Texto: Gilberto Stam/Revista Pesquisa Fapesp
Espécies de árvores da Mata Atlântica estão migrando para regiões mais altas e de clima mais ameno do que aqueles onde costumavam crescer, indica estudo publicado em julho na revista Journal of Vegetation Science. Surpreendentemente, algumas estão fazendo o caminho contrário, morro abaixo. Isso está embaralhando a distribuição das plantas e a tendência no longo prazo é de um ambiente mais homogêneo, pondo em risco as espécies de distribuição mais restrita, como as araucárias (Araucaria angustifolia).
“Em florestas montanhosas, as plantas se adaptam a diferentes faixas de temperatura”, observa o ecólogo brasileiro Rodrigo Bergamin, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Em altitudes maiores as plantas crescem menos, os frutos são menores e as folhas e a casca tendem a ser mais duras e grossas, o que fornece proteção contra o frio – o oposto do que se observa perto do nível do mar.
“A tendência é de que espécies mais generalistas se espalhem, pois se adaptam com mais facilidade a ambientes variados”, ressalta Bergamin. O ecólogo relata, por exemplo, que árvores típicas de altitudes baixas, como a canjerana (Cabralea canjerana), de até 30 metros [m] de altura, com madeira e frutos vermelhos, e a jussara (Euterpe edulis), uma palmeira de até 10 m cujo palmito é muito apreciado, com frequência brotam no topo dos morros entre as araucárias.
Os pesquisadores analisaram 627 espécies de plantas em 96 trechos que representam 1 hectare (ha) – o equivalente a um campo de futebol – e verificaram que cerca de 27% das plantas migraram para altitudes maiores e 15% fizeram o movimento contrário.
“As plantas que desceram o morro provavelmente têm maior tolerância a temperaturas mais altas”, afirma Bergamin. Segundo o pesquisador, um efeito parecido foi observado em regiões desmatadas, que foram ocupadas por plantas típicas de regiões mais altas.
Segundo os autores, essa é a primeira vez que a migração de árvores em duas direções foi registrada na Mata Atlântica. Nas florestas temperadas do hemisfério Norte, o movimento geralmente ocorre rumo ao norte. “Árvores de folhas largas, mais adaptadas ao calor, estão crescendo nas florestas de pinheiros, típicos de clima frio, formando florestas mistas”, relata a ecóloga Sandra Müller, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coautora do artigo. Isso acontece porque as florestas frias estão se tornando mais amenas.
A maior parte das comunidades estudadas (58%) não migrou – mas isso talvez não seja um bom sinal. “Não sabemos se essas plantas toleram temperaturas mais altas ou se não conseguem sair do lugar porque elas não têm dispersores para suas sementes”, diz Bergamin. Muitos frutos são consumidos por animais que, ao depositar ou defecar as sementes em outro ponto, ampliam a área de alcance daquela planta. Se a segunda hipótese estiver correta, essas espécies podem correr risco de extinção por ficarem presas enquanto a temperatura aumenta.
A juventude chegou
Bergamin já havia notado a migração de árvores morro acima há cerca de 20 anos, quando fazia trilhas na Mata Atlântica durante a graduação. Anos depois, para verificar se a observação casual refletia uma tendência geral, ele analisou dados de 96 trechos florestais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Oito trechos faziam parte de um levantamento florístico feito na região entre a Reserva Biológica da Serra Geral e o Parque Nacional de Aparados da Serra, entre 2009 e 2019, em faixas com cerca de 400 m a 950 m de altitude. Com três coletas entre 2009 e 2019, feitas a cada cinco anos, foi possível acompanhar plantas jovens de altitudes baixas crescendo em regiões altas.
Para aumentar a amostra, a equipe usou dados do Inventário Florístico-Florestal de Santa Catarina, com informações coletadas em 2010 sobre mais 88 trechos florestais do estado, distribuídos desde o nível do mar até 1.160 m de altitude. Comparando a temperatura onde originalmente viviam as plantas jovens, de até 2 m de altura, e as adultas, eles concluíram que as menores preferiam temperaturas mais quentes em relação às maiores. Ou seja, as árvores jovens se instalam com facilidade em áreas aquecidas. As adultas habituadas a climas frescos, no entanto, ficam presas aos locais onde a temperatura vai aumentando para além do ideal.
“Um dos pontos fortes do trabalho foi ter estudado trechos de mata conservada por ao menos 10 anos, o que permite observar o crescimento das plantas jovens, e em uma gama ampla de altitudes”, avalia a ecóloga Marinez Siqueira, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que não participou do estudo. Ela ressalta que o fato de as espécies migrarem não é garantia de sobrevivência.
“Outros fatores podem afetar a sobrevivência das árvores no novo ambiente, como os minerais do solo e suas populações de microrganismos, a competição com outras plantas e a interação com animais dispersores e polinizadores”, ressalta Siqueira.
No futuro, Bergamin pretende estudar cada uma das espécies para entender quais características das plantas as levam a subir ou descer o morro e quais estão mais ameaçadas. Outro desafio pendente é entender as relações com os animais dispersores de sementes.
Assim como as plantas, os animais têm preferência por uma faixa de temperatura, e as mudanças climáticas podem causar desencontros entre plantas e seus dispersores. Como exemplo, Müller conta que várias espécies da floresta como a araucária são dispersas por aves migratórias. “Se essas aves mudarem seu comportamento por causa das mudanças de temperatura, essas espécies terão mais dificuldade de se dispersar.”
Artigo científico
BERGAMIN, R. S et al. Elevational shifts in tree community composition in the Brazilian Atlantic Forest related to climate change. Journal of Vegetation Science. v. 35, n. 4, e13287. jul/ago 2024.