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Militância digital influi na eleição do Conselho Tutelar e governo prepara mudança

As eleições para o Conselho Tutelar aconteceram em 1 de outubro, com incentivo a votos em candidatos progressistas; entenda
Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

As últimas eleições para o Conselho Tutelar, que aconteceram em 1 de outubro, ganharam atenção inédita das redes sociais. E esse maior apelo se refletiu também num maior número de votos. O número de brasileiros que compareceu à votação foi 28,3% maior em relação às eleições anteriores, de 2019.

Isso aconteceu porque o pleito, que elege representantes por zelar pelos direitos de crianças e adolescentes em todo o país, se tornou (de novo) alvo de disputa entre direita e esquerda.

Apesar de facultativas, as votações se tornaram a oportunidade para políticos, ativistas e influenciadores progressistas e conservadores divulgarem, em seus perfis, a importância de a população apoiar candidatos que seguem a agenda que apoiam. Ter representantes do espectro político que defendem no Conselho Tutelar, afinal, seria a forma mais eficiente de se tentar frear o avanço de pautas da oposição.

Nas últimas semanas, políticos, ONGs, internautas e influenciadores digitais de partidos políticos alinhados à esquerda e ao centro se mobilizaram digitalmente a favor de candidaturas mais progressistas.

Esses nomes, no geral, compartilharam materiais com informações sobre os candidatos e incentivavam as pessoas a votar em candidatos que defendam os Direitos Humanos, bem como questões de sexualidade, gênero e etnia.

Quem coordenou a mobilização?

Uma das principais entidades responsáveis por arquitetar esse movimento foi a Uneafro Brasil, organização em defesa de jovens negros, indígenas e de periferia.

A lista, segundo a própria entidade, reuniu “candidaturas antirracistas e comprometidas com a defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente para os Conselhos Tutelares”. A forma como esses nomes foram selecionados, no entanto, não foi divulgada.

O Giz Brasil contatou a Uneafro para questionar quais os critérios utilizados na divulgação das candidaturas e os responsáveis por escolher os nomes apoiados. Após seis dias, não obtivemos resposta. Nesta quarta-feira (11), recebemos o seguinte comunicado:

Diversas candidaturas cadastradas na nossa campanha alcançaram a vitória eleitoral, outras a suplência, mais de 13 estados. E, como ganho geral, destacamos a capilaridade da campanha, a oportunidade da formação política antirracista e o desafio proposto da criação de uma rede nacional antirracista em defesa da infância e adolescência. Agrupamentos, movimentos sociais, redes de defesa de direitos nos Estados e outras iniciativas como a eleição do ano, concentraram esforços para elegerem candidaturas progressistas e defensoras do ECA, que com certeza contribuíram na luta árdua contra o avanço do conservadorismo e fundamentalismo religioso nos espaços de garantia de direitos.

A ONG também é responsável pela plataforma de candidaturas “Em Defesa do ECA– Por Conselhos Tutelares Antirracistas”, que oferece um espaço para cadastro de candidatos.

A fim de chamar a atenção para a importância de eleger candidatos à favor da liberdade racial, o grupo ressaltou um caso de intolerância religiosa em Araçatuba, no interior de São Paulo, em 2020, em que a mãe de uma menina de 12 anos perdeu a guarda da filha, que teve a cabeça raspada de forma consensual em um ritual de iniciação no candomblé, após uma denúncia da avó, evangélica, que alegou maus tratos.

A influenciadora Gabi Oliveira (@depretas) também convidou seus seguidores a votarem para um representante ao Conselho Tutelar, citando o endereço aeleicaodoano.org como guia de candidaturas. A plataforma divulga candidatos que respeitam a liberdade religiosa, os direitos dos LGBT+ (incluindo famílias com pais do mesmo sexo), segundo a ONG.

O movimento da esquerda deu certo?

Na terça-feira (3), os nomes eleitos foram divulgados no Diário Oficial de cada município, embora alguns já tenham sido anunciados no domingo de eleição.

A movimentação para atrair eleitores trouxe resultado, levando mais pessoas às urnas este ano. A capital paulista, que somou cerca de 150 mil votantes em 2019, teve comparecimento acima do esperado no centro, segundo mesários disseram à Folha de S. Paulo. Pela primeira vez, mais de 56 mil urnas foram usadas, de acordo com a Agência Brasil. O Governo Federal acredita que seja que seja um número histórico de eleitores.

Na frente ampla, a deputada federal Erika Hilton (PSOL – SP) comemorou a vitória da assistente social Thara Wells, em Sorocaba, no interior paulista, como a primeira pessoa trans eleita para o Conselho Tutelar na cidade.

Além disso, a vereadora do partido, Luana Alves, também considerou os resultados “promissores” na capital paulista. “Em várias regiões, o fundamentalismo religioso segue firme. Mas em outras, estão perdendo espaço. No Butantã, onde moro, tivemos 100% de vitória. Todas as conselheiras eleitas são progressistas e defensoras do ECA!”, escreveu no X (Twitter).

Objetivo era frear aumento dos conservadores

O movimento foi uma resposta à postura que nomes conservadores tiveram em eleições anteriores. A estratégia da esquerda é semelhante à utilizada pelos defensores de candidaturas conservadoras, que se organizam há anos a fim de defender nomes de valores evangélicos para cargos do Conselho. Foi assim nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, em que bolhas do mesmo espectro político eram alimentadas com pautas da direita conservadora.

Este ano, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) foi uma das representantes que pediu aos seus seguidores que comparecessem às votações.

Os resultados mostram que a organização dos grupos cristãos surtiu efeito: na eleição anterior, de 2019, em São Paulo (maior colégio eleitoral do país), 53% dos conselheiros que tomaram posse tinham ligação com o movimento neopentecostal, segundo levantamento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (via Carta Capital).

Maior engajamento motivou mudanças

O maior engajamento sobre as eleições 2023 do Conselho Tutelar deve alterar forma de divulgação dos candidatos em pleitos futuros. No último dia 1, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, destacou que, nos próximos anos, a pasta acompanhará mais de perto a forma como candidaturas estão sendo divulgadas e comentadas.

O governo afirma que o objetivo é zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças adolescentes, evitando que militâncias digitais extremistas influenciem nos resultados da eleição — como aconteceu em edições anteriores e também no pleito deste ano.

“Acho que é parte da democracia [ter] candidaturas com um perfil mais conservador, mais progressista, de pessoas que professem uma fé, que tenham uma religião”, disse Almeida, como destacou a Agência Brasil.” E também pessoas que não tenham nenhuma religião. O que eu vejo problema é quando não tem compromisso com o que preveem a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA]”.

O ministro não mencionou quais serão as ações do governo para monitorar a divulgação dos candidatos e a importância de voltar nas eleições.

O Conselho Tutelar é responsável por zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil, e funciona de acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Como a votação para representantes do Conselho é facultativa, nem todos os cidadãos brasileiros têm conhecimento do processo. O temor é que a maior divulgação sobre o pleito possa gerar desinformação e perseguição de membros do Conselho Tutelar, prejudicando a atuação do órgão.

Isabela Oliveira

Isabela Oliveira

Jornalista formada pela Unesp. Com passagem pelo site de turismo Mundo Viajar, já escreveu sobre cultura, celebridades, meio ambiente e de tudo um pouco. É entusiasta de moda, música e temas relacionados à mulher.

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