que poderia realizar em um paciente real. Por exemplo, quando o anestesista insere um tubo de respiração nos pulmões de Mark, um sensor mostra o aumento no oxigênio em um monitor sobre a mesa de operação. É um arranjo realmente incrível, que diz à equipe o que eles estão fazendo certo. Ou errado, no caso de Mark.

Mas, repentinamente, o futuro de Mark parece um pouco mais brilhante. Um enfermeiro chegou com um desfibrilador automático: uma caixa de plástico com o tamanho de um engradado de cerveja. O desfibrilador é equipado com cabos que são ligados a pastilhas no peito de Mark. A sala fica quieta por um momento, e o desfibrilador desperta à vida.

Todos nós soltamos um suspiro de alívio. É como se o colega extrovertido e favorito de todos tivesse acabado de chegar a uma festa desesperadamente chata. Mas só leva dois segundos para que eu deseje que esse convidado em particular nunca tivesse chegado.

Logo que é ligado, o recém-chegado demonstra que tem a capacidade de falar. (Isso não é incomum. A maior parte dos desfibriladores, particularmente aqueles usados em locais públicos, oferecem informação audível sobre o ritmo que detectam, além de instruções para os utilizadores.)

Infelizmente para todos nós, esse desfibrilador em particular tem uma voz áspera, que de alguma forma consegue ser tanto abrasiva quanto cheia de tédio. Em resumo, ela lembra muito os malignos Daleks, famosos em Doctor Who. E está usando essa voz, agora, para dizer à equipe: “continue a RCP”, a reanimação cardiopulmonar.

O conselho do Dalek é recebido com um grande rodar de olhos pelos médicos e enfermeiros que estavam fazendo exatamente isso nos últimos cinco minutos. Eles sabem que o ritmo das batidas do coração de Mark não está detectável. Ou seja, ele está em assistolia, por isso não há ritmo anormal para dar um choque e retornar ao normal. Eu temo que essa máquina não corresponda às expectativas geradas por sua entrada triunfal.

Mas repentinamente, para a surpresa de todos, agora o coração de Mark apresenta um ritmo. É anormal, mas é um ritmo. E essas são boas notícias. O Dalek não consegue conter seu entusiasmo. Após um momento de análise, ele entrega um diagnóstico.

“Fibrilação ventricular”, ele anuncia, orgulhoso. “Mantenha distância”, ele avisa. Se esse desfibrilador Dalek fosse uma pessoa de verdade, ele estaria empertigado de vaidade, inflando o peito. Agora ele é o centro das atenções. Ele é o cara.

O desfibrilador administra um choque, e então os médicos e enfermeiros se aproximam como pássaros mergulhando em uma pilha de migalhas de pão. Mas Mark ainda está em fibrilação ventricular e, de novo, está sem pulso. Então eles seguem um protocolo cuidadosamente ensaiado de RCP e remédios intravenosos, com breves pausas para que o desfibrilador administre mais choques.

Depois de alguns minutos, uma das enfermeiras anuncia que o coração de Mark está no ritmo normal. Ele está vivo. O pessoal se cumprimenta e a equipe sai para preparar os relatórios. Mas o pobre desfibrilador que salvou o dia não tem braços nem mãos, e é deixado de fora das comemorações. Ao passar, quase como uma reflexão tardia, uma das últimas enfermeiras a sair o alcança e aperta seu botão desliga. Eu juro que consigo ouvir um suspiro de desapontamento quando as luzes dele piscam e, então, se apagam.


Republicado de SHOCKED: Adventures in Bringing Back the Recently Dead, do médico David Casarett, postado aqui com permissão do Penguin Group (USA).

David Casarett, M.D. é médico, pesquisador e professor titular na Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia. Seus estudos incluíram mais de dez mil pacientes e resultaram em mais de cem artigos científicos e capítulos de livros, publicados em importantes periódicos médicos, como o Journal of the American Medical Association e The New England Journal of Medicine. Seus muitos prêmios incluem o Presidential Early Career Award for Scientists and Engineers dos EUA.

(Fotos por Shutterstock/sfam_photo e Bernhard Wintersperger/Flickr)

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