Mulheres empreendem e criam novos produtos na Amazônia
*Texto da Revista Pesquisa, da FAPESP.
Um grupo de mulheres empreendedoras da Amazônia desenvolveu uma coleção de produtos inovadores, como cosméticos e alimentos, que demonstram potencial para impulsionar o desenvolvimento sustentável da região.
A bióloga Andrea Waichman, pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e sócia da startup de cosméticos Darvore, desenvolveu um bálsamo redutor de oleosidade, feito de copaíba (Copaifera langsdorffii) e tucumã (Astrocaryum aculeatum), trabalhando com insumos de extrativistas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no Amazonas.
“Criamos cápsulas nanométricas feitas com bioativos amazônicos, em alternativa aos materiais sintéticos. Com isso, conseguimos produtos 100% naturais”, explica ela. A Darvore tem sede em Manaus (AM) e filial em Ribeirão Preto (SP).
A empresária, nascida na Argentina e radicada há mais de 25 anos no Amazonas, foi uma das entrevistadas no e-book Potência amazônica, lançado em outubro, que reuniu algumas das lideranças locais no ecossistema de inovação da região.
Além do bálsamo de copaíba nanoencapsulado em manteiga de tucumã, a Darvore, que também tem como sócio o economista João Tezza, desenvolveu um hidratante facial feito de copaíba, mas encapsulado em manteiga de cupuaçu (Theobroma grandiflorum). Ambos foram lançados em junho de 2022.
O processo de nanoencapsulamento foi alvo de um depósito de patente em 2019 no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O produto foi desenvolvido em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e é fabricado pela Yosen, startup com foco em nanotecnologia instalada no Supera, parque de empresas inovadoras de Ribeirão Preto, no interior paulista.
O conhecimento ancestral e a cultura dos povos originários também inspiram empresas nascentes na Amazônia. A bióloga e agricultora Raquel Tupinambá, que cursa doutorado em antropologia social na Universidade de Brasília (UnB), se esforça para pôr em funcionamento uma casa de beneficiamento dentro do território tupinambá, na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, no Pará, onde ela nasceu, cresceu e vive.
Ao lado da irmã, a agroecóloga Mariane Chaves, a pesquisadora desenvolveu produtos inspirados na gastronomia e na cultura tupinambá. O mais famoso é um vinho de mandioca que ganhou o nome de Mani-Oara, de cor vermelho-alaranjada, com 8% de teor alcoólico. A fermentação utiliza fungos de uma outra bebida consumida pelos indígenas da região, chamada de tarubá, à base de mandioca.
A ideia de criar produtos que valorizassem o trabalho das mulheres do território indígena amadureceu entre 2014 e 2016, enquanto a bióloga cursava mestrado em botânica no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e sua irmã fazia mestrado em ecologia na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais.
Ela ficou a par de editais, organizações e programas de aceleração que poderiam ajudá-la a empreender. A irmã e ela resolveram dar nova vida à Associação de Moradores Agroextrativistas e Indígenas do Tapajós (Ampravat), que organiza e escoa a produção de cerca de 30 famílias.
Foram contempladas em um edital da organização não governamental Saúde e Alegria, com financiamento do Fundo L’Oréal para Mulheres, para a construção da casa de beneficiamento no território indígena. A conquista veio em 2019, mas a pandemia adiou o início das obras para 2022.
O objetivo é obter a certificação artesanal da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), o que permitirá comercializar seus produtos em supermercados e shoppings do estado. Além do vinho, elas produzem um molho de tucupi-preto, geleias e outros produtos que são vendidos apenas em mercados e feiras de Santarém e Alter do Chão.
As iniciativas de Waichman e Tupinambá são exemplos recentes do potencial da bioeconomia, um conjunto de atividades produtivas capaz de gerar renda e riqueza para as populações que vivem em torno da maior floresta tropical do planeta, garantindo sua preservação.
Embora não existam dados consolidados de quanto o segmento movimenta na região, uma análise do projeto Amazônia 2030, publicado em abril de 2021 pelo administrador público brasileiro Salo Coslovsky, professor associado da Universidade de Nova York, estimou que empreendimentos localizados na Amazônia exportaram 955 produtos entre 2017 e 2019.
Desse total, 64 são classificados como “compatíveis com a floresta” (extrativismo florestal não madeireiro, sistemas agroflorestais, pesca e piscicultura tropical e hortifruticultura tropical) e geraram uma receita anual de US$ 298 milhões.
A farmacêutica Samara Rodrigues, CEO da Pharmakos D’Amazônia, que produz cosméticos e suplementos alimentares e está instalada em Manaus, diz que costuma ser procurada por empresas interessadas em comprar algum tipo de matéria-prima da floresta. “É frustrante, porque somos uma empresa de base tecnológica”, afirma.
Um dos produtos na fila de lançamento da empresa é um creme que leva extrato das folhas do maracujá-do-mato (Passiflora nitida), planta nativa da região. Ele foi desenvolvido em parceria com pesquisadores da Ufam e das universidades de São Paulo (USP), Federal de Sergipe (UFS) e Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Propriedades antioxidantes do extrato foram descritas em um artigo publicado em setembro na revista Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences. “Já fizemos todos os testes de eficácia e a publicação é a última exigência da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para que possamos registrar o produto e comercializá-lo”, explica Rodrigues.
Há 10 anos, Rodrigues assumiu a liderança da empresa criada pelo pai, o farmacêutico Schubert Pinto, docente aposentado da Ufam. Hoje, a Pharmakos D’Amazônia tem cerca de 80 produtos em seu catálogo, de cosméticos a alimentos.
Sheila Melo, especialista em propriedade intelectual da Embrapa Amazônia Oriental, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Belém, reforça a importância de ter mulheres amazônidas se destacando nesse caminho.
“Muitos produtos e serviços inovadores surgem desse olhar local e temos um mercado enorme a ser explorado. Como mulher paraense, sei que a vivência é um diferencial para inovar observando nossa realidade e nossas potencialidades”, observa.
Em sua avaliação, há ainda muito o que se conquistar no caminho da inovação e do empreendedorismo feminino. “No dia a dia, ainda vemos dificuldades e barreiras ligadas à desigualdade de gênero. Falta também mais diversidade, como pessoas indígenas, negras e LGBTQIA+, nesse ecossistema inovador”, observa.
A engenheira mecânica Júlia Bussab Fonseca, que cursa doutorado na Universidade de Sussex, no Reino Unido, e estuda as interseções de gênero e de raça nos mecanismos de financiamento climático na Amazônia, vê alguns avanços.
Como diretora financeira da Climática, empresa que presta consultoria sobre mudanças climáticas para outras organizações, ela tem atendido clientes que procuram criar programas voltados para mulheres que empreendem.
“Há cerca de dois anos, temos visto instituições, como bancos, nos procurarem para incluir em seus serviços financiamentos de empresas e projetos com liderança feminina”, diz.
Em uma dessas consultorias, ela está levantando dados e indicadores sobre a participação de mulheres no ecossistema de inovação e empreendedorismo da região amazônica, informações que ainda são escassas.
A Iniciativa Amazônia +10
Com o objetivo de apoiar o desenvolvimento sustentável baseado em ciência, tecnologia e inovação na região amazônica, o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap) realizou o primeiro edital da Iniciativa Amazônia +10. No último dia 17 de novembro foram divulgados os 39 projetos selecionados, de 137 grupos de pesquisa, que vão receber um total de R$ 42 milhões.
As pesquisas serão colaborativas e para isso cada projeto precisou ser submetido por pesquisadores de pelo menos três estados dos 20 cujas fundações de pesquisa aderiram à chamada – a FAPESP entre elas. A ideia da iniciativa partiu da instituição paulista e foi levada à Confap.
“Esse tipo de colaboração é essencial para fortalecer os ecossistemas de inovação, que trazem a pesquisa para o mercado, gerando riqueza”, observa a engenheira de alimentos Luciana Hashiba, da Coordenação Adjunta de Programas de Pesquisa para Inovação da Diretoria Científica da FAPESP.
“Nos workshops que realizamos com pesquisadores da região para entender os desafios e oportunidades da região, percebemos que há várias Amazônias, com muitas realidades e com um imenso potencial”, diz.