Ciência

Microplástico é detectado no cérebro humano pela primeira vez

Com efeitos ainda desconhecidos, o polipropileno usado em roupas, embalagens e garrafas foi o tipo mais comum encontrado, com a inalação como provável forma de acesso via bulbo olfatório
Imagens de: Jensflorian/Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0; GarryKillian/Freepik

Texto: Jean Silva* / Arte: Diego Facundini & Joyce Tenório** / Jornal da USP

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Pela primeira vez, pesquisadores encontraram microplástico no cérebro humano. O estudo, feito na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em parceria com a Universidade Livre de Berlim e com o apoio do Laboratório Nacional de Luz Nacional de Luz Synchronton (LNLS), em Campinas, analisou o cérebro de 15 pessoas falecidas que moravam em São Paulo. Em oito deles foram encontrados resíduos como fibras e partículas de plástico. Estas pessoas não tinham contato com a indústria de produção do material, afirmam os pesquisadores, e o polipropileno foi o tipo mais comum encontrado. Ele é usado em roupas, embalagens de alimentos e garrafas e pneus, que liberam partículas que são inaladas ao respirarmos.

Os resíduos consistem em minúsculos fragmentos de plástico menores que 5 milímetros provenientes da decomposição e outros processos que os transformam nesses micropedaços, e os encontrados no estudo são particulas entre 5.5 a 26.4 nanômetros.  Eles também já foram encontrados em órgãos como pulmões, no sistema reprodutivo e até na corrente sanguínea dos seres humanos. A presença no órgão do sistema nervoso chama atenção por ele ser “um dos mais protegidos do corpo humano devido à barreira hematoencefálica [estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue]”, explica a líder do trabalho e professora da FMUSP, Thais Mauad. O objetivo do estudo era justamente verificar se esse material conseguia chegar até o cérebro.

O artigo publicado no Journal of the American Medical Association (Jama), uma das mais importantes revistas acadêmicas de saúde, indica a via olfativa como uma das prováveis rotas de entrada dos microplásticos no cérebro, uma vez que foram identificados fragmentos dessas partículas no bulbo olfatório, a área responsável por processar odores. Enquanto isso, a via sanguínea ainda deve ser estudada para analisar a capacidade desses materiais passarem a barreira hematoencefálica.

O bulbo olfativo, conjunto de células nervosas na região nasal, é indicado como provável via de entrada dos microplásticos

O bulbo olfativo, conjunto de células nervosas na região nasal, é indicado como provável via de entrada dos microplásticos – Imagem: IB-UNESP adaptada do National Institute of Environmental Health Sciences

Possíveis riscos à saúde

Apesar de pesquisas já apontarem efeitos prejudiciais à saúde da presença desses resíduos em outros sistemas, a exemplo de um importante estudo que identificou um risco quatro vezes maior de problemas cardíacos graves e morte em pessoas com o coração contaminado, ainda faltam mais evidências para determinar os efeitos do microplástico no sistema nervoso.

Além dos danos cardíacos, a exposição contínua aos microplásticos e seus aditivos químicos está associada a uma série de outras consequências graves para a saúde humana, como distúrbios endócrinos e redução da fertilidade.

Ainda assim, pesquisas iniciais em animais como camundongos sugerem que o microplástico é neurotóxico, levando a alterações no comportamento, lesão celular e até modificações de enzimas que são importantes para os neurotransmissores (moléculas responsáveis pela comunicação entre neurônios). Essas consequências são preocupantes porque  “provavelmente, as partículas se acumulam no nosso corpo, já que são materiais não degradáveis pelas nossas enzimas, o que pode levar ao acúmulo ao longo do tempo”, como explica Thais Mauad, o que agrava os possíveis riscos.

Thais Mauad - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Thais Mauad – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

As partículas podem assim ser internalizadas pelas células e interferir em seu metabolismo, o que eleva os riscos à saúde, principalmente em crianças com o cérebro em desenvolvimento – o que pode causar alterações irreversíveis na fase adulta. Com isso, a pesquisadora faz um alerta para proteger o desenvolvimento infantil:

É importante evitar o contato de crianças com brinquedos de plástico, especialmente aquelas que colocam os objetos na boca. Não sabemos exatamente o que, além do plástico, pode estar presente, como os aditivos que dão características secundárias ao material.

Os brinquedos de plástico são vistos pela pesquisadora como um risco para o desenvolvimento na primeira infância - Foto: Freepik

Os brinquedos de plástico são vistos pela pesquisadora como um risco para o desenvolvimento na primeira infância – Foto: Freepik

Proteger a saúde e o meio ambiente

Esses resultados chamam atenção às consequências do uso do plástico na nossa sociedade. Mais de 500 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente, e mais de 4 mil produtos químicos utilizados na fabricação de plásticos são considerados perigosos para a saúde e o meio ambiente, de acordo com o GreenPeace, indicando a necessidade de diminuição do consumo deste produto.

O estudo, apoiado pela Plastic Soup Foundation, uma organização ambiental dedicada ao combate à poluição plástica, reforça a necessidade de medidas globais urgentes. Com as negociações finais do Tratado Global de Plásticos da ONU marcadas para novembro, na Coreia do Sul, a comunidade científica pede que os formuladores de políticas ouçam a ciência e ajam para proteger a saúde humana e o meio ambiente.

O papel das instituições de pesquisa deve se dar também pelo exemplo, diz a médica, ao mencionar eventos na Universidade em que as bebidas são servidas em copos de plástico. “Acho que, primeiro, é necessário conscientizar a sociedade, incluindo a própria Universidade, que ainda tem práticas frágeis nesse sentido”, alerta ela.

Conscientizar a sociedade a começar a se preocupar mais com o assunto é relevante principalmente para pressionar a indústria, especialmente a do plástico. “A indústria plástica costuma jogar a culpa no consumidor, dizendo que ele é responsável por reciclar. Mas sabemos que grande parte dos plásticos não é reciclável. Toda a cadeia do plástico não é sustentável nem circular”, conclui.

O artigo científico publicado em 16 setembro na revista Jama tem Luis Fernando Amato-Lourenço, da Universidade Livre de Berlim, como primeiro autor, e pode ser acessado neste link.

Mais informações: e-mail imprensa@fm.usp.br

*Estagiário com orientação de Luiza Caires
**Estagiários sob supervisão de Moisés Dorado

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