Morte por iPhone: a Apple e a bomba-relógio cultural da China

Na semana passada, um funcionário do departamento de comunicações de 25 anos de idade morreu em um “suicídio aparente” após perder um protótipo de iPhone construído pela Foxconn, sua empregadora, para uma das empresas mais reservadas em tecnologia. Foi só uma questão de tempo.

Na semana passada, um funcionário do departamento de comunicações de 25 anos de idade morreu em um “suicídio aparente” após perder um protótipo de iPhone construído pela Foxconn, sua empregadora, para uma das empresas mais reservadas em tecnologia. Foi só uma questão de tempo.

Primeiramente, vamos recapitular: a morte de Sun Danyong veio após uma remessa de protótipos de iPhone que ele deveria enviar para a sede da Apple em Cupertino estar com uma unidade a menos. Sun não apresentou o aparelho e dizia não saber o que havia acontecido; oficiais de segurança da Foxconn, a fabricante do iPhone da Apple e a empresa que empregava Sun, não acreditou na história. Nem um pouco.

Nos dias que se seguiram ao incidente, Sun muito provavelmente deve ter passado por um inferno. Ele contou aos seus colegas universitários – ele havia acabado de se formar – que sua casa tinha sido revirada diversas vezes e sem nenhuma permissão ou aviso e até que ele havia sido diretamente torturado por guardas da segurança da empresa. Logo depois disto, ele foi encontrado morto no pátio do prédio onde ele morava após uma queda de 14 andares. Ele morreu, de uma maneira ou de outra, por um telefone. Sim, isso mesmo que você está pensando: isto é cretinamente insano.

Uma resposta rápida comum é que isto é “apenas” sintomático das péssimas normas de trabalho na China, um sentimento aparentemente sustentado pela declaração expressamente honesta da Foxconn sobre o assunto:

Independente do motivo para o suicídio de Sun, até certo ponto isto é um reflexo das deficiências internas da gerência da Foxconn, especialmente quanto a ajudar os jovens trabalhadores a lidar com as pressões psicológicas da vida de trabalho na empresa.

 

Desde então eles suspenderam um oficial de segurança sem salário e entregou a investigação à polícia. Mas colocar este incidente em contexto tão amplo não é lá muito útil, nem para explicar o que aconteceu, nem para saber como lidar com ele. Até certo ponto, a Apple é de fato responsável pela morte de Sun e é quase chocante que algo como isto ainda não tenha acontecido antes.

O histórico de sigilo da Apple é longo e complexo, mas dificilmente é visto como algo assustador. Nós passamos muito tempo quebrá-lo para obter histórias e tanto tempo quanto rindo de quão extremo ele é – até mesmo os funcionários do escritório da Apple na Califórnia são constantemente monitorados por câmeras, forçados a passar por portões de segurança absurdamente complexos diariamente, transportando protótipos dentro de capas pretas e acendendo luzes de alerta dentro das salas quando as capas são removidas dos aparelhos de idolatria.

Mas há muito em jogo para a Apple, então até certo ponto a sua paranoia é compreensível: manter um dispositivo como o iPhone em segredo evita que seus concorrentes fiquem sabendo das suas estratégias e, mais importante, garante uma erupção total da mídia quando ele vem a público na data programada. Não existe nenhuma outra empresa mais reservada no ramo da tecnologia e não há aparelho mais importante a se manter em segredo do que o iPhone.

A Apple tem – desde os primórdios – uma atitude punitiva em relação àqueles que os traem. Histórias que vêm à mente são do Steve Jobs dar ao seu melhor amigo e primeiro funcionário Dan Kottke ações da empresa devido a desacordos, ou de ele banir jornalistas de terem acesso aos produtos ou relatórios da empresa (mas nem todos!). Não estou dizendo que assassinar está no caráter da empresa, mas por diversas vezes houve um preço a se pagar por cruzar o caminho da Apple.

Este etos torna-se perigoso quando combinado com bilhões de dólares e os valores dúbios das fábricas chinesas como a Foxconn, que já puseram o lucro à frente dos direitos humanos no passado. Observação: a Foxconn tem sede em Taiwan, mas a grande maioria da manufatura é feita na China – especificamente na fábrica com 270 mil funcionários em Shenzhen.

A Foxconn pode ser enorme, mas não é única, e se eles não conseguem manter na moita os planos de hardware da Apple, é fácil imaginar outro conglomerado manufatureiro roubando seus contratos valendo incontáveis bilhões. É uma ameaça assustadora e bastante real para uma sólida relação de negócios e também uma sutilmente tirânica.

Mas os riscos agora estão muito maiores no campus (para usar uma palavra genérica) da Foxconn do que no da Apple. Se um funcionário da Apple vazar um produto, ele poderia perder o seu emprego e a Apple perderia o que acabaria sendo um pouco de publicidade gratuita – afinal, vazar algo não é uma maneira tão ruim de gerar um frisson em cima do produto. Se um funcionário da Foxconn faz o mesmo, ele põe em risco milhares de empregos, bilhões de dólares em contratos e uma relação vital para a sua empresa. Tal responsabilidade é irrealista e imprudentemente alta para se jogar nos ombros de cada funcionário – Sun e o seu pretenso torturador. Imagine-se no lugar do Sun: você acaba de perder um protótipo do gadget mais cobiçado do mundo, feito pela fabricante de eletrônicos mais irresolutamente reservada do mundo. Você gostaria que da sua vida dependesse bilhões de dólares em um país com leis trabalhistas negligentes e um histórico de atropelar seus cidadãos com tanques?

Mas espere, diz a Apple, vamos deixar as coisas bem claras:

Estamos entristecidos pela perda trágica deste jovem funcionário e estamos aguardando os resultados das investigações a respeito da sua morte. Nós exigimos que os nossos fornecedores tratem todos os trabalhadores com dignidade e respeito.

 

Eles exigem que todos os trabalhadores da linha de montagem mantenham segredos que valem bilhões de dólares; eles exigem que a Foxconn se certifique de que estes funcionários fiquem de boca fechada; eles exigem que os fornecedores tratem bem os seus trabalhadores. Claro, tal exigência sobre a qual eles falam com tanta facilidade mais me parece uma reflexão posterior, fora que “exigir” algo não significa necessariamente que você realmente espera que aquilo aconteça.

(Como nota à parte, e se este caso não serviu para deixar com a China todos os aparelhos, visto que os muitos atravessadores das empresas aéreas e de frete poderiam, digamos, perder um pouco de peso durante o complicado trânsito? E por que protótipos tão valiosos não foram entregues em mãos? Até museus de arte fazem isso e eles nem têm espiões industriais no encalço deles.)

Certo ou errado, Sun foi o único cara que a Foxconn achou que poderia se declarar responsável pela bagunça armada, um julgamento que provavelmente custou a sua vida. Mas este cenário poderia ter sido facilmente previsto e a questão de quanto de risco humano a Apple calculou que ela poderia arcar antes de um rapaz de 25 anos aparecer morto é tão importante quanto a maneira como eles respondem à situação.

[foto do Southern Metropolis Daily e The Brisbane Times]

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