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Netflix Brasil, ano um: os altos e baixos de um serviço ainda em construção

Enquanto sofria pressão nos EUA por uma série de escolhas confusas e problemas internos, o Netflix, um dos serviços mais revolucionários dos últimos anos, desembarcou no Brasil. R$15 por mês para ter acesso a um considerável acervo de filmes e seriados. Depois de um ano, qual o balanço do serviço por aqui? Nós nos acostumamos […]

Enquanto sofria pressão nos EUA por uma série de escolhas confusas e problemas internos, o Netflix, um dos serviços mais revolucionários dos últimos anos, desembarcou no Brasil. R$15 por mês para ter acesso a um considerável acervo de filmes e seriados. Depois de um ano, qual o balanço do serviço por aqui? Nós nos acostumamos à cultura do streaming? Pagar por conteúdo? Muitas dúvidas, mas temos algumas respostas.

O que era antes, o que é hoje

Temos razões para chamar o Netflix de serviço revolucionário: ele “quebrou” a Blockbuster nos EUA (e, de tabela, no mundo todo). Isso não é pouca coisa. Depois de anos de cultura de alugar filmes, pagar multas e afins, o Netflix foi lá, e com um interessante sistema logístico, criou um esquema de entrega de mídia física muito melhor do que qualquer um existente.

Mas Reed Hastings, CEO da empresa, é considerado um visionário. E sabia que esse papo de mídia física estava caminhando para um abismo. E o Netflix como serviço de streaming era, para nós brasileiros, um sonho distante, a solução para diminuir a pirataria e para ter uma relação praticamente sem fricção nenhuma entre a vontade de assistir algo e realmente assistir algo.

(Mas guarde desde já: ser considerado um visionário, e tentar viver sempre um passo à frente, é um perigo. Explico em breve.)

De sonho distante, o Netflix chegou ao Brasil, e eis o que ele é hoje: um serviço com um milhão de assinantes na América Latina (a empresa não divulga dados específicos do Brasil), com alguns bons acertos, um preço aceitável, mas um duro caminho a enfrentar.

Os acertos

A reclamação de que os filmes não são muito novos continua. Claro, você tem alguns clássicos animais para assistir por lá, mas as pessoas normalmente querem motivos mais palpáveis para pagar por um serviço desse. E, nos últimos meses, o próprio Netflix viu como isso pode ser importante para sua existência.

Primeiro, o serviço fechou parceria com a distribuidora de conteúdos da Fox no Brasil. Numa tacada só, colocou séries como “How I Met Your Mother”, “24 horas” e outras boas novidades, como filmes clássicos realmente interessantes. Pouco tempo depois, o melhor filme do ano segundo o tal do Oscar, “O Artista”, apareceu no Netflix nacional antes de sair nas locadoras — e antes mesmo de aparecer na versão americana do serviço. O golpe certo: um contrato com a Telefilms, uma das maiores distribuídoras de filmes da América Latina.

E desse contrato surgiu a principal bola dentro, com “Jogos Vorazes”: o filme apareceu no Netflix nacional no mesmo dia em que virou destaque na iTunes Store americana (com aluguel em HD por US$5), e antes de ser lançado em DVD ou Blu-ray ou ser exibido na TV. Resultado: em um fim de semana, el se tornou o título com mais horas assistida na América Latina, e o Brasil foi o país com mais visualizações. Um filme e dois dias foram o bastante para mostrar que um certo grau de exclusividade já deixa muita gente empolgada.

Eu assino o Netflix faz uns bons meses, e quando pensava em cancelar a assinatura por já ter basicamente dissecado o que me interessava no serviço, as novas adições me fizeram mudar de ideia. Mas isso significa, então, que o Netflix terá que fazer isso com certa frequência para manter — e angariar — novos usuários. Entupir portais com banners e dar um mês de graça pode não ser o bastante: os usuários querem mais conteúdo.

Quando o serviço foi lançado, o Pedro falou um bocado sobre como era preciso mais e mais conteúdo, que só aquilo que a estreia forneceu era pouco para convencer as pessoas. Hoje, os números do Netflix mostram que o cenário é bem diferente:

Por isso, fiquei feliz ao ver que “Arrested Development” e “Arquivo X” já estão garantidos para 2013; que a quarta temporada de “Breaking Bad” foi lançada na semana passada; e que o serviço apostará também em conteúdo nacional, com contratos com Band e TV Cultura — o primeiro deve colocar capítulos de “Pânico na TV”; e o segundo com “Roda Viva”. Recentemente, Reed Hastings disse à Veja que se impressionou com o sucesso de Chaves, e provavelmente ele tentará repetir a fórmula com conteúdos nacionais. Conhecendo o público do “Pânico”, pode funcionar.

As complicações

Além de ter de fornecer mais e mais conteúdo, há duas questões que podem atrapalhar um pouco o Netflix por aqui: primeiro, uma mudança importante nas leis de captação da Ancine; segundo, os problemas que o Netflix americano anda enfrentando.

Recentemente, a Ancine adicionou uma Instrução Normativa à cobrança do Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). Essa cobrança já exisita para cinemas e canais de TV paga, e afeta filmes e séries sem coprodução nacional. Ele é basicamente uma cobrança por exibição de conteúdo no Brasil, uma arrecadação para a Ancine, e ela pode ser cruel com o Netflix.

A IN 105 adiciona a exibição por streaming no Condecine, e serviços como o Netflix e o Net Now terão que pagar R$3.000 por obra de mais de 50 minutos (filmes) e R$750 por capítulo de série, para um direito de exibição de 5 anos. O valor é maior do que o cobrado às TVs por assinatura, o que fez Reed Hastings dizer à Folha que a pressão delas pode ter gerado a IN 105. Usando os números exibidos acima, do sempre ligado blog Filmes Netflix, o valor total pode ultrapassar a casa dos R$20 milhões.

Por isso Reed Hastings deve ter aproveitado a deixa para falar à Folha que isso “pode impactar no preço do assinatura”. Mas se o CEO já tiver aprendido com os erros do passado, ele sabe que essa deve ser considerada a última solução do serviço.

Isso porque, lá fora, o Netflix passou de “queridinho” da nação, com mais de 25 milhões de assinantes, para “devorador capitalista” ao separar o aluguel de DVDs e streaming. Antes vendidos em um só pacote por US$8 (o streaming vinha praticamente de brinde), a empresa decidiu dividir os dois, cobrando US$8 por cada um deles.

Reed Hastings é um visionário, lembra? Pois bem, segundo a CNET, foi por isso que a empresa cometeu tantos erros no ano passado e em 2012 não conseguirá atingir a meta prometida de usuários. Hastings entendia que o streaming era o futuro — e ele não estava errado. Mas forçar uma mudança tão radical em uma base tão fiel de usuários, e mexendo em seus bolsos para isso complicou a vida da empresa nos EUA. Você pode ter o argumento que quiser — seja algo visionário, seja algo relacionado à impostos: se aumentar o preço, as pessoas não vão ficar nada felizes.

E esperamos que isso não afete o Brasil. E que a empresa saiba que aumentar o preço do serviço poderá ser um tiro de bazuca no pé. Um dos cenários que considero mais possíveis é o de remoção e menor adição de conteúdos no Netflix: nos últimos dias, contratos expiraram e alguns dos principais chamarizes do serviço ainda não voltaram, como “The Office” e “Battlestar Galactica”. A empresa diz que está reafirmando contratos, mas não diz se tudo voltará, e a questão da Ancine pode pesar na hora de ver se vale realmente a pena pagar para colocar um filme ou um seriado completo no ar.

R$15 reais por mês, para mim, parece um preço justo: se você assistir dois filmes e um ou outro seriado, já valeu muito mais do que alugar algo. Mas a batalha do Netflix ainda é contra a pirataria. E atrasar a evolução de um mercado tão promissor e que pode diminuir o movimento desenfreado dos torrents, como a Ancine está fazendo, pode ser um problema para a evolução de um serviço que deveria revolucionar nosso modo de consumir conteúdo, mas que ainda precisa evoluir bastante para atingir mais e mais a população brasileira.

[Imagem inicial e arte por Marina Val]

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