Ciência

Natureza sem nojinho: conheça hábitos asquerosos de alguns insetos que contribuem para o equilíbrio ambiental

Dieta baseada em cocô de boi, cardápio turbinado com excremento do amiguinho e até circular por aí carregando o cadáver de suas presas têm lá suas vantagens!
Imagem: Instituto Butantan/Reprodução

Texto: Natasha Pinelli/Instituto Butantan

O mundo é dos insetos. Espalhados por praticamente todos os cantos do globo, eles representam cerca de 70% dos animais ou mais de 50% das espécies vivas de todos os tipos de organismos conhecidos atualmente na Terra, superando a incrível marca de mais de 800 mil espécies já identificadas. Mas apesar da presença numerosa e do visual diferenciado que muitos desses bichos apresentam, é curioso que a grande maioria deles ainda passe despercebida aos olhos dos humanos.

Pequeninos no tamanho, mas gigantes na importância que representam para a manutenção da vida no planeta, os insetos são essenciais para manter o equilíbrio da natureza e a biodiversidade. Além de polinizadores, garantindo a reprodução das plantas e, consequentemente, a oferta de alimentos como frutas, legumes e verduras, muitos desses miniqueridos botam muitas partes de seus corpinhos na sujeira para realizar trabalhos valiosos, como a reciclagem de matéria-orgânica e a predação de diversas pragas.

Besouros do gênero Canthidium: pequeninos, mas cheios de força para rolar suas bolinhas de cocô por aí

Os chamados besouros-rola-bosta (família Scarabaeidae), por exemplo, têm parte importante de suas dietas baseadas no consumo de nada mais, nada menos do que cocô de boi. Já o simpático bicho-lixeiro (Chrysoperla externa) leva nas “costas” os restos mortais de suas vítimas, além de comer ácaros e cochonilhas. Outro hábito um tanto repugnante acontece entre a formiga e o pulgão. A amizade entre eles é tamanha que o primeiro nem se importa de comer os excrementos eliminados pelo segundo.

Sem fazer caretas e nem torcer o nariz, vamos saber mais sobre essas práticas um tanto asquerosas, mas definitivamente necessárias para a preservação da natureza?

Besouro-rola-bosta: um paladar diferenciado

No Brasil, estima-se que existam mais de 700 espécies de besouros com hábito coprófago, ou seja, que adoram se alimentar das fezes de mamíferos – dá para imaginar o bafo?

As fêmeas do animal também aproveitam o cocô fresquinho para depositar seus ovos. Depois, com a ajuda dos machos, modelam bolas de fezes perfeitas que, quando secas, serão transportadas e enterradas em túneis cavados na terra pelo animal. Ao eclodirem, as larvas nascem no conforto de uma bolinha de fezes – talvez não muito cheirosa, é verdade – que também lhe servirá de alimento.

Esse nobre serviço executado pelos besouros-rola-bosta contribui para a adubação do solo, aumentando a quantidade de nutrientes nas camadas mais profundas e na aeração da terra, assim como na dispersão de sementes. Nos pastos, onde o cardápio de fezes é variadíssimo, o inseto promove a “limpeza” do local e evita a proliferação das moscas-do-chifre (Haematobia irritans) e das moscas-do-estábulo (Stomoxys calcitrans), uma vez que essas espécies também gostam de depositar seus ovos nas fezes dos bovinos.

Considerada um indicador biológico da qualidade de um ambiente, a presença do besouro-rola-bosta é mesmo valiosa. Quando eles deixam de ser encontrados, é sinal de alerta e de que a área precisa de mais cuidados de preservação.

Bicho-lixeiro: o acumulador

Também conhecido como crisopídeo, esse inseto faz parte da ordem Neuroptera. Ainda no início da vida, em estágio larval, apresenta uma característica um tanto bizarra: acumula os restos mortais de suas presas e de outros substratos que encontra pelo caminho em cima de seu corpinho, formando uma espécie de cápsula que serve para sua proteção e camuflagem.

Isso acontece porque, nessa fase, o bicho-lixeiro se alimenta de outros animais pequenos, como pulgões, ácaros e cochonilhas. Por isso, ele é bastante utilizado para o controle natural de pragas em plantações. Como seu aparelho bucal é desenvolvido “apenas” para sugar, depois de se alimentar do sangue de suas vítimas ele faz um enorme malabarismo e passa a carcaça do morto para as suas “costas”. Andar com todo esse peso só é possível porque seu corpo possui cerdas longuíssimas e em enorme quantidade, que ajudam a segurar essa “barra”.

Já na fase adulta, quando a metamorfose é finalmente concluída, o bicho-lixeiro transforma-se em um inseto voador verde, com lindas asas transparentes que lembram uma renda feita a mão. Para além do visual, há mudanças no hábito alimentar. Nesse estágio final da vida, o animal passa a se alimentar basicamente de pólen e líquidos açucarados, como o néctar das flores.

Pulgão e formiga: uma doce amizade

Esses dois insetos são “parças” e podem viver juntinhos em colaboração. Mas há quem chame as formigas de interesseiras. Afinal de contas, os pulgões fornecem a elas um elixir rico em carboidratos, capaz de proporcionar boa parte da energia de que eles precisam para sobreviver.

Conhecido como honeydew, esse líquido rico em açúcar é eliminado pelo ânus do pulgão depois que ele se alimenta da seiva das plantas. Sim, pode-se dizer que é uma espécie de “docinho de cocô” – atenção ao acento, não estamos falando da fruta.

Essa relação de parceria não termina por aí. No melhor estilo “uma mão lava a outra”, as formigas cuidam de seus queridos pulgões, protegendo-os dos predadores (joaninhas e aranhas) e, muitas vezes, até levando-os para morar debaixo do “teto” de seus formigueiros.

Diversos especialistas têm estudado os impactos dessa linda amizade para as plantas. Quando a relação está equilibrada, as verdinhas podem até sair ganhando, pois a ação das formigas evita o acúmulo do líquido doce excretado pelos pulgões, prevenindo o desenvolvimento nas folhas de fungos que prejudicam sua capacidade de fotossíntese. Porém, o excesso de proteção das formigas pode desequilibrar o ambiente e resultar em uma superpopulação de pulgões, causando assim o adoecimento da planta.

*Este conteúdo contou com a colaboração da curadora da Coleção Entomológica do Instituto Butantan, Flávia Virginio.

Fontes:

31º SEMINÁRIO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA REGIÃO SUL (SEURS). Os insetos: conhecendo, convivendo e preservando

EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Informações sobre Chrysoperla externa

JORNAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). O lugar dos insetos na biodiversidade

UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS (UFLA). Cartilha do bicho-lixeiro

UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS (UFLA). Pesquisa da UFLA estuda efeitos da interação entre pulgões e formigas sobre feijoeiros

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ (UNIFESSPA). Pesquisa utiliza besouro-rola-bosta para avaliar qualidade ambiental em sistemas agrícolas

 

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